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1.3 Divulgação da Ciência: jornalismo científico e construção simbólica

1.3.2 As revistas de divulgação científica no Brasil

Nesse estudo, optamos pelas revistas de divulgação científica porque, em nosso entendimento, elas representam, sem dúvida, os meios mais tradicionais e de maior alcance entre aqueles que se propõem divulgar temas científicos. Entre essas publicações, verificamos três que se destacam no mercado editorial brasileiro. São elas: Ciência Hoje, Galileu e SuperInteressante.

Em artigo de 2001 sobre divulgação científica, Gomes (2001) propõe uma tipologia para situarmos as revistas brasileiras nesse quadro nacional de divulgação da ciência. Para a autora, as revistas devem ser tomadas de perspectivas diferentes, já que se propõem a trabalhar, embora as mesmas temáticas, mas de formas diferenciadas. Ela aponta como alicerce dessa tipologia o evento comunicativo de cada veículo, os participantes e, por fim, a linguagem utilizada.

Desse ponto de vista, as revistas devem ser classificadas em a) Revistas de Disseminação Científica; e b) Revistas de divulgação Científica. Para a autora, embora ambas tenham o objetivo de difundir conhecimentos científicos, elas possuem características que as particularizam nesse processo de difusão de informações científicas.

Assim, as de disseminação são aquelas que procuram reproduzir o conhecimento com o intuito de gerar mais conhecimento, são produzidas por pesquisadores e têm como público outros pesquisadores, da forma como explicou Epstein (2002), utilizando, para isso,o termocomunicação primária.

Para Gomes (2001, p. 99), essas revistas “veiculam textos altamente especializados, que, provavelmente, só serão compreendidos por profissionais da área do conhecimento do assunto abordado”. Segundo a classificação da autora, esse é um nicho representado pelas revistas científicas, pelos periódicos especializados publicados por universidades, institutos de pesquisa e sociedades científicas. Exemplo desse tipo de revista é a Ciência Hoje da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que, embora seja uma revista feita por cientistas e não por jornalistas, apresenta uma natureza híbrida por dirigir-se a um público não-especializado, mas também a um público especializado.

Por sua vez, as revistas de divulgação científica são caracterizadas na tipologia de Gomes (2001) pelo uso de textos com linguagem acessível dirigidos a não-especialistas. Assim, “Quando a revista de divulgação científica reproduz o conhecimento apenas com o propósito de informar, tem como alvo um público não-especializado e publica textos produzidos exclusivamente por autores jornalistas” (GOMES, 2001 p. 99). Exemplo dessas publicações são a SuperInteressante da Editora Abril e a Galileu da Editora Globo.

Estamos de acordo com a tipologia proposta por Gomes (2001) e entendemos as revistas SuperInteressante e Galileu como representantes de publicações de divulgação científica, que veiculam textos de infomações científicas, com linguagem e forma característicos e público em geral.

Segundo Gomes (2001), o surgimento da SuperInteressante é resultado de um acordo entre a Editora Abril e a empresa Gruner & Jhar. A empresa espanhola desenvolveu o projeto denominado Muy Interesante e o lançou em diversos países, tais quais, Alemanha, Espanha, França, México, Colômbia, Venezuela, Equador e Argentina. O projeto original concebia “uma revista sobre cultura geral e curiosidades, que abrangia Ciências Físicas e Biológicas, Geografia, Sociologia, Psicologia, Zoologia, Tecnologia, Astronomia, Artes e grandes temas atuais” (CARVALHO, apud GOMES, 2001, p. 103). Vejamos o quadro a seguir:

REVISTA LEITORES 1 13 Mercados 1.046.000 Projeção 1.841.000 CIRCULAÇÃO TOTAL (IMPRESSA + DIGITAL) 2 Assinaturas 244.085 Avulsas 32.915 Total 277.000

SITE ACESSOS 3 Page Views 14.106.000

Unique Visitors 5.595.935

Time Spent 3m20s

Fonte: 1 Estudos Marplan - Consolidado 2014 - 13 Mercados. 2 IVC Jul/16. 3 ComScore - para audiência geral considera "Multi-platform" Abr/16.

