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uma análise crítica da proposta dos PCN

Yara Rosas Peregrino e Arão Paranaguá de Santana

O teatro é uma das mais antigas manifestações culturais do homem e o tem acompanhado ao longo da história, discutindo e confrontando suas crenças, valores, costumes, atitudes, fantasias e realidades. Se, num passado longínquo, o teatro aproximava o homem de seus deuses, hoje ajuda-o a compreender sua posição face a si próprio e face à sociedade em que vive.

Em nosso país, as tentativas de utilização do teatro como instrumento no processo educativo acumularam-se através da his- tória1 mas sua vertente escolarizada consolidou-se progressiva- mente somente nos últimos 50 anos, graças a muitos fatores, den- tre eles o reconhecimento crescente da importância do teatro na aprendizagem, assim como os movimentos de educadores que contribuíram para sua inserção na educação básica.

1Apesar de muitos afirmarem que os padres jesuítas utilizaram o teatro como instrumen-

to pedagógico no período colonial – tal como aconteceu nos colégios europeus, onde Molière e Goldoni, por exemplo, iniciaram-se na linguagem teatral – sabe-se que sua atuação nesse campo limitou-se à catequese, face à insuficiência de uma atuação peda- gógica em termos quantitativos e qualitativos nas escolas de aprender a ler e contar (cf. Santana, 2000, p. 61).

No entanto, a presença efetiva do teatro na escola só ocor- reu a partir da lei 5692/71, com a obrigatoriedade da Educação Artística. Agora, com os Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Fundamental (PCN), instituiu-se o Teatro como uma das linguagens da área de Arte.

Neste artigo, pretendemos fazer uma análise das propostas dos PCN para a área de teatro, procurando, sempre que possível, relacionar e comparar o documento para o ensino de 1ª a 4ª séries, com o documento destinado ao ensino de 5ª a 8ª séries.

Na proposta dos PCN-Arte2, a nomenclatura Artes Cênicas foi substituída por Teatro e Dança, visando-se, possivelmente, delimitar melhor esses campos e rejeitar um certo cunho poliva- lente subjacente à terminologia utilizada anteriormente. Contudo, os textos introdutórios dos PCN I e II não esclarecem os aspectos conceituais que motivaram a mudança, cujas razões podem pare- cer óbvias para os especialistas da área, mas não para a maioria dos professores aos quais os Parâmetros se destinam (cf PCN-Arte I, p. 83-86; PCN-Arte II, p. 88-90).

No documento para as séries iniciais, as considerações in- trodutórias da parte sobre teatro têm um caráter bastante vago, sendo utilizados, para justificar a importância de sua implementa- ção no currículo, argumentos que poderiam ser aplicados a qual- quer outra área do conhecimento. Neste sentido, o Teatro na esco- la aparece como “uma combinação de atividade [sic] para o de- senvolvimento global do indivíduo, um processo de socialização consciente e crítico, um exercício de convivência democrática”, ou ainda como “uma atividade lúdica e criativa baseada na expe- rimentação e na compreensão” (PCN-Arte I, p.84-85).

2Para facilitar as remissões, trataremos como PCN-Arte I o documento referente às

séries iniciais (1º e 2º ciclos) e PCN-Arte II o documento para o ensino de 5ª a 8ª séries (3º e 4º ciclos).

Na tentativa de suprir a falta de orientações didáticas espe- cíficas para cada área3, a proposta de Teatro para as séries iniciais, ainda na parte introdutória, apresenta algumas indicações de pro- cedimentos a serem adotados:

“O professor deve organizar as aulas numa seqüência, oferecendo estímulos por meio de jogos preparatórios, com o intuito de desenvolver habilidades necessárias para o teatro, como atenção, observação, concentração e preparar temas que instiguem a criação do aluno em vista de um progresso na aquisição e domínio da lin- guagem teatral.

Levar para o aluno textos dramáticos e fatos da evolu- ção do teatro (...) para que ele adquira uma visão his- tórica e contextualizada em que possa referenciar o seu próprio fazer.” (PCN – Arte I, p. 86)

Sabemos que a seleção e organização de conteúdos em qualquer área do conhecimento deve estar vinculada ao processo de desenvolvimento do aluno. Portanto, julgamos bastante signifi- cativa e importante — já que não aparece nos textos de outras áreas, como Artes Visuais, por exemplo — a preocupação especí- fica em ressaltar que é fundamental para o ensino de teatro o co- nhecimento das etapas do desenvolvimento da linguagem dramá- tica e sua relação com o processo cognitivo (cf PCN-Arte I, p. 86). Contudo, como o texto não esboça os fundamentos dessa aborda- gem de uma maneira objetiva, acreditamos que a orientação alude ao construtivismo, embora sem maior aprofundamento, opção epistemológica esta que ignora outras trajetórias da teoria curricu- lar contemporânea, como as contribuições pautadas em vertentes mais políticas, sociais e culturais.

