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3 EPISÓDIO HISTÓRICO: PANORAMA GERAL SOBRE A ÓPTICA NA

3.4 A partir da década de 1830

No início de 1830, vários estudiosos britânicos publicaram artigos aplicando a teoria ondulatória a diversos campos como refração, reflexão, dupla refração, entre outros. Os emissionistas, então, iniciaram uma série de debates tentando parar o avanço da teoria ondulatória. As provocações dos emissionistas forçaram os ondulacionistas a melhorar sua teoria, expandindo seu poder explicativo e procurando eliminar suas dificuldades internas e conceituais. Assim, o debate entre emissionistas e ondulacionistas nesse período centrou-se na avaliação da teoria ondulatória, bem como na avaliação de uma série de resultados observacionais e experimentais (CHEN, 1992).

Nesse período, o debate entre teoria ondulatória e teoria corpuscular da luz envolvia o estudo de fenômenos como dispersão e absorção da luz. A teoria ondulatória não conseguia oferecer uma descrição adequada da dispersão (luz de diferentes cores sofrendo diferentes graus de refração em um prisma). De acordo com a teoria de Fresnel, a velocidade da luz, assim como seu índice refrativo, dependeriam unicamente da elasticidade do meio que transmite a luz. Assim, luz de toda cor deveria viajar com a mesma velocidade e ter apenas um índice refrativo em um meio homogêneo. Mas, experimentos apresentaram que os feixes de luz viajam com diferentes velocidades e tinham diferentes índices refrativos dentro de um prisma de acordo com suas cores (CHEN, 1998)60.

Mesmo de um ponto de vista empírico, a dispersão parecia ininteligível visto que não obedecia qualquer lei conhecida. Procurando oferecer soluções para o problema de dispersão, diversos estudiosos (Powell, Tovey e Hamilton, entre outros) trabalharam nesse tema. Eles procuraram compreender como ocorria a propagação das ondas de luz em um meio, supondo o éter como um composto de elementos pontuais entre os quais agiriam forças centralmente dirigidas (CANTOR, 1983).

Outro problema na teoria ondulatória da luz era a explicação das linhas de absorção. Diversos experimentalistas tinham observado essas linhas. Entre eles, David Brewster que

dadas por historiadores aos estudiosos que defendiam a teoria corpuscular da luz.

60 Para mais detalhes sobre o debate acerca do fenômeno de dispersão na segunda metade da década de 1830, consultar: Chen (1998).

defendia que era inconcebível que dois raios diferindo apenas muito levemente em comprimento de onda ao entrar num meio, um deveria ser absorvido e outro transmitido (CANTOR, 1983).

Os ondulacionistas procuraram responder às críticas de Brewster. Enquanto Airy, em 1833, classificou o ataque de Brewster como irrelevante ao desenvolvimento da teoria ondulatória, outros ondulacionistas tentaram explicar a absorção seletiva através da teoria ondulatória. John Herschel, por exemplo, também em 1833, alegou que a absorção seletiva era mais conveniente à teoria ondulatória que à teoria corpuscular. Através da analogia com o som, Herschel trouxe vários exemplos nos quais o meio ou falhou para transmitir ou transmitiu muito imperfeitamente uma faixa em um espectro acústico (CANTOR, 1983).

Os tópicos anteriores continuaram a estimular a pesquisa ao longo da década de 1830, ao mesmo tempo em que a própria teoria ondulatória era bem-sucedida em resolver diversos problemas empíricos complexos (CANTOR, 1983). Os experimentos sobre os anéis de Newton de Airy e os experimentos sobre refração cônica de Lloyd confirmaram novas predições da teoria ondulatória61 (CHEN, 1992).

É interessante ressaltar que a teoria ondulatória estava sendo corroborada por experimentos realizados entre estudiosos britânicos da época, no entanto, não se tornou dominante entre eles, ao menos, até a metade da década de 1830. Historiadores apontam diversos fatores que influenciaram nesta “disputa” teoria ondulatória versus teoria corpuscular e a subsequente “vitória” da teoria ondulatória, entre eles fatores políticos, conceituais e epistemológicos62.

Entre os fatores políticos, temos o papel da Associação Britânica. De acordo com Chen (1992), dentro de poucos anos depois que foi fundada, em 1831, a Associação Britânica tornou-se uma importante instituição para controvérsia emissão-ondulatória. O encontro anual da Associação e suas publicações providenciavam uma plataforma para debates. O relatório oficial desse encontro sobre o progresso recente de diferentes temas científicos tornou-se um meio de divulgar a visão pessoal de um relator, com a impressão do aval da associação (CHEN, 1992).

O primeiro relatório sobre óptica na Associação Britânica, durante o encontro de 1832, em Oxford, foi feito por Brewster, que baseou seu relato sobre a pesquisa no campo em seu ponto de vista emissionista. Citando as dificuldades da teoria ondulatória em relação à

61 Para mais detalhes consultar Chen (1992).

62 A relação dos pressupostos epistemológicos do período com os estudos sobre a natureza da luz será discutida na próxima seção.

dispersão e absorção, Brewster deu a impressão que a teoria ondulatória estava longe de ser considerada uma teoria da luz (CHEN, 1992).

