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1 NATUREZA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE CIÊNCIAS

1.3 Como Ensinar?

Em termos de estratégias de ensino da NDC, a literatura tem evidenciado a relevância da História da Ciência (via vinhetas, episódios, estudos de caso etc.), de controvérsias (históricas e/ou atuais), do ensino por investigação, argumentação, dentre outros, no ensino de conteúdos de NDC (MARTINS, 2015).

Ao discutir sobre dimensões úteis para se pensar a inserção curricular de temas de NDC no ensino, Martins (2015) observa que episódios históricos tem se mostrado fundamentais para o entendimento de questões que envolvem NDC, citando trabalhos que fazem uso dessa abordagem. Um olhar da História da Ciência, especialmente a respeito de controvérsias envolvendo cientistas, tem o potencial de ilustrar e contextualizar discussões sobre diversos

aspectos relativos à temática NDC. Por outro lado, uma discussão sobre a ciência também deve tratar de temas atuais e da ciência contemporânea. Questões científicas atuais costumam aparecer na mídia e despertar a curiosidade e o interesse dos estudantes, sendo também uma boa oportunidade de tratar da temática NDC (MARTINS, 2015).

A inserção da NDC no ensino pode ocorrer a partir de uma abordagem implícita ou explícita. Na abordagem implícita, trabalha-se a compreensão da NDC através da prática científica, fornecendo elementos subliminares sobre como o conhecimento científico se constrói. Na abordagem explícita, por sua vez, os aspectos da NDC que serão trabalhados estão explícitos desde o início da atividade. Essa abordagem, na maioria das vezes, se utiliza da História e da Filosofia da Ciência (MOURA, 2014). Em geral, a defesa é que uma abordagem explícita é mais eficaz do que uma abordagem implícita em promover um entendimento sobre a NDC (HODSON, 2014)

Entre as diversas maneiras possíveis para inserção da NDC no ensino, focaremos na discussão sobre a utilização da HFC como abordagem para discutir aspectos da NDC no ensino.

Há uma estreita relação entre NDC e HFC, principalmente quando se trata da discussão de propostas para se contextualizar a educação científica. A quantidade significativa de trabalhos nessa interface NDC – HFC (OLIVEIRA, SILVA, 2013), expõem que conteúdos históricos e filosóficos têm sido utilizados como potencial recurso pedagógico para trabalhar aspectos do desenvolvimento da ciência (MOURA, 2014).

Galindo e Adúriz-Bravo (2011) defendem que aspectos históricos e filosóficos incorporam nas aulas de ciências novas discussões acerca de quais são as características da atividade científica; como se desenvolvem e se validam os conhecimentos científicos; como a ciência muda com o tempo; quais valores, interesses e formas de organização da comunidade científica; como a ciência se relaciona com os outras disciplinas (tecnologias, humanidades, artes) e outras formas de entender o mundo (religião e mito).

Entre os valores didáticos da HFC, Galindo e Adúriz-Bravo (2011) apontam: 1) proporcionam uma reflexão teórica sobre o que é o conhecimento científico e como se elabora, que permitem entender melhor a produção científica e seus alcances; 2) proporciona uma reflexão crítica sobre a ciência, constituindo assim uma produção intelectual valiosa para a cultura integral da cidadania; 3) fornece ferramentas de pensamento e de discurso rigorosos, como a lógica, a argumentação, que nos permite pensar com conceitos científicos e sobre eles, de uma forma organizada e coerente; 4) ajuda reconhecer a ciência como atividade social

contextualizada; 5) geram ideias, materiais, recursos, abordagens e textos para projetar uma educação científica mais rica (GALINDO, ADÚRIZ-BRAVO, 2011).

Entretanto, o reconhecimento da importância da HFC não é suficiente para que a mesma esteja presente nas salas de aula. Se por um lado é consenso que a HFC pode contribuir para discussão de aspectos da NDC no ensino, bem como para a formação crítica do aluno (MARTINS, 1990; FORATO, 2009), em outra vertente nos deparamos com alguns problemas a serem superados para a efetiva inclusão da HFC na prática docente.

Dentre os problemas apresentados temos a questão do como fazer e de como utilizar materiais com essa abordagem. Além de outros problemas como: a falta de formação ou habilidade dos professores em trabalhar com conteúdos históricos, a falta de material didático adequado, a falta de tempo, o engessamento dos currículos escolares, etc. (FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2012).