3Como já foi discutido no artigo “A orientação geral para a área de Arte e sua viabilida-

de”, nesta coletânea, as orientações didáticas são dadas em termos globais para a área de Arte, sendo fortemente marcadas pela perspectiva das Artes Plásticas.

A questão do jogo é abordada nos dois documentos, pelo fato de ser considerado um elemento essencial ao ensino de teatro. Como afirma Koudela (1991, p. xxi), “o jogo é uma das peças mais importantes para a solução de problemas de ordem pedagó- gica, devendo ser elevado à categoria de fundamento de métodos educacionais”. Sem dúvida, é através do jogo improvisacional que o aluno aprende, vivencia e experiencia os componentes bási- cos da atividade teatral, ordenando progressivamente sua lingua- gem dramática. Embora este posicionamento fique claro nos dois documentos, é empregada uma terminologia específica do proces- so de trabalho com jogos, sem referência a uma discussão apro- fundada sobre sua função na educação escolar. A situação é ainda mais problemática no documento de 1ª à 4ª séries, onde encontra- mos no texto referência ao jogo simbólico, jogo espontâneo, jogo de regras ou jogo dramático, sem maiores explicitações. Como sabemos que esses termos derivam de vertentes teóricas e metodo- lógicas bem distintas, torna-se necessário delimitar com precisão os fundamentos de cada um deles. Para Pupo,

“Entre os múltiplos caminhos possíveis para o profes- sor, cabe salientar pelo menos dois, que têm como ba- se a improvisação e o desenvolvimento da capacidade de comunicação teatral. Um deles é o jogo dramáti-

co, termo cujo emprego exige alguma precisão por parte de quem o utiliza, pois apresenta várias acep-

ções. Determinados autores o empregam como sinô- nimo de faz-de-conta (...) Na acepção que nos interes- sa salientar, qual seja, a de uma modalidade de impro- visação amparada por regras e proposta por um edu- cador, o jogo dramático implica: - na divisão, ainda que temporária, entre quem joga e quem assiste; - na observação de regras de funcionamento (...) - na pro- posição de temas ou elementos da própria linguagem teatral – ação, espaço, personagem – como ponto de partida do jogo; - na ação, no aqui e agora, que en-

gendra o sentido. Outro caminho possível é o do sis- tema de jogos teatrais.” 4

A partir da publicação da primeira obra de Viola Spolin, Improvisação para o Teatro (1979), o conceito de jogos teatrais passou a ser muito utilizado nas escolas brasileiras, já que aborda- gens de origem francesa, germânica ou anglo-saxônica — quase sempre recorrentes na literatura nacional — não foram traduzidas nem difundidas através de revistas ou livros, excetuando-se a pu- blicação de O Jogo Dramático Infantil, de Peter Slade (1978), um resumo de obra mais ampla datada dos anos 50. Segundo Koude- la, são os seguintes os elementos do jogo teatral:

“O problema a ser resolvido é o objeto do jogo que proporciona o ‘Foco’. As regras do Jogo Teatral in- cluem a estrutura dramática (Onde, Quem, O Quê) e o objeto (Foco), mais o acordo do grupo. Para ajudar os jogadores a alcançar uma solução focalizada para o problema, Spolin emprega a técnica de ‘instrução’, a- través da qual encoraja o jogador a conservar a aten- ção no Foco” (Koudela, in Spolin, 1999, p. 12)

Contudo, temos de levar em conta que os professores que atuam nas séries iniciais, em sua grande maioria, não têm forma- ção específica na área de teatro, desconhecendo, portanto, as nu- ances contidas nesses construtos. Ademais, nos PCN-Arte I, é escassa a bibliografia relativa ao ensino de teatro: consta apenas uma dissertação de mestrado que, vale salientar, é de acesso bem difícil5. O documento destinado ao terceiro e quarto ciclos é mais generoso quanto às indicações bibliográficas, no que se refere aos fundamentos históricos e estéticos da linguagem teatral, embora,

4Pupo, Maria Lúcia de S. B. Práticas Dramáticas na Instituição Escolar, São Paulo,

1991 (mimeografado), apud Ferraz e Fusari, 1993, p. 116-117 - grifos nossos.

