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Presunções ideológicas no texto da DC: tratamento dos modos de operação da ideologia

O MARCO POLÍTICO DOS ESTUDOS DA ACD NO BRASIL

2.3 A ASCD: pressupostos para a análise de textos de comunicação social

2.3.3 Presunções ideológicas no texto da DC: tratamento dos modos de operação da ideologia

Faremos aqui a exposição da classificação e do tratamento que daremos nas análises à questão das formas como a ideologia pode materializar-se nos textos de divulgação científica. Para tal, apresentaremos o estudo desenvolvido por Thompson (2009) sobre essa questão.

Para Thompson (2009), a produção e circulação das formas simbólicas de ideologia na sociedade moderna não pode ser separada da indústria midiática. Para o autor, o papel desempenhado pelas instituições da mídia é fundamental, e “seus produtos se constituem em traços tão onipresentes da vida cotidiana, que é difícil, hoje, imaginar o que seria viver num mundo sem os inúmeros meios através dos quais as formas simbólicas são apresentadas a nós” (THOMPSON, 2009, p.219).

Dessa forma, a vida cotidiana está sendo desenvolvida em torno das mídias e esses veículos têm aumentado a sua influência e poder simbólicos na sociedade. Através desse poder, são inculcados imagens, conceitos, informações e contrainformações que possuem grande carga ideológica como demonstrado no capítulo anterior, a partir das fundamentações de Bueno (2011b) e Barros Filho (2008).

Desse ponto de vista, a mídia impressa é um canal eficiente de reprodução de formas simbólicas e possuem a capacidade de influenciar decisivamente nas condutas sociais. Quando não impõem sobre o que falar, consegue impor sobre o que pensar acerca de determinado assunto. Desenvolvemos tópico a respeito dessa capacidade em torno do conceito de Sistemas Peritos (GIDDENS, 1991).

Como temos demonstrado até aqui, há na apropriação das redes editoriais da divulgação da ciência do discurso científico um elemento que denota o uso da influência social do discurso científico que é, por sua vez, retroalimentado pela divulgação da ciência, fortalecendo os significados que propiciam a manutenção do prestígio social à ciência.

Esse circuito demonstra uma prática que está cristalizada socialmente, organizada e sancionada pelo estado. Obviamente, não se trata apenas de poder de influenciar as mentes das pessoas, mas, antes, diz respeito à capacidade material de produção e reprodução de ideologias através de informações.

Thompson (2009), ao desenhar sua teoria geral acerca da ideologia e dos seus modos de operação, tomou as contribuições de Althusser, e Gramsci, principalmente. Sendo assim, os pressupostos teóricos desenvolvidos aqui a respeito da ideologia estão enquadrados, sem maiores esforços, no arcabouço teórico focando em três aspectos que, a seu ver, necessitam de maior elaboração. São eles: a noção de sentido, o conceito de dominação e as maneiras como o sentido pode servir para estabelecer e sustentar relações de dominação.

Assim, na visão de Thompson (2009, p.76), “estudar a ideologia é estudar as maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar relações de dominação”. Essa perspectiva tem seu foco voltado para as representações simbólicas e suas relações de poder, e como o sentido é mobilizado para fortalecer e preservar posições de poder de grupos e pessoas.

Segundo o autor, as construções ideológicas são fenômenos simbólicos importantes quando servem para sustentar relações assimétricas (THOMPSON, 2009). É a partir dessa perspectiva que tomaremos os textos da divulgação científica. Entendemos que tais textos representam fenômenos simbólicos representativos, já que atendem a uma demanda crescente e possui poder de mobilização inquestionável.

Thompson (2009) designa o conceito de “formas simbólicas” como ações, falas e textos produzidos por sujeitos e reconhecidos por outros como discursos significativos. Essas formas podem ser representadas de forma não-linguística, a exemplo de uma imagem.

Segundo o autor, podemos analisar o caráter significativo das formas simbólicas através de quatro aspectos, são eles: intencional, convencional, estrutural e referencial das formas simbólicas. A nosso ver, os textos das revistas ora estudadas enquadram-se nesses aspectos. A DC carrega uma tradição já demonstrada e que alcança os tempos dos primórdios do próprio fazer científico. Está, ainda, localizado nos dias atuais como política de estado e possui grande poder de ramificação social, sendo um dos mais influentes atualmente.

Sendo assim, utilizaremos os modos de operação da ideologia propostos por Thomspon como forma de identificação das características do modo de operação das formas simbólicas nos textos de DC. Segundo ele, “há inúmeros modos em que o sentido pode servir, em condições sócio-históricas específicas, para manter relações de dominação”(2009, p. 80).

