• Nenhum resultado encontrado

Divulgar Cultura

No documento MAJ Paulo Ramos (páginas 63-65)

Passemos agora à segunda acção estratégica, em que se pretende divulgar padrões culturais. Nesta acção, o Estado não pretende incutir hábitos que levem à prática de uma actividade específica mas sim dar a conhecer a sua forma colectiva de pensar, sentir e fazer, transmitindo uma imagem, simultaneamente, simpática, positiva e prestigiante.

Com a componente simpática e positiva, pretende actuar como "antídoto" ou acção preventiva dos possíveis efeitos negativos provocados pela acção de "Incutir Cultura", referida anteriormente. Como vimos, na Estratégia Cultural Interna, perante uma Influência Cultural Externa existe uma reacção de protecção. Neste capítulo, vimos também, que uma das ameaças (ao interventor) é a reacção de repulsa ou mesmo violência, perante a insegurança de um contacto intenso, com uma Cultura desconhecida. Esta acção estratégica vem tornar transparente a Cultura de um Estado, anulando essa sensação de insegurança e consequentemente a reacção de intolerância (repulsa ou violência), por parte do outro Estado. Actua de forma preventiva, como uma espécie de guarda avançada da acção de "Incutir Cultura" (essencialmente comercial) ou outras acções de Política Externa que se lhe seguem.

89 George Ross, Op Cit.

Estratégia e Cultura

56 "Por que razão uma tão esmagadora supremacia militar, diplomática,

económica e tecnológica não suscita ainda mais críticas ou resistências? Porque a América exerce, para além do mais, uma hegemonia no campo cultural e ideológico. Detém, também, o domínio do simbólico, que lhe dá acesso ao que Max Weber apelida de domínio carismático"91.

Focalizando sobre o caso típico dos EUA, o jornalista alemão Josef Joffe refere ainda que uma das razões para que ainda não tenha existido uma tentativa de equilíbrio do poder, perante a sua hegemonia (por parte das outras potências), como a história tem evidenciado, é o seu soft

power. "Ao impor ao resto do Mundo categorias de percepção homólogas das suas estruturas sociais, os Estados Unidos refazem o Mundo à sua imagem: a colonização mental que se opera através da difusão destes verdadeiros falsos conceitos só pode conduzir a uma espécie de Washington consenso generalizado e mesmo espontâneo"92.

Com a componente de imagem prestigiante pretende, mais do que anular a oposição, substituí-la por uma aceitação desejada. Com esta acção, o Estado pretende que o seu modelo sócio- cultural seja atractivo, constituindo-se assim como um referencial ou exemplo a seguir pelos outros Estados, podendo mesmo vir a atingir uma posição de liderança. Esta acção estratégica de "Divulgar Cultura" tem objectivos essencialmente políticos, ao contrário da acção estratégica anterior que tinha objectivos essencialmente comerciais. Utilizando novamente o exemplo dos Estados Unidos, verificamos que enquanto estes são vistos como defensores da liberdade, dos direitos humanos e da democracia, os outros Estados são levados a seguir o seu exemplo. Joseph Nye, político americano, refere que "Os outros não nos vêm como uma ameaça mas como um

desejo"93.

"Como não fascinaria? Para seduzir os corações e os espíritos, a América

dispõe de formidáveis e invejáveis trunfos. No plano político, primeiro, apresenta-se com a cara afável de uma velha democracia acolhedora, herdeira de uma revolução de alcance universal e de uma rica Cultura. O seu celebre símbolo - a Liberdade iluminando o Mundo - representa sempre, para milhares de oprimidos do planeta, uma forte mensagem de esperança e a promessa de uma vida melhor"94.

91 Ignacio Ramonet, "Um delicioso despotismo" in Le Monde Diplomatique, Edição portuguesa, Mai 2001, p.04 92 Pierre Bourdieu e Loic Wacquant, Op Cit.

93 Joseph Nye, "Other countries attracted to our values - source of soft power" in http://seattlep- i.nwsource.com/opinion/fpolop.shtml , 6 JAN 2000.

Estratégia e Cultura

Os conflitos em que os EUA se envolveram, após o fim da Guerra Fria, foram feitos em nome dos princípios humanitários e contra regimes autoritários ou ditaduras mal intencionadas. "Por todo

o lado se adopta o seu modelo renovado. Os seus métodos de gestão, os seus dispositivos jurídicos, as suas técnicas comerciais, os seus conselhos em comunicação e, claro, as suas paixões, as suas estrelas e os seus mitos... cidadãos se interrogam sobre o sentido dessa reconquista. Sobre o seu poder ideológico e sobre as suas estratégias de persuasão"95.

No entanto esta acção estratégica apresenta dois pontos fracos. Primeiro, a imagem atractiva e prestigiante pode não ser conseguida de forma universal, uma vez que depende da perspectiva cultural do receptor. Por exemplo, nem todos são atraídos pelos valores da Cultura americana. Alguns dirigentes iranianos dizem até que para alguém entender o significado de Satanás basta ver a MTV96. Talvez por isso, nesta acção de granjear prestígio, se verifique um esforço para utilizar valores o mais universais e consensuais possível.

Segundo, pretendendo transmitir uma imagem de prestígio, o Estado é levado a mostrar aquilo que não é, ou seja, a focalizar os aspectos vantajosos e a ignorar os aspectos inconvenientes. Quando isto acontece, pode acabar por cair em descrédito, porque defende determinadas valores mas não os pratica em absoluto, como é natural exigir-se a quem é visto como modelo dessas virtudes sociais.

"Na medida em que nós (os americanos) não conseguimos viver de acordo

com os padrões que defendemos e parecemos hipócritas, assim os outros ficam menos dispostos a nos seguir... Os presidentes Eisenhower e Kennedy reconheceram, há 40 anos atrás, que a segregação racial no seu território, se constituía como um revés para a sua política externa"97.

No documento MAJ Paulo Ramos (páginas 63-65)