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Análise Crítica do Discurso: princípios e perspectivas dos estudos críticos do discurso

O MARCO POLÍTICO DOS ESTUDOS DA ACD NO BRASIL

2.2 Análise Crítica do Discurso: princípios e perspectivas dos estudos críticos do discurso

Os objetos de estudos tomados à luz da ACD nas universidades brasileiras são tão plurais e complexos quanto à própria vida em sociedade. Os pesquisadores brasileiros têm se dedicado àquilo que obstaculariza a melhoria de vida e, dessa forma, são todos os problemas de uma sociedade cada vez mais litigiosa que representam os objetos de estudo da ACD na versão brasileira.

Por isso, temáticas que antes eram foco de outras disciplinas como antropologia, ciência política e sociologia agora são retomadas com o escopo da ACD que além de tratar questões marcadamente sociais, traz à baila questões linguísticas que subjazem em todos os casos. Essas questões linguísticas são um salto de qualidade no tratamento de problemas sociais porque apresentam um lado da questão até então adormecido.

São foco da ACD nas universidades brasileiras temas como: sincretismo religioso, discriminação racial (SILVA e ROSEMBERG, 2008), cidadãos em situação de rua (XAVIER (2013), (BESSA & NUNES, 2013); ensino de escrita no português, leitura crítica para alunos de ensino fundamental (RIOS, 2013), poder simbólico e suas representações, relação entre discurso e linguagem e representações sociais (DAMACENO, 2013); questões identitárias (PEDROSA, 2012c, 2013), (DIAS, 2013); estudos acerca do sujeito com diversos focos, discurso feminista e machista presentificados em mídias impressas (SARAIVA, 2016), discurso de jovens trabalhadores e seu lócus social (BATISTA, 2016), divulgação da ciência e

alfabetização científica (SANTOS, 2012), reflexões sobre contexto, violência contra indígenas, racismo, jogo de imagens veiculados em campanhas eleitorais, programas sociais e vozes silenciadas, discurso da sustentabilidade (RAMALHO, 2012); linguagem e ecologia, discurso jornalístico e sistema de cotas em universidades brasileiras, redução da maioridade penal no Brasil, trabalho escravo, pobreza extrema e representações discursivas.

Os temas expostos acima revelam questões que estão no centro da própria construção da sociedade brasileira. São temas que afetam milhões de pessoas e estão na pauta de discussão diária, não só dos centros de poder, mas daqueles que se veem alijados do processo decisório nacional.

E são esses temas que têm interessado aos pesquisadores brasileiros que produzem a partir da ACD. São pesquisas que tentam dar conta dessa realidade brasileira que apesar de estar explicitamente colocada, a maioria teima em ignorar, e se deixa levar pelas máscaras linguísticas que camuflam essa realidade.

Podemos citar alguns centros em que a ACD já está enraizada e dando frutos muito importantes. São eles: a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a Universidade de Brasília, a Universidade Federal de Sergipe, a Universidade Federal de Santa Catarina, a Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Federal de Santa Maria. Os trabalhos em ACD estão espalhados por várias universidades do país.

A universidade de Brasília é precursora da ACD no Brasil. Foi através da professora Izabel Magalhães com seu trabalho a partir do final da década de 80 e, posteriormente, com a tradução em 2001 do livro Discurso e Mudança Social, de Norman Fairclough, lançado em 1993 na Inglaterra, que a ACD teve seu início no Brasil.

Os trabalhos desenvolvidos na Universidade de Brasília (UNB) pelas professoras Denize Helena Garcia da Silva, Viviane Ramalho e Viviane Resende dão conta, principalmente, de aspectos relacionados a situações de rua e de pobreza. Há um fluxo considerável de produção de livros e artigos provenientes dessas pesquisas.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, as pesquisas lideradas pela professora Cleide Emília Faye Pedrosa ganham fôlego com a apresentação de uma nova corrente da ACD: a Abordagem Sociológica e Comunicacional do Discurso (ASCD). A ASCD tem como foco a mudança social e cultural. O objetivo é analisar as mudanças sociais e culturais promovidas e vivenciadas pelo sujeito. A principal contribuição da ASCD para o quadro geral teórico da ACD é a categorização do sujeito, já que essa é uma questão pouco definida não só dentro da ACD, mas dentro do campo das análises discursivas.

Segundo Pedrosa (2012b), por concordar que a discussão sobre o sujeito está aberta é que a ASCD, com base na Sociologia para a Mudança Social, assume que o sujeito se move (ou se constitui) diferentemente, em múltiplas classificações, a depender de situações e circunstâncias que lhes causam tensões existenciais. Assim, teríamos alguns tipos de sujeito ligados às suas identidades (fragmentadas).