A efetiva inserção de episódios históricos no ensino de ciências para discutir aspectos da NDC não é uma tarefa trivial, e envolve entre outros aspectos, recomendações da historiografia da ciência.

Forato, Pietrocola e Martins (2011) apontam que qualquer narrativa da História da Ciência traz, implícita ou explicitamente, os valores, as crenças e as orientações metodológicas do seu autor. O relato histórico da criação de um conceito científico ou de uma controvérsia entre teorias rivais carregam concepções sobre a NDC e sobre os processos da sua construção.

O historiador da ciência deve respeitar o contexto histórico. Interpretar o passado anacronicamente, com valores, ideias e crenças de outra época, ou mediante normas e padrões atuais é um dos erros mais graves que se pode cometer (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011). Nas narrativas históricas anacrônicas:

São ignorados todos os fatores conceituais da ciência e os elementos contextuais de cada cultura que estiveram envolvidos no desenvolvimento de um determinado conhecimento científico. Inúmeros fatores, como, por exemplo, o papel dos erros e das controvérsias, a contribuição do debate entre diferentes teorias, os diversos pensadores que trabalharam no assunto, a influência de fatores sociais, políticos, econômicos, ou quaisquer outros que possam ter contribuído para o desenvolvimento da ciência, são simplesmente ignorados (FORATO, PIETROCOLA, MARTINS, 2011, p. 39).

Contrariamente as narrativas históricas anacrônicas, deve-se estar atento ao fato de que uma das atribuições da História da Ciência é compreender as características da imagem de ciência presentes na obra de um cientista. Essas características compreendem os valores e os princípios epistemológico-metodológicos defendidos e usados pelos cientistas (VIDEIRA,

2007). Em uma abordagem diacrônica, considerada adequada para a historiografia contemporânea, espera-se que o relato e a análise de fatos históricos considerem o contexto sócio-histórico-cultural em que ocorreram (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011).

Além das recomendações da historiografia da ciência para elaboração de narrativas históricas a partir de estudos de episódios históricos, a inserção dessas narrativas no ensino de ciências perpassa, obrigatoriamente, pela figura do professor. Assim, apesar de não se esperar que o professor de ciências se torne um historiador, é necessário que ele adquira algumas habilidades para que possa inserir narrativas históricas no ensino sem provocar concepções inadequadas da NDC em seu alunado. Assim, defende-se que o professor deve conhecer alguns pressupostos básicos da historiografia que podem auxiliar na inserção da HFC no ensino de ciências, contribuindo para uma leitura mais crítica das versões históricas presentes no ensino.

Sobre a falta de preparo do professor em lidar com essa abordagem, seu uso incorreto pode conduzir a formação de concepções inadequadas sobre a ciência. Ainda não está claro na literatura quais os aspectos na formação do professor que influenciarão no seu conhecimento da NDC e, até mesmo, se, uma vez tendo isso na sua formação, o professor levará para a sala de aula.

No entanto, alguns cuidados podem ser antecipados. Por exemplo, a existência de disciplinas no currículo de formação de professor, em que se pressuponha a discussão da HFC, que implique na abordagem de aspectos da NDC. Para isso, é necessário que a formação do docente trabalhe aspectos críticos da ciência.

Martins (2001) defende que é necessário, além do conhecimento científico, buscar adquirir requisitos básicos, tais como, conhecimento linguístico, uma boa leitura, um pouco de curiosidade, bastante cautela para evitar fazer afirmações generalizadas e principalmente o abandono da presunção. É desejado que o professor tenha conhecimento de história geral, de física, de filosofia, de sociologia e também de História da Ciência e da tecnologia para inserir uma abordagem histórica no ensino, defendem Quintal e Guerra (2009).

Em outra vertente, Seker (2012) aponta que para superar as dificuldades relativas à inserção de narrativas históricas no ensino, professores de ciência precisam conectar seu conhecimento de conteúdo pedagógico com conhecimento de História da Ciência, bem como saber empregar estratégias instrucionais adequadas na inserção da História da Ciência no ensino.

Entretanto, não se espera que os professores adquiram, em sua formação inicial, todas as competências necessárias para inclusão de abordagens históricas no ensino, bem como não se pode esperar que o livro didático o faça, uma vez que estes trazem a História da Ciência com muita superficialidade, o que leva professores e alunos a adquirirem uma visão distorcida da História da Ciência. Desse modo, é importante a elaboração de material complementar, que auxilie na inclusão da HFC no ensino (OLIVEIRA, 2014).

