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5 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR

5.1 Intervenção Piloto

5.1.4 Análise da Intervenção Piloto

Primeiro encontro

No primeiro encontro, tínhamos como objetivo discutir sobre aspectos sociais da sociedade francesa e britânica, tomando como base a exibição de um trecho do filme “Germinal”. Dessa maneira, inicialmente, foram exibidos 40 minutos do referido filme. Na sequência, a professora-pesquisadora estimulou os alunos a colocarem aspectos sobre o filme exibido e deu-se a discussão de aspectos da sociedade francesa e britânica de fins do século XVIII e início do século XIX, embasada em apresentação em slides feita pela professora- pesquisadora.

No geral, acredito que a aula contribuiu positivamente para o desenvolvimento da proposta, uma vez que conseguimos discutir com os alunos aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais da sociedade francesa e britânica de fins do período, bem como a relação

desses aspectos com o estímulo dado à ciência na época. Considero importante que os alunos compreendam o contexto social em que estavam acontecendo as discussões sobre a natureza da luz no período estudado.

Durante a aula, conseguimos abordar o processo de industrialização que ocorria e os aspectos decorrentes desse episódio, como a exploração de mão de obra de trabalho, a ascensão da burguesia, o estímulo dado à ciência, em especial na França, entre outros aspectos. Dessa maneira, a aula conseguiu atingir seu objetivo de dar um panorama geral do contexto social e econômico de fins do século XVIII e início do século XIX.

Segundo Encontro

No segundo encontro, tínhamos como objetivo abordar diversos temas de NDC (detalhados no quadro 8), tomando como base a discussão da primeira parte da narrativa “Desvelando a natureza da luz”, que retrata as controvérsias sobre a natureza da luz na França no início do século XIX.

Nesse encontro, a aula consistiu na discussão dialogada sobre o episódio histórico, tomando como base a narrativa histórica. Dentro da discussão da narrativa, foram feitos questionamentos referentes aos temas de NDC a serem trabalhados para que os alunos também pudessem se posicionar e dialogar entre si sobre aspectos relacionados à construção do conhecimento científico. Essa discussão sempre mediada pela professora. Dessa maneira, foram problematizados diversos aspectos sobre a NDC, sempre tomando como base a discussão da narrativa histórica, por exemplo – Qual papel a experimentação exerce na construção da ciência? Que diferenças existem entre observação e inferência? Qual papel o pensamento teórico exerce na construção do conhecimento científico? Qual a influência de fatores extracientíficos no processo de construção e aceitação de novos conhecimentos? – dentre outros.

Toda a discussão ocorrida em sala foi gravada e após análise da gravação em áudio, verificamos que foram abordados os seguintes temas de NDC no segundo encontro: 1) Papel dos indivíduos/sujeitos e da comunidade científica; 2) Questões morais, éticas e políticas; 3) A ciência como parte de uma cultura mais ampla (cultura científica/pressupostos epistemológicos do período); 4) Comunicação do conhecimento científico dentro da comunidade científica e em domínio público; 5) Controvérsias históricas e contemporâneas na ciência; 6) Empírico vs. Teórico; 7) Influências teóricas sobre observações e experiências;

8) Observação e inferência; 9) Avaliação de teorias; 10) Papel da Matemática; 11) Poder e limitações do conhecimento científico; 12) Ciência e Crenças Filosóficas.

Em relação à estratégia utilizada para discussão da narrativa histórica em sala, consideramos que a mesma foi satisfatória, uma vez que os alunos participaram do debate. No geral, avaliamos que os alunos se interessaram pela discussão da narrativa e procuraram participar das discussões sobre NDC colocadas em sala. No entanto, procuramos abordar muitos temas de NDC e a discussão acabou ficando superficial. Os alunos, em geral, apresentaram uma concepção sobre a ciência em que associam experimentação, matemática e prova do conhecimento científico. O conhecimento científico melhor é aquele que é provado experimentalmente e que usa ferramentas matemáticas. A professora-pesquisadora acabou não problematizando melhor a visão deles, no intuito de dar conta da discussão da narrativa e dos temas de NDC objetivados de serem discutidos em sala.

