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1.3 Divulgação da Ciência: jornalismo científico e construção simbólica

1.3.4 O estado da arte do campo de estudos de DC no Brasil

O campo de estudos acerca da divulgação científica no Brasil é bastante vasto e possui considerável produção acadêmica a respeito da forma de produção, circulação e consumo de informações científicas por meio de revistas de massa. A maior parte dessa produção está situada no campo do jornalismo, e mais especificamente, no jornalismo científico. Não temos, no entanto, uma produção tão vasta e diversificada na área dos estudos da linguagem.

O jornalismo científico tem tomado como mote de sua produção temas relacionados à produção e democratização da divulgação da ciência a exemplo de Candotti (2001). No trabalho intitulado: “Divulgação e Democratização da Ciência”, Candotti apresenta a visão de que a divulgação da ciência nos dias atuais constitui-se em instrumento primordial para a consolidação da democracia e para evitar que o conhecimento científico seja sinônimo de poder e dominação. Do ponto de vista do autor, a divulgação científica deveria ter como objetivo primordial reduzir a distância entre a ciência e a sociedade, para que se busquem caminhos de superação de dificuldades coletivas.

Por sua vez, Luisa Massarani e Ildeu de Castro Moreira (2005) apresentam em uma obra organizada, Terra Incógnita: a interface entre ciência e público, elementos que apontam para o fato de que a ciência é o empreendimento de maior vulto na modernidade. Junto com a tecnologia, a ciência rege boa parte das relações econômicas e de poder entre os cidadãos. Na obra, os autores buscam reflexões acerca da divulgação da ciência e seus impactos e dilemas na sociedade. A tentativa passa pelo intuito de mapear as relações entre a ciência e a sociedade, já que a obra faz parte de um conjunto com o mesmo perfil.

Há, também, o estudo do perfil da espetacularização na construção da informação científica por parte da mídia impressa. Estudo conduzido por Alicia Ivanissevich (2001), intitulado: “como popularizar a ciência com responsabilidade e sem sensacionalismo”. No estudo, a autora aborda o fato de que o caminho mais curto e imediato entre a produção científicaeo público é a divulgação científica. Contudo, observa que há inúmeros problemas, tanto da parte dos que fazem a ciência, quanto da parte dos que compõem os meios de divulgação de massa nesse trabalho importante ao público. Desse choque cultural e procedimental, surjem erros e problemas que põem em risco a autonomia da sociedade ante a esse tipo de conhecimento.

Há um tom em comum nesses trabalhos que é a necessidade de repensar a divulgação das informações científicas. Todos os autores estão atentos ao fato de que há problemas nessa

relação e que isso põe em xeque a autonomia das pessoas, já que a sociedade atual se ancora fortemente, em todas as suas ações, em argumentos científicos.

Nesse sentido, Isaac Epstein (2002) aborda a questão da alfabetização científica. O autor chama a atenção para o fato de que é crescente a importância das questões relativas à atividade de divulgação da ciência e discute a importância das atividades de divulgação científica para o desenvolvimento da vida dos cidadãos contemporâneos, já que todos os dias as pessoas são chamadas a opinarem sobre questões que envolvem clonagem, células-tronco, reposição hormonal, entre outros temas atuais.

Devemos destacar também, para corroborar com a nossa perspectiva, qual seja a de que a divulgação científica constitui um novo discurso autônomo, os estudos de Zamboni (2001), Orlandi (2001) e Pfeiffer (2003). Zamboni (2001) defende que a atividade de divulgação científica é fruto da formulação de um novo discurso. Essa formulação de um novo discurso é efetivada por um novo sujeito enunciador que não está submetido ao discurso prévio da ciência. Dessa forma, o discurso de divulgação científica constitui-se como um gênero de discurso autônomo.