O encontro da Associação Britânica de 1833, no entanto, ocorreu em Cambridge, reduto da teoria ondulatória e William Whewell, defensor da teoria ondulatória, foi eleito presidente do encontro. Dessa maneira, devido à influência dos físicos de Cambridge, Humphrey Lloyd (1800-1881) foi escolhido como relator das novas pesquisas em óptica para o encontro de 1833. O relatório de Lloyd providenciou amplo suporte à teoria ondulatória e assegurou o controle da teoria ondulatória na Associação Britânica (CHEN, 1992, 1995).

Lloyd defendia que o poder explicativo de uma teoria era uma condição necessária e suficiente para sua verdade. Em seu relatório, Lloyd tratou de diversos fenômenos ópticos associados à luz polarizada e luz não polarizada, buscando argumentar que a teoria ondulatória deveria ser aceita e a teoria emissionista rejeitada. Ele enfatizou diversos fenômenos que a teoria ondulatória tinha explicado satisfatoriamente e numericamente, enquanto a teoria corpuscular tinha falhado completamente ou tinha requerido a adição de hipóteses ad hoc. Assim, Lloyd argumentava que a teoria emissionista falhava em obedecer aos princípios de harmonia, unidade e ordem, que devem reinar nos trabalhos do Supremo autor (Deus), uma vez que a teoria emissionista só conseguia acomodar fenômenos pela adição de novas hipóteses (CANTOR, 1983; CHEN, 1992).

A teoria ondulatória, no entanto, ainda não conseguia explicar importantes categorias de resultados experimentais, como absorção e dispersão, bem como enfrentava problemas conceituais relacionados ao conceito de éter. Apesar desses problemas, em torno da metade da década de 1830 a teoria ondulatória da luz tornou-se dominante na maioria das instituições científicas e educacionais britânicas.

Emissiosistas continuaram a desafiar a teoria ondulatória. Eles procuravam explorar fenômenos que nem a teoria ondulatória nem a teoria emissionista conseguiam explicar. Entre eles, os debates sobre absorção, polaridade e propriedades químicas da luz iniciados por emissionistas durante as décadas de 1830 e 1840 (CHEN, 1992).

Ondulacionistas, por seu turno, advogavam o grande poder explicativo de sua teoria. Segundo Chen (1992), uma tática utilizada pelos ondulacionistas para enfatizar o escopo explicativo da teoria ondulatória foi mudar o sistema de classificação dos fenômenos ópticos. Ao contrário das classificações de Young e Brewster, nas quais os méritos da teoria ondulatória eram significantemente reduzidos, os ondulacionistas desenvolveram um novo

sistema de classificação no qual o sucesso explicativo da teoria podia tornar-se evidente63 (CHEN, 1992).

Esse novo sistema de classificação surgiu no artigo Light de Herschel, que dividiu os fenômenos em luz polarizada e luz não polarizada e foi melhor desenvolvido por Lloyd em seu relatório sobre as pesquisas ópticas em 1834. Sob esse novo sistema, a teoria ondulatória da luz estava apta a controlar metade das principais categorias –relacionadas à luz polarizada, nas quais a teoria emissionista não tinha nenhuma contribuição. Na outra metade, a teoria ondulatória também podia explicar as subcategorias de difração e cores de placas finas. Dispersão e absorção (áreas problemáticas na teoria ondulatória), por sua vez, tornaram-se subcategorias sob reflexão e refração de luz não polarizada. Dessa maneira, com esse novo sistema de classificação, ondulacionistas procuravam minimizar as falhas em comparação com o sucesso da teoria em várias outras classes de fenômenos ópticos (CHEN, 1992, 1995).

No final da década de 1830, Brewster ainda apoiava a teoria newtoniana. Embora conhecesse o poder preditivo da teoria ondulatória, Brewster acreditava que a ação química específica da luz podia ser explicada apenas se a própria luz fosse uma substância. A despeito de sua autoridade como experimentador, esses argumentos não conseguiram parar o aumento do conceito ondulatório da luz (CHEN, 1992; DARRIGOL, 2012).

Por fim, gostaríamos de destacar que a completa aceitação da teoria ondulatória só aconteceu por volta da metade do século. Chen (1992) atribui esse predomínio da teoria ondulatória ao surgimento de uma nova geração de ondulacionistas. Segundo ele, toda a velha geração de ondulacionistas eram newtonianos. As investigações ópticas de Young, por exemplo, consistiam principalmente em uma extensão, mais do que uma refutação dos trabalhos ópticos de Newton. Posteriormente, grandes defensores da teoria ondulatória na Grã-Bretanha, como Airy e Herschel, eram também grandes defensores do newtonianismo (CHEN, 1992).

A nova geração dos ondulacionistas defendeu a teoria ondulatória bem no início de suas carreiras, quando eles não tinham familiaridade com a tradição emissionista. De um modo geral, a intensidade da controvérsia emissionista-ondulatória diminui expressivamente na década de 1850 (CHEN, 1992). Ninguém tentou recuperar os resultados mais específicos de Fresnel num quadro newtoniano. Nenhum dos físicos da geração mais jovem aceitou a teoria corpuscular (DARRIGOL, 2012).

63 Para mais detalhes sobre como o sistema de classificação dos fenômenos influenciou na controvérsia entre teoria ondulatória versus emissionista, consultar: Chen (1992, 1995).

3.5 Pressupostos epistemológicos na primeira metade do século XIX e os debates