QUADRO 1: Audiência Geral. Fonte: <http://publiabril.abril.com.br/marcas/superinteressante>.

Como podemos notar, a publicação goza de prestígio social e os números demonstram isso. Em tempos de crise no setor editorial mundial, a revista consegue uma tiragem mensal de 277 mil exemplares e alcança a marca de 14 milhões de leitores, considerando os acessos virtuais. O prestígio da SuperInteressante é elemento central da nossa análise, já que canaliza a confiança que as pessoas depositam no sistema.

A questão importante, portanto, é nos indagarmos de que forma a publicação lança mão do discurso da ciência e por meio de quais estratégias discursivas constrói simbolicamente uma imagem da ciência e do conhecimento para os seus leitores. A revista da Editora Abril se propõe a revelar um mundo não desbravado pelo cidadão comum, por isso ela tem os slogans: “Essencial para cabeças quem têm fome de conhecimento, inovação e novidades. É feita para quem quer entender o mundo além do óbvio!”7

O conteúdo entendido como científico é apresentado como hermético inacessível, daí a necessidade da revista por parte das pessoas que nos dias atuais possuem cada vez mais necessidade de entender esses temas. No site da editora ainda encontramos a forma como a revista se apresenta ao público.

7

Com uma linguagem clara e direta, SUPER enxerga tendências, faz análises detalhadas, inova nas abordagens e enfrenta polêmicas para que o leitor debata, reflita e forme uma opinião sobre o assunto. É a revista essencial para entender o mundo em que vivemos, ajudando a separar: O NOVO do velho; O IMPORTANTE

do irrelevante; A VERDADE do mito. Tudo de

forma surpreendente, provocativa e ousada. (Disponível em: <http://publiabril.abril.com.br/marcas/superinteressante/plataformas/revista-

impressa>. Acessado em: 20/10/2016).

Não são poucas e nem fáceis as tarefas a que se propõe a SuperInteressante. Coloca-se como essencial para que as pessoas possam entender o próprio mundo em que vivem, oferecendo, assim, uma visão da ciência que por si já se constitui em mito, atitude que o veículo renega na citação acima. Desse ponto de vista, não há “verdade” e nem consciência senão pela ciência, e esta, por sua vez, é inacessível fora do contexto da revista e das facilidades que ela propõe.

O sistema que resultou na construção da ciência em contraponto aos “mitos”, como vimos nesse capítulo, já traz em si presunções ideológicas muito fortes no sentido de construir uma autoridade, um discurso de verdade. Temos ainda o reforço dessa construção simbólica por parte da revista que possui interesses financeiros para que essa construção vigore. Sendo assim, é primordial a análise dessa apropriação e mesmo do estatuto científico na mídia, por caminhos que desvelem questões ideológicas e discursivas.

Segundo informações acessíveis no site da Editora Abril8, entre os 1.841.000 (um milhão, oitocentos e quarenta e um mil leitores), 60% é composto por homens e 40% por mulheres. Esse número se refere aos leitores digitais, ou seja, aqueles que leem a revista através da plataforma on-line ou em tablet e celulares.

Por sua vez, a faixa etária que predomina está entre 20 e 29 anos de idade, com um percentual de 32,1% dos leitores. Seguida da faixa situada entre 30 e 39 anos com 24,4% dos leitores. A faixa entre 40 e 49 anos possui uma participação de 17,4. Entre os leitores de 10 a 19 anos há uma participação de 12%. Ainda há 10,1% entre os leitores com mais de 50 anos, e, por fim, uma fatia de 3,1% entre leitores de 10 a 14 anos de idade.