5Pinto, K. A. M. Jogo Dramático: uma experiência de vida, São Paulo: ECA/USP.

em termos de ensino escolar, sejam apenas cinco as referências citadas.6

Outro aspecto de relevância nas duas propostas, é que am- bas apontam para uma prática em sala de aula que tem como pon- to de partida a vivência do aluno e sua participação crítica no uni- verso cultural, como nos mostram essas duas passagens:

“O teatro no espaço escolar deve considerar a cultura

dos adolescentes/jovens, propiciando informações

que lhes dêem melhores condições nas opções cul-

turais e na interpretação dos fatos e das situações da realidade com a qual interagem”. (PCN-Arte II,

p. 89 – grifos nossos)

“O teatro, no processo de formação da criança, cum- pre não só função integradora mas dá oportunidade

para que ela se aproprie crítica e construtivamente dos conteúdos sociais e culturais de sua comunida- de”. (PCN-Arte I, p. 84 – grifos nossos)

Isto reforça a postura, importantíssima a nosso ver, de que os conteúdos só adquirem significação na medida em que tenham relação com aquilo que o aluno já conhece, sua realidade, seu am- biente sócio-cultural.

As duas propostas para a área de Teatro, em termos gerais, aludem à integração entre produção e apreciação artística, enfati- zando que o contato com a diversidade da produção cênica é fun- damental para a ampliação do universo cultural do aluno. Desta- cam-se os aspectos que incentivam, junto ao aluno, a formação de uma postura crítica face ao mundo que o cerca:

6As referências citadas são as seguintes: a) Koudela, I. D. Texto e Jogo. São Paulo:

Perspectiva, 1996; b) Koudela, I. D. Brecht: um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva, 1991; c) Koudela I. D. Jogos Teatrais. São Paulo: Perspectiva, 1984; d) Pupo, M. L. S. B. Palavras em Jogo. São Paulo: ECA/USP, 1997 (tese de livre docên- cia); e) Spolin, V. Improvisação para o Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1979.

“Por exemplo, a leitura de como a história está sendo contada, os ritmos, pontuações, acentuações podem ser um exercício fundamental para a construção de uma atitude crítica diante das formas dramáticas inse- ridas nos meios de comunicação de massas”. (PCN- Arte II, p. 89)

Este é um direcionamento importante, uma vez que não é uma tradição dessa área artística a preocupação com a apreciação e o contato com as obras, já que a grande parte dos textos disponí- veis reportam-se a relatos de experiências pedagógicas com teatro, indicativas de procedimentos didáticos com base em atividades práticas, geralmente desprovidos de fundamento teórico mais con- sistente. Por isso é essencial ressaltar que os PCN buscam definir objetivamente a função do teatro na escolarização, situando como fontes de estudo a história do teatro, a encenação, a dramaturgia, a cenografia, “além dos métodos de ensino e aprendizagem teatral” (PCN-Arte II, p. 89).

A proposta para as séries iniciais não apresenta objetivos gerais, apenas conteúdos. Como já foi visto em artigo anterior7, para os conteúdos gerais de arte são propostos, nesse nível de en- sino, três eixos norteadores — produção, fruição e reflexão — que se identificam com o tripé formulado pela Proposta Triangular (Barbosa, 1998). Ao passarmos para as áreas de Artes Visuais e Música, a correspondência dos conteúdos propostos com os eixos é clara e facilmente identificável. Em Música, por exemplo, o primeiro bloco de conteúdos contempla efetivamente a questão da produção, pois trata de aspectos relativos à interpretação, improvi- sação e composição. O segundo bloco dirige-se especificamente para a apreciação, quando trata da escuta, envolvimento e com- preensão da linguagem musical. Na proposta de Teatro, no entan- to, pela forma como os conteúdos estão agrupados, não se reco-

7Ver o artigo “A orientação geral para a área de Arte e sua viabilidade”, nesta coletâ-

nhece, de modo evidente, os três eixos propostos. Para esse nível de ensino, os conteúdos agrupam-se nos seguintes blocos:

1) O teatro como expressão e comunicação; 2) O teatro como produção coletiva;

3) O teatro como produto cultural e apreciação estética (cf PCN- Arte I).

