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O estudo do poder: dominação e legitimação através de discursos institucionais

O MARCO POLÍTICO DOS ESTUDOS DA ACD NO BRASIL

2.3 A ASCD: pressupostos para a análise de textos de comunicação social

2.3.2 O estudo do poder: dominação e legitimação através de discursos institucionais

Partindo para a discussão acerca dos efeitos da modernidade na comunicação de massa na atualidade, Giddens nomeia esse período de ‘modernidade tardia’ ou ‘alta modernidade’ e a caracteriza pelo ceticismo generalizado em conjunto com o reconhecimento de que a ciência e a tecnologia criam novos parâmetros de risco e perigo além de oferecer possibilidades benéficas para a humanidade (GIDDENS, 2002, p.32).

Firmado o entendimento acerca da noção de discurso, passemos ao estudo do poder dentro do quadro da ACD. Fairclough ([2001], 2008) toma o conceito de poder como hegemonia tal qual Gramsci (1971). A partir desse entendimento, “hegemonia é a construção de alianças e a integração muito mais do que simplesmente a dominação de classes subalternas, mediante concessões ou meios ideológicos para ganhar seu consentimento” (FAIRCLOUGH, 2008, p. 122). Assim entendida, a hegemonia transforma-se em um foco de constantes lutas entre os blocos sociais que se colocam em contraposição. Alguns desses blocos tentam a todo custo manter as relações de dominação e subordinação ideológica, econômica e política.

Dessa forma, podemos considerar o campo discursivo da ciência e também da divulgação científica como a materialização discursiva de uma proposta hegemônica que pretende através de Sistemas Peritos manter o poder social de influência das massas.

Por isso, vamos discutir, por um lado, a hegemonia da ciência na atualidade, e, por outro, as consequências da apropriação desse poder em termos de influência pelos meios de comunicação, mais especificamente pelas revistas de divulgação científica mais populares, já que entendemos que quanto maior o escopo de alcance da mídia, mais graves as

consequências provocadas. Contudo, ainda é preciso ampliar a visada e propor caminhos para a análise dos tipos de poder que se manifestam nos textos das revistas de DC.

Como já dissemos, o que ocorre, de fato, hoje no país, é a apropriação de um poder da ciência pelas revistas de divulgação científica. Nesse quadro de exercício de poder em termos de hegemonia, há o leitor, o consumidor que ignora o processo de produção das informações científicas e creditam todo prestígio possível nas revistas, tornando-as, assim, no que caracterizamos de “Sistemas Peritos”, a partir de uma conceituação proposta por Anthony Giddens (2002).

Os efeitos negativos dessa “apropriação” arbitrária (correndo o risco de ser redundante já que toda construção linguística parte de uma arbitrariedade de seu produtor) atingem 3 milhões de leitores que atribuem um nível alto de confiança nas informações apresentadas pelos veículos em questão.

O fato é que as pessoas consomem essas informações sem perceber ou questionar sua procedência, ou ainda entender o processo de produção das matérias veiculadas. E isso, a nosso ver, produz um prejuízo significativo aos leitores e à sociedade. Os discursos em jogo não são equânimes e não devem ser entendidos de tal forma.

Segundo Fairclough (2008, p.123), a prática discursiva, a produção, a distribuição e o consumo de textos são expressão da luta hegemônica e contribuem em graus variados para a reprodução e transformação da ordem de discurso existente, como das relações sociais assimétricas existentes.

Por sua vez, Van Dijk (2008) avança na identificação dos tipos de poder. Segundo o autor, é preciso que continuemos os estudos acerca desse conceito para amadurecer e demonstrar suas implicações de forma interdisciplinar. Assim, o autor destaca as características do poder que, segundo eles, são relevantes para os estudos em Análise Crítica do Discurso.

Para Dijk (2008), é uma característica do exercício contemporâneo do poder e existência de uma estrutura lógica. Essa estrutura seria formada por cognições socialmente compartilhadas que estão, de alguma forma, ligadas aos grupos sociais. Essas cognições compartilhadas, apropriadas e confirmadas, principalmente através dos meios de comunicação e do discurso vigente na sociedade.

Assim, ganha relevo a posição que temos defendido de que a relevância dos discursos das redes editoriais de divulgação da ciência, reside, de fato, na sua origem ou produção. Para Van Dijk, o poder efetivamente utilizado pelos grupos que detêm controle de diferentes recursos discursivos. Por isso, “esse controle pode ser analisado de modo mais sistemático nas

formas de (re)produção do discurso, especificamente em termos de sua produção material, articulação, distribuição e influência”.

