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Análise da entrevista com a gerente de projetos sociais

Grupo 1 Nível Insipiante

2 Professoras do projeto: As questões voltadas às professoras foram construídas baseadas no constructo Gestão de stakeholders internos (formação de equipe), cujo objetivo

4.3.1 Análise da entrevista com a gerente de projetos sociais

As respostas da entrevista mostraram que a opinião dos stakeholders não foi escutada durante a realização do projeto social. Na opinião da gerente, mesmo o projeto sendo avaliado somente na dimensão social, ele já vinha pré estabelecido, sendo difícil mudanças em sua concepção. No entanto, fatores como infraestrutura foram considerados pela equipe durante o projeto:

Na verdade não foi escutada a opinião dos stakeholders. A infraestrutura foi analisada durante o projeto. Uma das escolas possuía quadra coberta, mas outra não. Uma delas tinha horário integral e outra não. Esses fatores foram levados em consideração na realização dos projetos. O projeto, de maneira geral, já vinha pré estabelecido. Não foi escutada a opinião dos participantes (GERENTE DE PROJETOS).

A declaração da gerente se contrapõe com as ideias de Freeman (1984), Buchholz e Rosenthal (2005) e Freeman et. al (2010). Para os autores, o envolvimento abrangente dos

stakeholders com a organização são fundamentais, pois permitem que eles sejam partes

Outro ponto crítico, na opinião da gerente, foi a resistência por parte dos professores de uma das escolas, que preferiram não participar do projeto logo em sua primeira edição. Essa resistência ocorreu na medida em que a realização do projeto acarretaria acréscimo de trabalho aos professores sem os devidos acréscimos na remuneração, mesmo o projeto não alterando a carga horária de cada docente. A imposição do projeto por parte da secretaria da educação, tornando a sua aplicação obrigatória, também foi fator decisivo para a resistência dos professores. A respondente afirmou que o projeto foi imposto pela secretaria da educação quase que por "goela abaixo" e sem consulta aos professores.

Sulbrandt (1994), Weiss (1998) e Rodrigues (2010) afirmam que o estilo de gestão de cima para baixo em projetos sociais, partindo da visão da organização sobre o público envolvido, demonstra que as partes interessadas não foram consideradas pela empresa, ignorando aspectos relevantes na avaliação desses projetos. Ao expor esses argumentos, os autores completam dizendo que tal método é falho, uma vez que o envolvimento dos demais

stakeholders são desconsiderados, confirmando a percepção dos professores.

Os docentes comentaram com a gerente que existiam muitos projetos sendo desenvolvidos e eles não dariam conta de trabalhar nesse projeto. Foi perguntado se os professores tiveram aumento da remuneração em razão de suas participações. A respondente explicou que eles não tiveram aumento na remuneração, mas que o projeto acontecia no horário de trabalho deles.

Essas constatações também se apresentam em linhas opostas às defendidas por diversos autores. Harrison e Wicks (2013) defendem que os impactos das ações por parte da empresa devem ser vistos positivamente pelos públicos participantes do projeto, diferente do que foi observado pelos professores, que enxergaram o projeto como uma sobrecarga de trabalho. Já Freeman (1984), Buchholz e Rosenthal (2005) e Freeman et al. (2010) colocam que as partes interessadas devem se sentir envolvidas com a empresa, como partes integrantes dela, compartilhando de sua identidade básica. Os professores, ao relatarem à gerente uma percepção negativa em relação a trabalho adicional sem o devido acréscimo na remuneração, se sentiram como parte não integrante do projeto e da proposta da empresa organizadora. Também Carrol (1991) e Elkington (2001) explicam que a empresa deve se comprometer com ações de cidadania, financiá-las, dar continuidade a essas ações e se responsabilizar por elas no longo prazo. De acordo com a percepção dos professores, relatada pela gerente, não houve preocupação por parte da empresa em remunerar adequadamente os docentes que atuaram no projeto, criando neles impactos negativos, diferente do que defendem os autores.