O autor distinguiu cinco modos através dos quais a ideologia opera. São: legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e reificação. Esse não pretende, segundo o autor, ser um quadro exaustivo que delimite a análise da ideologia, mas uma forma de procurar identificar mecanismos gerais de operação ideológica. Vejamos abaixo:

Modos Gerais Algumas estratégias Típicas de Construção Simbólica

Legitimação Racionalização

Universalização Narrativização

Dissimulação Deslocamento

Eufemização

Tropo (sinédoque, metonímia, metáfora)

Unificação Estandardização Simbolização da unidade Fragmentação Diferenciação Reificação Expurgo do outro Naturalização Eternalização Nominalização

Como podemos ver, dentre as formas gerais de operação da ideologia apresentadas por Thompson, temos a Legitimação. Para o autor, as relações são sustentadas pelo fato de serem apresentadas como legítimas. É a esse aspecto da operação ideológica que diz respeito a primeira categoria.

A legitimação pode operar, segundo a estratégia da racionalização, quando o produtor de uma forma simbólica tenta persuadir, através de justificativas, sua audiência de que determinada instituição social é digna de apoio. Outra estratégia desse modo de operação é a universalização, através da qual, acordos institucionais que servem apenas para alguns são apresentados como bom para todos. Há, ainda, outra estratégia, a narrativização. Ocorre quando se desenvolvem histórias acerca do passado e incluem nessa história o presente como se fosse parte desse passado, de uma tradição eterna e aceitável.

A categoria da dissimulação pode ser explicada em termos de uso da linguagem a partir de formas simbólicas. Para Thompson, essas formas simbólicas são usadas para dissimular relações de dominação. “Essa técnica pode dissimular relações sociais, através da confusão ou da inversão das relações entre coletividades e suas partes, entre grupos particulares e formações sociais e políticas mais amplas” (THOMPSON, 2009, p. 84).

A primeira estratégia dentro do modo de operação da dissimulação é o deslocamento. Assim, um termo que é usado com frequência para se referir a um objeto ou pessoa é usado para se referir a outro, transferindo também as conotações positivas ou negativas desse objeto ou pessoa. Há ainda a eufemização em que ações, instituições sociais são descritas com o intuito de despertar valoração positiva na audiência. Pode-se ainda efetivar a dissimulação através do tropo, que é o uso figurativo da linguagem, a exemplo da metáfora.

A outra forma geral de operação da ideologia é a unificação. Segundo Thompson (2009), relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas através da construção, de uma forma de unidade que liga indivíduos em uma identidade coletiva, independente de suas particularidades.

Assim, a unificação pode ser efetivada através da estratégia da estandardização em que formas simbólicas são propostas como fundamento de partilha social e troca simbólica. “Essa é uma estratégia seguida, por exemplo, pelas autoridades do estado, que procuram desenvolver uma linguagem nacional, em um contexto de grupos diversos e linguisticamente diferenciados” (THOMPSON, 2009, p. 86). É possível ainda haver a estratégia da simbolização da unidade. Essa estratégia envolve a criação de símbolos de coletividade, assim como a bandeira nacional.

Por sua vez, a fragmentação opera de forma a manter as pessoas unificadas em torno de uma coletividade, mas segmentando os indivíduos que possam oferecer resistência aos grupos dominantes, fazendo surgir forças ideológicas de oposição.

São estratégias ligadas à fragmentação a diferenciação e o expurgo do outro. Segundo o autor, é o foco dado “às distinções, diferenças e divisões entre pessoas ou grupos, apoiando as características que os desunem e os impedem de construir um desafio efetivo às relações existentes, ou um participante efetivo no exercício do poder” (THOMPSON, 2009, p.87). Por sua vez, a estratégia do expurgo do outro consiste na construção de um inimigo que é perigoso e contra quem a coletividade deve lutar.

E, por último, temos a reificação, que é descrita por Thompson como as formas de sustentar relações de dominação a partir da retratação de uma situação transitória e histórica como se esta fosse natural e permanente. A naturalização de fenômenos socialmente estruturados é relevante para nosso estudo.

Uma das estratégias da reificação é a naturalização que consiste em naturalizar um estado de coisas arbitrárias como se fossem naturais e imutáveis. Por sua vez, na estratégia da eternalização, os fenômenos são esvaziados de sua carga histórica e são apresentados como permanentes e recorrentes. E há, ainda, estratégia da nominalização e passivização. Na nominalização, “sentenças, ou partes delas, descrições da ação e dos participantes nelas envolvidos, são transformados em nomes, como quando nós falamos em “o banimento das importações”, ao invés de o primeiro ministro decidiu banir as importações” (THOMPSON, 2009, p. 88). E a passivização ocorre quando verbos vão para a voz passiva para concentrar a atenção do leitor nos aspectos que interessam ao produtor.

A análise dos textos tendo em vista essas várias formas de operação da ideologia para a construção de um poder hegemônico baseado em um falso consenso estruturado a partir de uma construção simbólica nos fará desvelar os caminhos de análises em torno das relações de manutenção de poder erigidas em torno do texto da DC.

CAPÍTULO 3

CAMINHOS METODOLÓGICOS: a pesquisa em Linguística Aplicada