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OBJETIVO GERAL QUESTÕES DE PESQUISA OBJETIVOS ESPECÍFICOS

3.6.1 LSF e ACD: categorias analíticas

Como afirmado anteriormente, a ACD preocupa-se, também, com as relações entre as práticas discursivas e outras práticas sociais e, para isso, agrega noções ligadas à ciência social crítica ao paradigma funcionalista dos estudos linguísticos. No aspecto linguístico, essa teoria orienta-se pela Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) de Halliday (2004 [1985]). Para Chouliaraki & Fairclough (1999), a LSF é a principal teoria linguística que está mais próxima das perspectivas da pesquisa social crítica, e pode, de fato, ser complementar à Teoria Social do Discurso (TSD), como esta àquela.

Os estudos funcionalistas têm por objetivo, além de estabelecerem princípios gerais relacionados ao uso da linguagem, investigar a interface entre as funções e o sistema interno das línguas (RAMALHO & RESENDE, 2006, p.56). A Análise Crítica do Discurso, assim como o funcionalismo, entende a linguagem não como um sistema ‘fechado’ ou ‘autônomo’, mas como um sistema aberto e sujeito a inovações provenientes de estímulos do meio social.

Para Halliday, os sentidos da linguagem são possíveis por meio de componentes fundamentais que são ‘funcionais’, ou seja, têm função em relação às necessidades humanas. A teoria é funcional porque objetiva descrever como a linguagem é utilizada (COSTA, 2009, p.41). Haliday afirmou que as línguas organizam-se em três tipos de sentido que são chamados de macrofunções, a saber: a ideacional, interpessoal e textual.

Segundo Neves (1997, p.62), essas funções são manifestações dos dois propósitos gerais que fundamentam os usos da linguagem: entender o ambiente (ideacional) e influir sobre os outros (interpessoal). O terceiro componente metafuncional, o textual, lhes confere relevância.

Fairclough (2003) ampliou as relações teóricas estabelecidas com a LSF de Halliday (2004 [1985]). Desse modo, Fairclough (2003) sinaliza uma articulação entre as macrofunções, propondo em seu lugar três tipos de significados, quais sejam, o Acional, Representacional e Identificacional.

Em quadro demonstrativo, Resende e Ramalho (2006) evidenciam a perspectiva de Fairclough (2003).

LSF (HALLIDAY, 1991) ACD (FAIRCLOUGH, 1992) ACD (FAIRCLOUGH, 2003)

F. Ideacional F. Ideacional S. Representacional

F. Interpessoal F. Identitária S. Identificacional

F. Relacional

F. Textual F. Textual S. Acional

QUADRO 5: Recontextualização da LSF na ACD. Fonte: Resende e Ramalho (2006, p. 61).

O caminho de recontextualização proposto por Fairclough evidencia a necessidade do tratamento simultâneo entre as três dimensões, Representacional, Identificacional e Acional. Isso porque nenhuma dessas dimensões ocorre sem o aparecimento da outra. Elas ocorrem simultaneamente em qualquer texto socialmente localizado.

De forma que, em nossa análise, as categorias delineadas serão exploradas de forma simultânea, como sugerem Fairclough e Halliday. Dessa forma, estaremos elevando os sentidos e as projeções de análise ao máximo do potencial do corpus de pesquisa.

Passamos agora a explanar quais as categorias e de que forma elas se ligam aos significados propostos por Fairclough (2003) e os motivos de sua escolha.

O Significado Acional estabelece uma relação com gêneros. Para Fairclough (2003, p. 24) “gêneros, discursos e estilos são, na ordem, meios relativamente estáveis e duráveis de agir, representar e identificar”. Segundo o autor, quando textos são analisados, realizamos duas tarefas: (a) observamos os três aspectos do significado: Acional, Representacional e Identificacional e como são concretizados nos textos (vocabulário, gramática etc.); (b) Além disso, estabelecemos a ligação entre o evento social e a prática social mais abstrata ao perguntar que gêneros, discursos e estilos estão ali delineados, e como os diferentes gêneros, discursos e estilos se articulam no texto.

Nessa perspectiva, um texto não pode estar em um único e simples gênero, sempre haverá um hibridismo ou uma mistura de gêneros. Fairclough (2003, p.27) fala em cadeias de gêneros quando diferentes gêneros se ligam com regularidade e envolvem, nesse processo, transformações sistemáticas de gênero em gênero.

Segundo o autor, essas “cadeias de gêneros contribuem para a possibilidade de ações que transcendem diferenças no espaço e no tempo, unindo eventos sociais a práticas sociais diferentes, países diferentes, tempos diferentes, facilitando a capacidade reforçada para 'ação à distância”. Dessa forma, entenderemos o trabalho com a categoria de gêneros como o trabalho com cadeias de gêneros, hibridismo e intergenericidade.