Também foi analisado se o gestor, na avaliação, considerou possíveis melhorias de produtividade e qualidade de vida dos beneficiários e familiares após a realização do projeto. Segundo a gerente, isso não foi avaliado formalmente. Houve melhorias, mas elas não fizeram parte de uma avaliação formal em razão do projeto ser realizado em cidade pequena, com muitos participantes conhecidos.

A gente não teve isso formalmente. A gente teve o projeto por quase três anos e, por morar em uma cidade pequena, a gente tinha muitos conhecidos. Então, por causa disso, a gente tinha muitos comentários, principalmente em relação à leitura. O Joãozinho tinha muita dificuldade em relação à leitura e depois do projeto houve uma melhora. Não tinha nada formal (GERENTE DE PROJETOS).

Roche (2000) explica que a mensuração de impactos em projetos sociais deveria ser a preocupação central dos gestores. Para ele, as ações promovidas pelo projeto trazem impactos que promovem mudanças significativas ou permanentes na vida das pessoas atendidas pelo trabalho social. Marrewijk (2003) também concorda que os projetos sociais devem trazer benefícios à sociedade. Segundo o autor, a organização, ao promovê-los, deve saber quais contribuições serão deixadas e quais instrumentos de gestão serão utilizados para isso. Santos (2004) também traz sua colaboração defendendo que o valor e o desempenho existentes em cada projeto permitem que o impacto social gerado seja avaliado pelo autor e que isso ocorre a partir das ações benéficas que esses projetos trazem à comunidade. Ao defender que os projetos sociais, em sua avaliação, devem considerar as melhorias trazidas aos beneficiários e os impactos positivos proporcionados à comunidade, Elkington (2001) vai além, afirmando que tais avaliações devem convergir para a prestação de contas à sociedade, tanto na dimensão social quanto na ambiental e econômica da sustentabilidade empresarial. A melhoria na produtividade e na qualidade de vida dos beneficiários, embora observada no projeto social estudado, não foi avaliada formalmente pela empresa, sendo um ponto falho em relação ao que defende Elkington (2001).

Sobre os impactos trazidos pelo envolvimento de funcionários de fora da comunidade dentro do projeto social, a respondente declarou que “não houve pessoas de fora da comunidade envolvidas no projeto”. E completou dizendo que “os professores participantes já

eram professores das crianças”.

Sobre a ação de comparar as edições do projeto para possíveis melhorias no futuro, não foram observados trabalhos formais nesse sentido. As comparações ocorriam mediante conversas em reuniões com a gerente, o coordenador e voluntários, que discutiam informalmente o que poderia ser melhorado. “A gente tinha, mas não era formal”, disse a gerente. Também não ocorreram comparações do projeto com outros semelhantes, a fim de

verificar pontos passíveis de melhoria. As constatações nessa questão se mostraram contrárias às ideias defendidas por Salazar, Husted e Biehl (2012), que afirmam que os resultados de cada edição de um mesmo projeto social devem ser comparados entre si para uma melhor análise de seu progresso ao longo do tempo. Para eles, é fundamental a organização saber se o projeto social patrocinado por ela encontra-se ou não em processo de evolução.

Quando perguntado se os objetivos administrativos e de oferta dos serviços relativos ao projeto social oferecido estavam sendo atingidos, foi colocado que 1600 crianças procuraram o projeto para 1500 vagas abertas inicialmente. Depois, 100 novas vagas foram disponibilizadas para atender toda a demanda. Após a resistência dos professores de uma das escolas em participar do projeto, houve reuniões, a fim de trazer uma solução viável para o impasse. A gerente relatou que, no final, os docentes abraçaram o projeto. Já sobre a entrega dos serviços ao seu público-alvo, a gerente afirmou que o público-alvo do projeto foi alcançado, com os serviços sendo entregues com sucesso. A entrega dos serviços ao público alvo e a inclusão posterior de mais crianças ao projeto atendem as recomendações de Valdes- Vasquez e Klotz (2013), que consideram relevantes avaliar se os objetivos administrativos e de oferta de serviços estão sendo atingidos de maneira satisfatória.

Na questão da acessibilidade dentro da avaliação de projetos, a gerente relatou que não havia nada específico e nunca houve problemas nesse sentido.