Para fins de análise, seguiremos essa linha teórica apresentada. Fairclough (2003, 2008, 2008) e Van Dijk (2008) apontaram para o fato de que a análise do poder é elemento indispensável nos marcos de uma teoria crítica do discurso. A partir desse entendimento geral, vamos utilizar as classificações do poder propostas pelo quadro teórico da ASCD, a partir de Bajoit (2006).

Pedrosa (2012c) catalogou as explicações de Bajoit e demonstrou como essa classificação dos tipos de poder podem servir de base para as nossas análises. Para Bajoit (2006), o poder é presentificado na vida social pelas formas de constrangimentos sociais e materiais existentes.

Então, desse ponto de vista, o poder designa o constrangimento social capaz de fazer triunfar sua vontade em uma relação social dada. Contudo, para o autor, essa classificação delimita o entendimento de poder já que as situações e os tipos de relações sociais são diversificados. Segundo ele, é preciso explicar o conceito de poder em relação aos conceitos de “domínio”, “autoridade” e “influência”.

Pedrosa (2012c) recontextualiza a classificação de Bajoit (2006) para o quadro teórico da Abordagem Sociológica e Comunicacional do Discurso. Utiliza, para isso, as expressões Poder-potência; Poder-Estado; Poder-autoridade; Poder influência; e Poder-hegemonia, para designar os tipos de poder apontados pelo autor. Assim, temos, para fins de análise dos tipos de poder:

(a) Modo de produção (administrar a produção de riquezas) e a potência. O modo de produção envolve a administração da produção e utilização social das riquezas de uma coletividade. Como nem sempre as riquezas são suficientes, geram-se conflitos entre as classes de gestores e de produtores (pode-se solucionar o problema também através da colaboração); aqueles desejam controlar a produção em benefício próprio. Quanto ao tipo de força exercida aqui, denomina-se PODER- DOMÍNIO.

(b) Tipo de regime político (administrar a ordem interna) e o poder. A administração de uma ordem interna envolve: legislar (poder legislativo – decidir sobre o permitido e o proibido); julgar (poder judicial – avaliar as condutas conforme as leis); reprimir (poder repressivo – aplicar a decisão do poder judicial); governar (poder executivo – intervir na ordem instituída). Os atores políticos envolvidos são as elites estatais e os cidadãos. Neste caso, o tipo de coerção é PODER-ESTADO.

(c) Modelo de integração social (administrar a socialização de seus membros) e autoridade. Este modelo dá conta da socialização dos membros da coletividade de acordo com as regras que se adotaram para o corpo social, como: prescrever e incutir as regras; garantir a autoridade da hierarquia; avaliar as condutas dos dirigidos; e castigar o desvio social. Os atores sociais são as hierarquias e os dirigidos. A esta “capacidade de obrigar os membros de uma coletividade a conformar-se com um modelo de integração” (BAJOIT, 2008, p. 38) chama-se PODER-AUTORIDADE.

(d) Tipo de contrato social (administrar o consenso e a solidariedade) e a influência. Tipo de relação social em que se estabelecem, negociam e garantem os compromissos, bem como a existência entre os diferentes grupos. Os atores sociais envolvidos são os grupos instalados e os grupos minoritários. A relação de coerção que envolve, acima de tudo, negociação é denominada de PODER-INFLUÊNCIA.

(e) O modelo de ordem social (administrar suas relações com outras coletividades) e a hegemonia. Este modelo se refere ao modo de administrar as relações entre as coletividades nos âmbitos regional e mundial. Os atores envolvidos são: coletividades hegemônicas e coletividades dependentes. A relação de coerção em que a coletividade mais forte impõe (por diplomacia ou guerra) seus interesses políticos, econômicos sobre outras mais fracas, chama- se PODER-HEGEMONIA.

Podemos observar que a classificação proposta por Bajoit (2006) e recontextualizada por Pedrosa (2012c) estabelece parâmetros claros para a abordagem que precisamos desenvolver nos textos de DC. Essa classificação nos ajudará a enquadrar a divulgação científica em uma análise socialmente localizada e que leve em consideração as práticas sociais estabelecidas a partir da relação de poder estabelecida pelo próprio campo científico.

O poder como Hegemonia e o poder como influência podem revelar as nuances da produção e recepção dos textos das revistas de divulgação científica. Entendemos que essas nuances são cruciais para o entendimento desses textos e possibilitam maior clareza de que as redes de DC operam como Sistemas Peritos.

2.3.3 Presunções ideológicas no texto da DC: tratamento dos modos de operação