Fairclough (1999) distingue ainda outro conceito importante ao tratar as questões de gêneros: o de gêneros e governança. Conforme o autor, os gêneros são importantes para dar sustentação às estruturas institucionais na sociedade, como governo, mídia, universidades. Dessa forma, temos essas instituições como partes importantes à governança social, e em tais gêneros como gêneros de governança. O autor utiliza o termo ‘governança’ para designar qualquer atividade dentro de uma instituição direcionada para regular alguma outra (rede de) prática(s) social(ais).

Outra categoria da nossa análise é a Intertextualidade. Entendemos a Intertextualidade como forma necessária de abordar os textos incorporados ao texto de DC. Segundo Fairclough (2003), esse é um traço importante na análise dos textos.

O autor distingue relações externas e internas de textos. A análise das relações externas é a análise de suas relações com outros elementos de eventos sociais e práticas sociais e estruturas sociais. E ainda é preciso analisar como outros textos são, efetivamente, incorporados e referenciados no texto em análise.

Por outro lado, a análise das relações internas dos textos inclui: a) relações semânticas (sentido entre palavras, expressões e elementos das orações); b) relações gramaticais (relações entre morfemas em palavras, entre palavras e frases, e entre orações e sentenças); c) relações de vocabulário (relações de colocação, padrões de co-ocorrência entre itens do vocabulário, palavras ou expressões); d) relações fonológicas (linguagem falada, entonação e ritmo).

Como fechamento do tópico do Significado Acional, fica posto que procuraremos a análise dos gêneros e sua constituição Intertextual como categorias. Temos, então, explicitado nosso primeiro nível de categorias de análise. Passemos para o significado representacional.

No que tange ao Significado Representacional,temos no foco o discurso. Segundo Fairclough (2003, p. 138) e de acordo com a teoria de Halliday (2004 [1985]), nos significados representacionais, as orações têm três elementos principais: os processos, os participantes e as circunstâncias. Nessa perspectiva, são incluídas as representações do mundo físico e perceptivo. Um mesmo aspecto do mundo pode ser representado em diferentes discursos, e essa articulação de diferentes discursos é chamada de Interdiscursividade (BARROS, 2015, p.74). A interdiscursividade é uma categoria de análise da qual lançaremos mão.

Para tratar o elemento interdiscursivo presente nos textos é preciso abordar as ordens do discurso. Segundo Fairclough (2003), uma ordem do discurso é uma combinação de gêneros, discursos e estilos que constitui os aspectos discursivos de uma rede de práticas

sociais. Embora as ordens do discurso possuam estabilidade e durabilidade, elas também mudam.

Em outras palavras, as ordens do discurso podem ser vistas como a estruturação social da diferença ou variação linguística – existem sempre várias possibilidades diferentes na língua, mas a escolha é estruturada socialmente.

A categoria de Interdiscursividade nos desvelará, nas análises, as diversas vozes envolvidas na estruturação do texto de Divulgação da Ciência, já que o presumimos. Com o apoio dos elementos apontados por Halliday (2004 [1985]), como componentes da função ideacional (representacional), faremos o tratamento do interdiscurso no texto de DC.

Nesse bojo, ao investigar as estratégias discursivas utilizadas no processo de construção, reconstrução e relato da informação científica pelas revistas, incursionaremos pelas representações de discurso presentes no texto. Para isso, utilizaremos as categorias de pressuposição e metadiscurso.

Para Fairclough (2006, p.153), “os tipos de discurso diferem não somente no modo como eles representam o discurso, mas também nos tipos de discurso que eles representam e nas funções do discurso no texto representador”. Nosso interesse nessa categoria reside no fato de que temos forte interesse em demonstrar as diferenças naquilo que é citado, e quais os motivos das diferenças entre os textos da ciência e da DC.

Um aspecto relevante nesse aspecto é a verificação se o discurso representado vai além das marcas de conteúdo e extrapola para a questão do estilo, dos contextos discursivos e da prática discursiva.

Dessa forma, a categoria de Pressuposição demonstrará as proposições assumidas pelo produtor do texto da DC como dadas ou tácitas. Para Fairclough (2006), o problema encontrado nesse tipo de construção é o fato de “para quem” a informação é tácita, de forma que isso implica consequências discursivo-ideológicas importantes.

Na frase: “a ameaça soviética é um mito”, há contradição já que ela poderia implicar que o produtor estaria simultaneamente tomando como tácito que há uma ameaça soviética e afirmando que não há tal ameaça (FAIRCLOUGH, 2006). A pressuposição será tomada como realização intertextual e necessária para desvelar estratégias textuais possivelmente manipulativas dos textos de DC.

Por sua vez, a categoria de Metadiscurso é uma forma de intertextualidade manifesta em que o produtor distingue níveis diferentes dentro de seu próprio texto e distancia a si próprio de alguns níveis do texto, tratando o nível distanciado como se fosse um outro texto (FAIRCLOUGH, 2006, p. 157).