O bloco “O teatro como produção coletiva”, em lugar de tratar da questão da fruição/apreciação, apresenta conteúdos que consideramos inerentes à produção, realçando os aspectos de con- junto, como:

 “Reconhecimento e integração com os colegas na elaboração de cenas e na improvisação teatral”.

 “Reconhecimento e exploração do espaço de encenação com os outros participantes do jogo teatral”.

 “Criação de textos e encenação com o grupo” (PCN-Arte I, p. 87, 88).

Este segundo bloco não assume totalmente o eixo nortea- dor ligado à apreciação. Dentre os conteúdos listados apenas dois contemplam esse aspecto. Um deles trata da “observação, aprecia- ção e análise dos trabalhos em teatro realizados pelos outros gru- pos”, e o outro da “compreensão dos significados expressivos corporais, textuais, visuais, sonoros da criação teatral” (PCN-Arte I, p. 87, 88).

Como no ensino de teatro a questão da apreciação repre- senta um redirecionamento recente, que ainda está se construindo, a ênfase dada a este aspecto fica fragilizada na distribuição dos conteúdos por bloco. Já no documento para o ensino de 5ª a 8ª, como mostraremos adiante, esse ponto é melhor resolvido, quando o primeiro bloco de conteúdos une a comunicação com a produ-

ção coletiva, e o segundo bloco, “Teatro como apreciação” volta- se realmente para questões específicas da fruição estética.

De uma maneira geral, os conteúdos propostos para as sé- ries iniciais são bem formulados e adequados. Alguns deles são até mesmo bastante objetivos, sobretudo no primeiro bloco, que trata da produção, sendo possível, através deles, vislumbrar-se a prática na sala de aula, como por exemplo:

 “Reconhecimento e utilização dos elementos da linguagem dramática: espaço cênico, personagem e ação dramática.”  “Experimentação na improvisação a partir de estímulos diver-

sos — temas, textos dramáticos, poéticos, jornalísticos, objetos, máscaras, situações físicas, imagens e sons” (PCN-Arte I, p. 86).

O documento dirigido aos 3º e 4º ciclos dá um encami- nhamento mais adequado ao ensino de Teatro, buscando contem- plar as especificidades inerentes a essa linguagem artística. Os objetivos e a parte referente aos conteúdos, nesse nível, alinham- se atendendo aos eixos norteadores que orientam a proposta peda- gógica para a área de Arte, a saber: produção, apreciação e con- textualização.

A adoção desses três eixos merece algumas considerações. Entendemos que a escolha desse suporte pedagógico, derivado da Proposta Triangular, é da maior importância no que diz respeito ao ensino-aprendizagem em Arte, inclusive em se tratando da lin- guagem teatral, onde as pesquisas no tocante a metodologias ainda não estão devidamente difundidas nas escolas8. Entretanto, questi-

8Nos dias de hoje há muitas teorias e propostas metodológicas engendradas nas idéias e

práticas de artistas, docentes e pesquisadores, a exemplo do jogo teatral, da peça didáti- ca, do jogo dramático de linhagem francesa, do drama in education anglo saxão, das manifestações etnocenológicas, das propostas que ainda não foram inventariadas mas que se disseminam nas escolas brasileiras, dentre outras alternativas que podem embasar a ação pedagógica dos professores. Todavia, face às dificuldades que os pesquisadores enfrentam para divulgar seus achados, pouco desse saber é implementado na escola.

onamos a transposição mecânica desses eixos, da área de Artes Visuais para a área de Teatro. Isto porque, diferentemente da fo- tografia, cinema ou televisão, o teatro é marcado pela sua natureza efêmera, por um processo um tanto ritualístico do ato cênico, e sobretudo pela simplicidade dos seus elementos — pessoas que atuam, pessoas que assistem e o local onde a ação se transforma em cena. Nesse sentido, a experiência do Teatro na escola deve se voltar sobretudo para o contato direto com o processo de produ- ção, ou melhor, com o momento de concretização do fazer teatral. É verdade que a aprendizagem do Teatro deve englobar todas as possibilidades inerentes a esse fazer, o que inclui certamente a apreciação de espetáculos e a contextualização historicizada. No entanto, o que queremos deixar claro é que é preciso balancear a aplicação desses três eixos norteadores, para que o ensino não se torne mais explicativo do que experienciado.