Além disso, por tentar trabalhar muitos temas/questões de NDC, a discussão da parte final do episódio histórico, que retrata os estudos de Fresnel sobre polarização, ondas transversais e modelos de éter, também acabou ficando comprometida.

Nesse sentido, consideramos fundamental uma redução nos temas de NDC a serem trabalhados no segundo encontro. Dessa maneira, o episódio histórico poderá ser melhor abordado e os temas de NDC melhor problematizados.

Terceiro encontro

No terceiro encontro, tínhamos como objetivo abordar diversos temas de NDC (detalhados no quadro 9), tomando como base a discussão da segunda parte da narrativa “Desvelando a natureza da luz”, que retrata as controvérsias sobre a natureza da luz na Grã- Bretanha no início do século XIX. Dessa maneira, seguimos a mesma estratégia adotada no encontro anterior de discussão dialogada sobre o episódio histórico, tomando como base a narrativa histórica e inserindo questões sobre os temas de NDC a serem trabalhados ao longo da discussão da narrativa histórica. Nesse encontro foram questionados, por exemplo – Qual papel as sociedades científicas exercem no processo de desenvolvimento dos conhecimentos científicos? Você acredita que a ciência segue um método padrão em sua prática? Como pressupostos epistemológicos do contexto influenciam no processo de desenvolvimento e aceitação das teorias científicas? Quais fatores influenciam no processo de avaliação entre teorias concorrentes? – dentre outros.

Após análise da gravação em áudio das discussões ocorridas em sala, verificamos que foram abordados os seguintes temas de NDC no terceiro encontro: 1) Papel dos indivíduos/sujeitos e da comunidade científica; 2) Questões morais, éticas e políticas; 3) A ciência como parte de uma cultura mais ampla (cultura científica/pressupostos epistemológicos do período); 4) Controvérsias históricas e contemporâneas na ciência (aspectos epistemológicos, conceituais e políticos envolvidos na controvérsia TO versus TC – década de 1830); 5) Empírico vs. Teórico; 6) Hipóteses, previsões e testes; 7) Influências teóricas sobre observações e experiências; 8) Observação e inferência; 9) Avaliação de teorias; 10) Papel da Matemática; 11) Poder e limitações do conhecimento científico; 12) Ciência e Crenças Filosóficas; 13) Ciência e outros tipos de conhecimento; 14) Visão do senso comum sobre o método científico (sequência passo-a-passo).

Nessa aula, diferentemente da anterior, os alunos quase não se posicionaram. A aula consistiu mais na exposição da professora-pesquisadora sobre o episódio histórico em si e sobre a relação entre os estudos sobre a natureza da luz e os pressupostos epistemológicos do período.

Cabe ressaltar a complexidade envolvida no episódio histórico – são muitos estudiosos envolvidos. Nesse encontro, os alunos sentiram a necessidade de recapitular discussões da aula anterior (contexto francês). No entanto, consideramos que parte dessa dificuldade se deve ao fato dos alunos não terem lido a segunda parte da narrativa em casa. Apenas um aluno havia lido, e ele não se posicionava nas discussões.

Nessa aula, os alunos, no geral, apresentaram uma visão de que o conhecimento é fruto de um processo de melhora constante. Um estudioso vem sempre melhorar algo que já existe. Percebi que eles não têm uma ideia muito clara do que são pressupostos epistemológicos envolvidos no fazer científico e os confundem com aspectos teóricos. Além disso, os alunos atribuem importante papel a matemática. Apesar de considerarem que é possível produzir conhecimento sem a matemática, conhecimento científico que envolve matemática é sempre considerado superior.

Novamente, devido à grande quantidade de temas de NDC a serem trabalhados no encontro, a professora-pesquisadora não conseguiu problematizar melhor os aspectos de NDC acima citados. Assim, consideramos de grande importância diminuir expressivamente a quantidade de temas de NDC a serem trabalhados durante a discussão da segunda parte da narrativa.

Quarto encontro

O quarto encontro seria destinado a recapitular os temas de NDC abordados ao longo dos dois últimos encontros com base nas respostas dos alunos ao questionário. No entanto, os alunos não haviam respondido o questionário em casa. Dessa maneira, o tempo do quarto encontro foi destinado a responder o questionário.