Como fica evidente, a penetração social da revista SuperInteressante é bem desenvolvida e alcança todas as faixas de idade. Isso demonstra a importância que as pessoas atribuem aos temas de ciência e tecnologia e ainda que, assim como a revista propala, entendem a ciência como tema inacessível e que implica ajuda especializada.

8 Informações acessíveis em <http://publiabril.abril.com.br/marcas/superinteressante/plataformas/revista- impressa>. Acessado em: 25/11/2016, às 20h.

A Editora Abril também mapeou, para fins de captação de clientes anunciantes as classes sociais que supostamente acessam a publicação da SuperInteressante. Segundo a editora, a classe B é quem mais compra, com uma participação de 53,9% nas vendagens. A classe A vem em seguida com 25,7% de participação nas vendas. A classe C participa com 19,3%, e, por fim, as classes D e E têm participação de 1% nas vendas da revista.

Sendo assim, há uma distribuição bem ramificada socialmente da publicação em questão, sendo possível afirmar que seu alcance está distribuído por todas as camadas sociais, embora isso aconteça em patamares diferenciados, mas é um fenômeno que, a nosso ver, designa uma questão social de relevo.

A revista Galileu surgiu com o nome de Globo Ciência em agosto de 1991, quando chegou às bancas a edição número 1. Segundo Gomes (2001), o objetivo era abordar os assuntos relacionados à ciência e tecnologia, mas deveria ser dada prioridade à notícia sobre pesquisas que afetassem diretamente o dia a dia das pessoas e que possibilitassem a elas acesso ao conhecimento científico.

Ao contrário da SuperInteressante, a revista Globo Ciência (mudou para Galileu em 1998) é um produto concebido nacionalmente, embora nos seus primeiros anos tenha estabelecido acordos com veículos internacionais para aproveitamento de matérias científicas. Assim como a Superinteressante, a Galileu tira proveito do crescente interesse que os públicos de níveis médio e superior têm por informações científicas (CHAPARRO, apud GOMES, 2001, p.23).

Sua tiragem mensal é de aproximadamente 108.912 exemplares. O perfil do seu público é composto, principalmente, de jovens envolvidos com as tecnologias e com as redes sociais. Também compõem o público alvo os adultos das classes A e B que procuram acesso a informações de cunho científico.

Para Gomes (2001), o caráter comercial das duas publicações e a superficialidade aparente de SuperInteressante e de Galileu, as revistas são vistas com desconfiança pela comunidade científica brasileira. Isso entra em contradição com o fato de que os dois veículos se apresentam como elo entre a comunidade científica e o público leigo. A revista da SBPC, a Ciência Hoje, desfruta de maior credibilidade por ser escrita por cientistas e não por jornalistas. Contudo, a linguagem mais especializada da revista Ciência Hoje faz com que esta não seja capaz de alcançar uma vendagem mais massiva.

Por fim, entendemos, nos moldes do que propõe Gomes (2001), que há, de fato, uma tipologia entre as revistas de divulgação científica. Estas podem ser enquadradas em revistas

de disseminação ou revistas de divulgação. As revistas SuperInteressante e Galileu estão entre aquelas de divulgação científica.

As revistas de divulgação científica procuram alcançar, com suas temáticas e seus textos, um público que entende não ser capaz de acessar conhecimento científico sem ajuda. Daí resulta a reconstrução do discurso da ciência por esses veículos que se colocam como tradutores dessas informações inacessíveis, mas que, a nosso ver, realiza um trabalho de construção simbólica que não representa mais o discurso da ciência, mas sim um novo discurso em que operam novas presunções ideológicas assentadas em novos objetivos.

As revistas Galileu e SuperInteressante são pioneiras nesse ramo de atividade e são as maiores desde que houve o crescimento exorbitante da procura por esse tipo de informação ainda nos idos da década de 1980. Há motivos sociais e conjunturais para que essas publicações tenham se mantido tanto tempo no topo e sobrevivido a tantas crises do setor de periódicos.