Diversas pesquisas, ao longo dos últimos anos, seguiram na perspectiva de discutir a relação entre HFC, NDC e episódios históricos10, seja através da elaboração de materiais complementares (narrativas históricas, blogs, vídeos, entre outros), ou da aplicação efetiva de propostas em salas de aula. Apresenta-se uma grande ênfase na utilização de episódios históricos para discutir aspectos relacionados à construção do conhecimento científico e suas influências, o papel das concepções prévias dos cientistas no desenvolvimento de suas ideias, a complexa relação entre observação, hipótese e teorias, entre outros.

Cordeiro e Peduzzi (2011), por exemplo, discutem aspectos da NDC e do trabalho científico que podem ser trabalhados a partir do episódio histórico do desenvolvimento da radioatividade entre os anos 1899 e 1913.

Henrique, Andrade e L´Astorina (2010) discutem aspectos da NDC a partir do estudo de um episódio da história da astronomia (construção do conceito moderno de Galáxia). Eles aplicaram parte dessa proposta em um curso de extensão e apontam que foi possível discutir alguns aspectos explícitos da NDC durante o curso. Entre eles, o caráter provisório do conhecimento científico; a dependência das observações das expectativas, dos conceitos prévios, e das experiências do observador.

Peduzzi, Tenfen e Cordeiro (2012), por sua vez, exploram diversos aspectos sobre a NDC e a investigação científica (a pluralidade metodológica; a transitoriedade do conhecimento; resistências à aceitação de novos instrumentos, conceitos e teorias; entre outros) a partir de cinco animações em flash (referentes a diversos períodos históricos no desenvolvimento da física) desenvolvidas para a disciplina Evolução dos Conceitos da Física, do Curso de Licenciatura em Física na Modalidade a Distância (Prolicen) da Universidade Federal de Santa Catarina. Segundo eles, essas animações propõem inúmeros

10 A pesquisa nesse sentido é ampla, ver, por exemplo: Reis et al. (2001); Moreira, Massoni e Ostermann (2007); Mccomas (2008); Moura (2008); Forato (2009); Adúriz-Bravo e Izquierdo-Aymerich (2009); Cordeiro e Peduzzi (2011); Peduzzi, Tenfen e Cordeiro (2012); Braga, Guerra e Reis (2012). O grupo GHCEN-UEPB também vem desenvolvendo diversas pesquisas nessa interface. Para ter acesso aos trabalhos do Grupo, consultar: https://ghcenuepb.wixsite.com/ghcen/papers.

questionamentos de caráter histórico-epistemológico que visam suscitar a inquietação, a reflexão e o debate. Eles relatam que as animações, por abordarem a história da física, evidenciaram o contexto no qual os conceitos físicos foram concebidos e desenvolvidos, propiciando uma visão mais geral dessa ciência, desvinculando-a da fragmentação comum aos cursos de formação nessa área (PEDUZZI; TENFEN; CORDEIRO, 2012).

Nessa discussão acerca da inserção da HFC no ensino de ciências, as pesquisadoras Ana Paula Bispo da Silva e Andrea Guerra publicaram, no ano de 2015, o livro “História da Ciência e Ensino: Fontes Primárias e Propostas para sala de aula” que procura subsidiar propostas para o ensino de ciências.

O livro contém traduções de textos históricos originais envolvendo eletricidade, magnetismo e termodinâmica, que permitem ao professor elaborar sua própria proposta com enfoque histórico-filosófico, bem como sequências didáticas para o desenvolvimento de práticas pedagógicas que almejam levar a História da Ciência para a sala de aula sob diferentes perspectivas: experimentação, narrativas históricas, uso de paradidáticos, relação ciência e arte, interdisciplinaridade e relações entre ciência, tecnologia e sociedade. O objetivo é não somente trabalhar com o conteúdo de ciências, mas, também, propiciar discussões sobre a Natureza da Ciência e a complexidade do conhecimento científico (SILVA; GUERRA, 2015).

Por fim, gostaríamos de destacar que as discussões sobre a interface entre NDC e HFC servirão de base para guiar o olhar que se pretende dar ao episódio histórico que será estudado neste trabalho, propondo uma análise diacrônica do mesmo, ou seja, considerando o contexto em que o desenvolvimento das ideias científicas estava atrelado, o que também está de acordo com as diretrizes da moderna historiografia da ciência.