A esse respeito, Orlandi (2001), em seu estudo acerca da divulgação científica,afirma que o discurso da divulgação científica não é uma soma de discursos: ciência mais jornalismo igual à divulgação científica. Na verdade, o discurso da DC é uma nova articulação específica que produz efeitos específicos a partir de uma nova forma de articulação.

Segundo Santos (2012), o trabalho que Pfeiffer (2003) tem realizado no Laberurb/Unicamp segue no caminho de desvendar o que está por trás do crescente uso do discurso de divulgação científica pela mídia como instrumento pedagógico nas escolas brasileiras. Para a autora, a mídia relacionada à divulgação científica tem sido usada em substituição ao uso da literatura e da gramática.

Alguns estudos nesse campo tomam a revista SuperInteressante como objeto, é o caso de Dieguez (1996,apud GOMES, 2001), e Carvalho (1996, apud GOMES, 2001). Esses autores tinham como objetivo revelar as características que cercam a produção discursiva da Super. Levam em consideração a forma como a mídia impressa recontextualiza as informações científicas para alcançar novos objetivos econômico-financeiros.

É preciso destacar ainda os estudos desenvolvidos por Gomes, a exemplo do artigo publicado na revista Ciência e Ambiente de 2001: Revistas de Divulgação Científica: um panorama brasileiro. Nesse estudo, a autora discorre a respeito dos motivos que fizeram as revistas desse ramo sofrerem o boom de crescimento a partir da década de 80, resistirem às crises do setor na década de 2000 e chegarem até os dias atuais ainda no topo da lista de

vendagens. Faz ainda uma descrição das publicações Superinteressante e Galileu, comparando com outras revistas do mercado nacional.

Encontramos ainda nos anais dos congressos brasileiros de jornalismo científico da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) estudos que tomam as revistas de DC como objeto de análise. Como exemplo, temos o estudo desenvolvido por Carvalho (1996): A ciência em revista: um Estudo dos casos de Globo Ciência e SuperInteressante. Ainda há o estudo de Dieguez (1996): SuperInteressante: o desafio de uma revista brasileira de jornalismo científico para o grande público.

Portanto, são, de fato, inúmeros estudos desenvolvidos no campo do jornalismo científico. Contudo, não temos tamanha profusão quando olhamos a área de estudos da linguagem. Faltam, a nosso ver, em nossa área, estudos que tomem o discurso de divulgação como uma construção social simbólica que tem o intuito de cristalizar mitos e manter a hegemonia desses veículos de comunicação.

Devemos destacar ainda o trabalho das autoras Désirée Motta-Roth e Anelise Scotti Scherer da Universidade Federal de Santa Maria. As autoras desenvolveram o trabalho: “Expansão e contração dialógica na mídia: intertextualidade entre ciência, educação e jornalismo” (2012). Nele, procuram explorar o aspecto sociodiscursivo de popularização da ciência a partir dos conceitos de gênero discursivo, recontextualização e intertextualidade em notícias de Popularização da Ciência em inglês.

Embora a temática da divulgação científica seja objeto de muitos estudos, esses estão centrados, principalmente, nos aspectos jornalísticos de produção e consumo dessas notícias. Os poucos estudos que se situam na área de ciências da linguagem estão abordando esse objeto a partir das suas características de gênero e intertextualidade mostrada.

A nossa perspectiva traz uma contribuição inovadora no sentido de que se propõe a analisar o gênero e a intertextualidade desses textos, mas, a partir de uma perspectiva que procura desvelar as presunções ideológicas (THOMPSON, 1999), articulando-as ao perfil prescritivo e de manipulação a que denominamos nos termos de Giddens (2001) de Sistemas Peritos. Pretendemos, assim, avançar na discussão social da apropriação que as revistas de divulgação operam a partir do discurso da ciência, demonstrando que se a própria ciência está permeada de mitos, essas revistas atuam para “sacralizar” esses mitos em benefício próprio. E toda essa engrenagem social está funcionando a partir de estratégias discursivas.

CAPÍTULO 2