No que se refere aos dez objetivos gerais listados nos PCN-Arte II, alguns possuem características demasiadamente am- plas, considerando-se que se destinam aos dois últimos ciclos do ensino fundamental, como por exemplo:

 “Compreender o teatro em suas dimensões artística, estética, histórica, social e antropológica”;

 “Conhecer e distinguir diferentes momentos da História do Tea- tro, os aspectos estéticos predominantes, a tradição dos estilos e a presença dessa tradição na produção teatral contemporânea” (PCN-Arte II, p. 90).

Dois objetivos articulam-se com os temas transversais, es- pecificamente o que trata de Trabalho e Consumo, e alguns outros dirigem-se ao apreciar e contextualizar. Dentre estes, o objetivo citado a seguir engloba de forma bastante precisa certos aspectos da linguagem dramática, cuja importância já ressaltamos, referen- tes aos vínculos entre a produção, apreciação, contextualização e suas relações com a realidade do aluno:

 “Acompanhar, refletir, relacionar e registrar a produção teatral construída na escola, a produção teatral local, as formas de re- presentação dramática veiculadas pelas mídias e as manifesta- ções da crítica sobre essa produção”. (PCN-Arte II, p. 90)

O que nos chama a atenção é que, entre os objetivos apre- sentados, apenas um diz respeito, mais diretamente, ao ensino escolar de Teatro:

 “Improvisar com os elementos da linguagem teatral. Pesquisar e otimizar recursos materiais disponíveis na própria escola e na comunidade para a atividade teatral”. (PCN-Arte II, p. 90)

Isso reforça a nossa preocupação quanto ao risco de o en- sino se tornar muito teórico, situando-se, a maior parte do tempo, no plano discursivo, recaindo na didática tradicional, num pseudo- aprendizado baseado na memorização, na prática apenas decorati- va das possibilidades de um ato verdadeiramente criador. Reco- nhecemos a importância da reflexão no processo de construção do conhecimento artístico, mas a ênfase em objetivos com base nos termos conhecer, compreender, analisar e discutir pode levar a um falar sobre teatro, desconsiderando-se a articulação desse falar com a vivência do experimento — estar em contato com.

Por sua vez, os conteúdos propostos para os 3º e 4º ciclos estão também agrupados em três blocos que correspondem aos eixos norteadores da proposta, como já foi mencionado:

1) Teatro como comunicação e produção coletiva; 2) Teatro como apreciação;

3) Teatro como produto histórico-cultural.

Os conteúdos são bem formulados, mas possuem caracte- rísticas muito genéricas ou totalizadoras, como por exemplo o que se refere à “compreensão e pesquisa dos diferentes momentos da história do teatro, dos autores de teatro, dramaturgos, dos estilos, dos encenadores e dos cenógrafos” (PCN-Arte II, p. 92). Apenas

nesse enunciado já há material suficiente para que o Teatro esteja presente em todas as séries do ensino fundamental. Todavia, não há garantias dessa continuidade, uma vez que é delegada à escola a tarefa de decidir que modalidades artísticas irá implementar, qual o momento mais adequado para promover o estudo de uma ou de outra linguagem, bem como a duração de cada uma das ati- vidades curriculares.

Há ainda conteúdos tão estreitamente vinculados aos temas transversais, tratando de questões relativas ao meio ambiente e à pluralidade cultural, que não dizem respeito propriamente à lin- guagem do teatro, e que poderiam estar ligados a qualquer área do conhecimento, como:

 “Exercício constante da observação do universo circundante, do mundo físico e da cultura (...); de espaços, ambientes, arquite- turas, de sonoridades; de contingências e singularidades da nossa e de outras culturas” (PCN-Arte II, p. 91).

A questão levantada com respeito à pouca ênfase dada ao fazer teatral nos objetivos é de certa forma superada no primeiro bloco de conteúdos dos PCN-Arte II, quando se aborda o teatro como comunicação e produção coletiva. Quase todos os conteúdos presentes neste bloco tratam da experimentação e participação em improvisações, com os elementos e recursos da linguagem teatral, quer na construção de cenas, quer na adaptação de roteiros e até mesmo na criação dos meios de divulgação do espetáculo teatral. Como exemplo, temos:

 “Experimentação, pesquisa e criação com os elementos e recur- sos da linguagem teatral, como: maquiagem, máscaras, figuri-