Por sua vez, a professora Célia Magalhães, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem desenvolvido pesquisas com foco no sincretismo religioso e racismo em mídias impressas. A professora é também uma das precursoras da ACD no Brasil. O livro por ela organizado em 2001: “Reflexões sobre a Análise Crítica do Discurso” ganhou enorme repercussão e contribuiu em um momento de rara produção nacional.

Os estudos em ACD no Brasil têm ganhado espaço cada vez maior e repercussão internacional. No entanto, fica evidente a necessidade de fóruns e ambientes de discussão nos quais a troca de experiência seja a tônica. É necessário que esses estudos estejam ligados e provoquem, através de sua ação, respostas governamentais em prol dos que sofrem por relações socialmente assimétricas.

2.2.1 Discurso e práticas sociais na perspectiva da ACD

Para iniciarmos a discussão em torno das relações de poder subjacentes aos textos de divulgação científica, é preciso que se fundamente antes o conceito de discurso ao qual estamos ligados. Assim, estamos trabalhando com o conceito de discurso desenvolvido por Chouliaraki e Fairclough (1999) e Fairclough (2003a) e, ainda levando em conta o fato de que os textos ora analisados estão dentro de um quadro de quase-interação mediada.

Assim, é preciso que estejamos alinhados teoricamente para que a análise dos textos selecionados seja a mais exaustiva possível, levando em conta além dos aspectos semióticos da prática social referente à divulgação da ciência, os elementos não-discursivos dessa mesma rede de práticas. Essa postura é importante, já que os textos de DC são multimodais e apresentam alto grau de hibridismo.

O entendimento de discurso a partir da conceituação de Chouliaraki e Fairclough (1999) e Fairclough (2003a) refere-se aos elementos semióticos das práticas sociais, isso inclui linguagem (falada e escrita e em combinação com outras semioses), comunicação não- verbal (expressões faciais, movimentos corporais, gestos etc.) e imagens visuais (por exemplo, fotografias, filmes). E que, além disso, o discurso representa um modo particular de

representar parte do mundo e está ligado a interesses específicos (no nosso caso das revistas SuperInteressante e Galileu).

O discurso da divulgação científica traz à tona uma situação de interação social desfavorável para uma das partes (o leitor). A nosso ver, a rede de práticas na qual estão situadas as revistas de divulgação lança mão de várias semioses para transformar o seu discurso em algo atraente e persuasivo, há aspectos nessa relação revista/leitor que vão além do âmbito linguístico.

Por isso, é preciso que o conceito de discurso alie os elementos semióticos com os referentes às práticas sociais, dessa forma, não negligenciaremos questões que nos parecem cruciais para a superação desse problema.

Essa concepção de discurso está preocupada com os aspectos que transcendem o texto individualizado, e coloca em foco as relações intertextuais dos textos com outros discursos e outros textos. Para Fairclough (2006), qualquer discurso somente pode ser analisado a partir de traços que são recorrentes em um número maior de textos e que representam uma estabilidade temporal. Dessa forma, as categorias de discurso não dizem respeito à individualidade dos textos, mas às práticas sociais que o englobam.

Assim, ensina Fairclough (2006, p.10) que devemos estar preocupados não só com discursos, “mas com relações entre discurso e outros elementos da vida social. O foco é no processo e mudança no decorrer do tempo, nas relações entre discurso e outros elementos no processo de globalização enquanto ocorrem no decorrer do tempo”.

Ao englobar elementos da vida social, estaremos trazendo para a discussão o eixo social da nossa análise. Entendemos que as práticas discursivas se realizam no conjunto das práticas sociais e são reveladoras das interações estabelecidas entre as redes editoriais e o público, naturalizando a prática hegemônica que caracteriza os veículos.

Rezende e Ramalho, abordando essa perspectiva do conceito de discurso como práticas sociais, afirmam que é preciso compreender o discurso “como um modo de ação historicamente situado, que tanto é constituído socialmente como também é constitutivo de identidades sociais, relações sociais e sistemas de conhecimento e crença” (2006, p.26).

Esse ponto de vista nos religa à classificação que estamos propondo para as redes editoriais da divulgação científica. Essas redes operam com a confiança desenvolvida a partir da crença. É assim, então, que esse discurso da DC se constitui em práticas sociais estabelecidas e estáveis historicamente.