Questionário

Nas respostas ao questionário, os alunos, no geral, não desenvolveram uma argumentação mais detalhada tomando como base aspectos do episódio histórico discutido. Os estudantes apresentaram, na maioria das vezes, respostas gerais e vagas. Por exemplo, ao serem questionados sobre a existência de controvérsias no desenvolvimento do conhecimento científico, um aluno apresentou como resposta: “Sim, pois como observamos nas narrativas a ciência ela está em processo de descobertas e acredito sim que até hoje temos muitas coisas a ser descobertas melhorar e desenvolvidas” (ALUNO 3, questão 4).

Na questão 6, na qual questionamos se a ciência segue um método padrão em sua prática, um aluno respondeu: “Não, o processo científico não é realizado por um único método pela existência de concepções diferentes” (ALUNO 1, questão 6).

Na questão 7, na qual questionamos os fatores que influenciavam no processo de avaliação entre teorias concorrentes, um aluno respondeu: “O processo avaliativo acontecia com estabelecimento de fatores influenciadores da época, onde o trabalho que mais se encaixasse com esses fatores, seriam melhor avaliados” (ALUNO 2, questão 7).

Os alunos também apresentaram diversas concepções consideradas problemáticas sobre aspectos de NDC. Por exemplo, ao serem questionados se o conhecimento científico pode ser provado (questão 8), um aluno respondeu: “ Por várias análises (hipóteses, experimentação, etc...)” (ALUNO 4, questão 8), enquanto outro respondeu: “O conhecimento científico pode ser provado, mas sempre não” (ALUNO 1, questão 8).

Entrevista

A entrevista semiestruturada foi dividida em duas partes. Na primeira parte, buscamos a opinião dos alunos sobre a proposta desenvolvida. Dessa maneira, a professora-pesquisadora

conversou com eles sobre: a narrativa (texto); a estratégia de ensino utilizada em sala; o questionário; entre outros aspectos. Na segunda parte, buscamos esclarecer melhor aspectos de NDC que haviam sido abordados no questionário.

O roteiro da primeira parte da entrevista era igual para todos os alunos e, em linhas gerais, contemplou os seguintes aspectos:

 O hábito de leitura por parte dos estudantes;

 A discussão de textos, em forma de narrativas históricas, em outras disciplinas do curso;

 A leitura e interação dos estudantes com a narrativa histórica “Desvelando a natureza da luz”;

 O posicionamento do estudante sobre a proposta desenvolvida durante as aulas – estratégias didáticas utilizadas e atividades realizadas ao logo da proposta desenvolvida;  A compreensão do estudante acerca do episódio histórico.

O roteiro da segunda parte, por sua vez, foi elaborado a partir da leitura das respostas dos alunos ao questionário, sendo, portanto, individual. Essa parte da entrevista envolvia o questionamento acerca de aspectos contraditórios ou equivocados apresentados nas respostas ao questionário.

Na primeira parte da entrevista, os alunos apontaram que gostaram muito da abordagem do episódio histórico por meio da narrativa e que a leitura da mesma havia sido relativamente fácil e prazerosa. Dois alunos afirmaram que gostaram mais da primeira parte da narrativa (contexto francês), justamente porque o texto tinha um caráter mais ficcional, de diálogo. Outro ponto positivo apontado por eles foi a utilização da discussão coletiva em sala de aula para abordar a narrativa, fato que os deixou abertos a participarem.

Em relação ao questionário, a maioria considerou que o mesmo estava dentro do que foi abordado em sala. No entanto, um aluno apontou que havia alguns termos novos, fato que dificultou a compreensão do mesmo. Enquanto outro aluno ainda considerou o questionário complexo e com muita informação a ser respondida. Por fim, os alunos reclamaram do tempo transcorrido entre as aulas e a realização da entrevista.

Na segunda parte da entrevista, referente às discussões de aspectos sobre NDC, procuramos esclarecer, individualmente, aspectos problemáticos nas respostas ao questionário. Assim, a professora-pesquisadora procurou esclarecer o que os alunos entendiam por pressupostos epistemológicos; a existência de observações neutras; a visão que

o conhecimento científico pode ser provado e que conhecimento que envolve experimentação é melhor; a ideia de método científico padrão, dentre outros aspectos.