Não tinha nada específico. O projeto em si era muito abrangente. Por sorte, nunca tivemos problemas com isso. No nosso primeiro encerramento no final do ano existia um cadeirante e a gente não estava preparado para isso (GERENTE DE PROJETOS).

Após responder a pergunta, a entrevistada lembrou e citou outro caso que ocorreu. Ela disse:

Não sei em qual ano foi, existia um aluno deficiente visual muito bom, mas não havia livro em braile para ele acompanhar o projeto. uma professora que já o conhecia traduziu o livro para o braile e, então, ele pôde participar do projeto (GERENTE DE PROJETOS).

Valdes-Vasquez e Klotz (2013) também colocam que a acessibilidade deve ser parte integrante na avaliação de projetos sociais, o que não ocorreu de maneira planejada no projeto social analisado.

No quesito parcerias, o projeto recebeu parcerias para a sua realização. A respondente

disse que “houve parcerias da fundação com a usina local e com a prefeitura, através da Secretaria Municipal da Educação”. A existência de parcerias de outras instituições e

organizações no projeto se mostrou em harmonia com o que propõe Valdes-Vasquez e Klotz (2013), que também colocam essa variável, assim como Harrison e Wicks (2013), dentro do processo de avaliação de projetos sociais.

Quando questionada sobre o desenvolvimento de um plano para avaliação permanente do impacto do projeto nas comunidades vizinhas, a respondente afirmou que não houve um plano formal, mas que o projeto beneficiou diversas crianças de uma escola rural, até então não incluída no projeto:

Não houve um plano formal de avaliação de impacto, mas o projeto trouxe impactos às diversas crianças de um assentamento rural próximo. Elas acabaram sendo incluídas no projeto devido ao grande interesse dos professores da escola rural. E foi o grupo que mais se envolveu, com as atividades sendo entregues dentro do prazo. Essa escola teve o melhor desempenho dentre as demais (GERENTE DE PROJETOS).

Valdes-Vasquez e Klotz (2013) também consideram importante a inclusão dessa variável através de um plano de avaliação permanente de impacto. Embora o projeto trouxe impactos benéficos à comunidade na opinião da gerente de projetos, ao incluir mais crianças do que a proposta inicial do projeto, a verificação desses impactos não se mostraram planejados pela organização gestora e tão pouco foram incluídos num plano formal de avaliação.

O projeto “Fura Bolo” teve sua última edição ocorrida em 2012, sendo substituída pelo “De grão em grão”, um projeto voltado a ensinar crianças a realizarem o cultivo de hortas nas

escolas, de modo a serem, também, estimuladas a levarem essa cultura para seus lares e desenvolverem uma alimentação saudável. O motivo para essa substituição, segundo a gerente de projetos, ocorreu porque a fundação entendeu que não faz sentido continuar patrocinando um projeto de incentivo à leitura sendo a empresa uma organização que atua na área de produção de alimentos. Carrol (1991) e Elkington (2001) são enfáticos ao expor a necessidade da empresa promotora de ações de cidadania a continuar financiando suas ações, de modo a mantê-las ativas no longo prazo, criando, inclusive, responsabilidade sobre as mesmas. A continuidade das atividades sociais, embora mencionadas pelos autores, não foi observada no projeto analisado.

Durante a entrevista com a gerente de projetos sociais, houve uma impressão inicial por parte do pesquisador de que a gerente de projetos estava sendo muito rigorosa em relação aos aspectos negativos na condução desse. Ao longo da entrevista, essa impressão inicial do pesquisador se desfez, pois a entrevistada explicou mais detalhadamente o motivo das críticas colocadas durante a entrevista sobre as deficiências de infraestrutura de uma das escolas onde

o projeto se desenvolveu, sobre não escutar a opinião dos stakeholders, sobretudo dos professores de uma das escolas participantes que não queriam aderir ao projeto, e sobre não haver avaliação formal na gestão desse projeto.

Ao final da entrevista, a respondente reconheceu que, apesar dos pontos possíveis de melhorias na gestão do projeto, o mesmo foi bem sucedido em sua execução. Portanto, em sua opinião, não havia sentido o seu interrompimento sob a alegação de que o projeto não se encontrava de acordo com a orientação de negócios da empresa.