A análise do Metadiscurso traz à tona o fato de que entendemos que o produtor do texto de DC toma o texto científico como um discurso que não é seu e age neste, como forma de (re)construir sua própria identidade a partir de questões relevantes para sua própria rede de práticas. Essa questão trará consequências importantes para a análise.

Passamos ao significado Identificacional. Esse significado está intimamente relacionado com a questão do estilo, da individualidade, da construção de identidades. Para Fairclough (2003, p. 161), os estilos são o aspecto discursivo da identidade. Dessa forma, utilizaremos a categoria de estilo para a identificação dos sujeitos, mas, principalmente, das identidades sociais, dos grupos e das instituições, que é o foco do nosso interesse.

É preciso compreender ainda que outros elementos primordiais à análise discursiva, que se ligam aos significados acional, representacional e identificacional,tais como poder, hegemonia e ideologia, assim como outros caros à ACD que estarão presentes nas análises. E temos no horizonte, a proposta de enquadramento das redes editoriais da divulgação científica como Sistemas Peritos. Esse enquadre buscará ser demonstrado ao longo do trabalho com as categorias de ‘esvaziamento de tempo e espaço’ e de ‘prescrição’ que estão descritas no quadro descritivo no final deste capítulo.

Por fim, ao analisar se as redes editoriais que sustentam a DC funcionam como Sistemas Peritos. Pretendemos verificar se os mecanismos de naturalização dos discursos contribuem para a manutenção da hegemonia do discurso da ciência através da DC. Para isso, incursionaremos no estudo das estratégias de construção simbólica e seus modos de operação da ideologia a fim de as formas como os sentidos servem para sustentar relações de dominação. Seguiremos, como demonstrado no capítulo 2, a formulação sobre ideologia proposta por Thompson (2009).

Para o autor, precisamos notar três aspectos importantes no estudo da ideologia, quais sejam, a noção de sentido, o conceito de dominação e as maneiras pelas quais o sentido pode servir para sustentar relações de dominação.

Thompson (2009) possui um vasto estudo acerca dos modos gerais através do quais a ideologia pode operar. Segundo ele, há a legitimação, a dissimulação, a unificação, e fragmentação e a reificação. Contextualizamos essa classificação de Thompson dentro do quadro da ASCD a fim de desenvolver o estudo das formas simbólicas nos textos de DC.

Por fim, delineamos nesse capítulo um caminho que tomou o desenho das macrofunções da LSF e justificou as categorias selecionadas. A fim de tornar mais claro o caminho percorrido, apresentamos, em seguida, um quadro demonstrativo das categorias.

QUADRO 6: Questões de pesquisa, Objetivos e categorias de análise. 1) Quais os mecanismos

utilizados pelo discurso de Divulgação Científica para a (re)textualização do texto científico?

f) a) Demonstrar como o texto da DC reconfigura outros textos incluindo, excluindo e estruturando vozes em relação à sua própria.

g) b) Investigar quais estratégias discursivas são utilizadas no

processo de construção/reconstrução/rela- to da informação científica. Prática Discursiva Evento Discursivo Rede de Práticas Recontextualização Desencaixe Ideologia, Hegemonia e Manutenção de Poder Propriedade textual Representação de discurso Ordem do discurso Estrutura genérica Sistema perito Modos de operação da ideologia Intertextualidade

Citação, pressuposição, metadiscurso, suposição, interdiscurso

Gênero

Cadeia de gêneros, hibridismo, estilo, interdiscursividade.

Confiança

Esvaziamento de tempo/espaço, prescrição

Estratégias de construção simbólica

Dissimulação,Reificação,Unificação 2) Quais tipos de recursos

discursivos utilizados na produção do texto da DC que permitem a incorporação das práticas discursivas de outras ordens de discurso no seu próprio discurso?

c) Examinar quais discursos são articulados e como são articulados no texto da DC e de que forma são relacionados (misturados) ao discurso científico. d) Analisar os discursos da DC

a partir da

recontextualização de diversos gêneros e práticas discursivos.

3) As redes editoriais que sustentam a DC e os seus discursos estabelecem relação com o funcionamento dos sistemas peritos, agenda setting e espiral do silêncio?

a) Verificar os mecanismos de naturalização dos discursos que contribuem para construção da hegemonia do discurso científico através do sistema perito da Divulgação Científica.

Como podemos visualizar no quadro, delineamos as macro categorias a partir de cada significado proposto pela LSF de Halliday e recontextualizado por Fairclough e estabelecemos as escolhas dos aspectos mais relevantes dentro de cada significado de acordo com os nossos objetivos.

Dessa forma, as categorias e opções teóricas ficam interligadas e adequadas aos objetivos como ao corpus da pesquisa. Contudo, cada categoria é “encapsuladora” de diversos aspectos linguísticos e discursivos que serão abordados durante as análises e estão respaldados em nossa matriz teórica.

CAPÍTULO 4