A análise da gravação em áudio da segunda parte da entrevista corroborou os dados obtidos nas gravações em áudio das discussões ocorridas em sala de aula, bem como os dados obtidos a partir das respostas dos alunos ao questionário. Na entrevista os alunos também não conseguiram trazer uma argumentação mais detalhada e coerente sobre aspectos da NDC. Após análise da entrevista, novamente ficou evidente que os alunos: 1) mantém a concepção de que a experimentação é a forma de comprovação do conhecimento científico; que o conhecimento que envolve experimentação e matemática é considerado melhor; 2) não fazem uma distinção muito clara entre defesas epistemológicas do período e aspectos teóricos. Por exemplo, ao questioná-los sobre o papel dos pressupostos epistemológicos do período no desenvolvimento dos estudos sobre a natureza da luz, eles direcionaram as respostas em relação à defesa da teoria ondulatória ou da teoria corpuscular da luz por parte dos estudiosos; 3) não conseguem problematizar os diversos fatores envolvidos na avaliação entre teorias concorrentes, dentre outros aspectos.

Enfim, a análise da entrevista corroborou nossa defesa de que os temas de NDC a serem trabalhados em sala de aula, a partir da narrativa histórica, devem ser significativamente reduzidos, de modo que sejam melhor problematizados.

Considerações gerais sobre a intervenção piloto

Após análise da intervenção piloto, gostaríamos de destacar os seguintes aspectos que consideramos como pontos negativos, devendo, portanto, ser melhor avaliados no planejamento da segunda intervenção:

1) Tempo efetivo de aula bem menor que o tempo de aula programado na proposta. Havíamos programado 120 minutos de aula em cada encontro. No entanto, o tempo efetivo não passou de 80 minutos de aula;

2) Falta de leitura prévia da narrativa histórica, por parte de alguns alunos. Por exemplo, a falta de leitura, por parte da maioria dos alunos, prejudicou a discussão coletiva sobre o contexto britânico;

3) Muitos temas de NDC para serem abordados em cada encontro, fato que deixou a discussão superficial. Nesse sentido, as concepções sobre ciência que os alunos

apresentaram durante as aulas não foram melhor problematizadas, no intuito de seguir com a discussão da narrativa.

4) No questionário, os alunos, no geral, não desenvolveram uma argumentação mais detalhada tomando como base aspectos do episódio histórico discutido. A maioria apresentou respostas gerais e vagas.

5) Sobre o episódio histórico, um aluno apontou que a falta de contato com discussões anteriores sobre a natureza da luz dificultou o entendimento do episódio histórico, enquanto outros dois alunos reclamaram da complexidade envolvida no episódio histórico – muitos personagens envolvidos.

Por outro lado, entre os aspectos positivos da aplicação da intervenção piloto, podemos citar:

1) Alunos se mostraram interessados e participaram das discussões realizadas em sala; 2) Consideramos importante a discussão do contexto sócio-econômico do período, uma

vez que conseguimos abordar diversos aspectos da sociedade francesa e britânica do período, como o processo de industrialização que ocorria, entre outros aspectos. Os alunos também gostaram muito da iniciativa de exibição do filme “Germinal”.

3) A discussão em sala, tomando como base a narrativa histórica, permitiu a problematização dos temas de NDC, objetivados de serem discutidos em cada encontro. No entanto, como apontado anteriormente, consideramos que o número de temas de NDC a serem trabalhados em cada encontro deve ser significativamente reduzido, de modo que os temas sejam melhor problematizados.

4) Conseguimos trabalhar a relação entre as discussões sobre a natureza da luz e os pressupostos epistemológicos defendidos no período.

5) Os alunos gostaram da narrativa (texto escrito). Todos os alunos mencionaram que gostaram muito da leitura da narrativa e das discussões ocorridas em sala. Acharam a leitura leve e que proporcionou uma melhor compreensão do episódio histórico.

Levando em consideração a análise da intervenção piloto, reformulamos a sequência didática proposta, que foi aplicada novamente no primeiro semestre de 2019.