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3 EPISÓDIO HISTÓRICO: PANORAMA GERAL SOBRE A ÓPTICA NA

3.2 Estudos em óptica dentro do programa laplaciano de pesquisa

Na França, os estudos sobre a natureza da luz no início do século XIX estiveram associados ao programa laplaciano de pesquisa. O programa de Laplace era visto, por seus praticantes, como uma culminação do trabalho do século XVIII na tradição newtoniana. Entre

1805 e 1815, o programa levantou problemas e estabeleceu princípios gerais para solução, dando unidade em estilo e propósito à física francesa. Um fator importante para o domínio do programa laplaciano se deve à eficácia com que Pierre Simon Laplace (1749-1827) e Claude Louis Berthollet (1748-1822) controlavam os estabelecimentos científicos em ensino e pesquisa da época na França (FOX, 1974).

Nesse período, estudiosos franceses se reuniam na Sociedade de Arcueil. Dirigida por Berthollet e Laplace, a Sociedade era composta por jovens físicos e químicos de Paris: Jean- Baptiste Biot (1774-1862), Simeon Denis Poisson (1781-1840), Etienne Louis Malus (1775- 1812), Dominique Francois Arago (1786-1853), dentre outros. Esses estudiosos, educados em laboratório e matemática na recém-fundada École Polytechnique, procuravam combinar o cálculo com a experiência para obter o máximo de precisão possível (FRANKEL, 1976, 1977).

É importante destacar que Berthollet e Laplace estavam em uma boa posição para obter do governo financiamento para seus projetos de pesquisa, influenciar as nomeações para posições científicas e patrocinar investigações experimentais que o interessavam. Assim, eles patrocinaram diversos jovens estudiosos, entre eles Poisson, Biot e Malus (FRANKEL, 1977).

A física laplaciana procurava descrever todo fenômeno, seja na escala terrestre, molecular ou celeste, em termos de forças centrais entre partículas que embora tratadas por analogia com forças de gravitação newtonianas, podiam ser ou atrativas ou repulsivas. As forças eram consideradas como sendo exercidas sobre matéria imponderável tão bem quanto numa matéria ponderável. Na verdade, um elemento essencial e característico na física laplaciana era o sistema de fluidos imponderáveis para calor, luz, eletricidade e magnetismo. Em concordância com a crença que tinha se tornado amplamente aceita no final do século XVIII, cada fluido era pensado para consistir de partículas que eram mutuamente repulsivas, mas que em todos os casos eram atraídas por matéria ponderável através de forças à distância (FOX, 1974).

No volume de 1805 do Mécanique Célèste, Laplace trouxe tratamentos matemáticos da refração óptica e ação capilar, baseando ambos tratamentos na existência de forças atrativas de curto alcance do tipo que tinha sido primeiramente postulado por Newton e frequentemente discutido ao longo do século XVIII. No caso de refração da luz, essa atração ocorria entre as partículas de matéria e as partículas de luz imponderável (FOX, 1974).

A óptica corpuscular foi fundamental na física laplaciana, oferecendo muitos temas de pesquisa para o grupo de Arcueil. O interesse de Laplace pelas forças de curto alcance

influenciou a maior parte das pesquisas em óptica feita por físicos franceses nos anos 1805- 1808. Entre eles, Etienne Louis Malus, em 1807, apresentou à Primeira Classe do Institut de France (Instituto da França)44 o seu "Traité d’optique analytique", no qual desenvolveu técnicas matemáticas para prever os caminhos dos feixes de luz sob várias condições de reflexão e refração. Embora fosse um trabalho em óptica geométrica45, o estudo de Malus era caracterizado pelo tratamento dos raios de luz como caminhos das partículas que viajavam pelo espaço, mostrando uma defesa da teoria corpuscular (FRANKEL, 1976).

Malus supunha que a luz era composta de calórico e oxigênio, em concordância com o fato que luz geralmente ocorre durante a combustão de corpos (DARRIGOL, 2012).

Em 1807, um estudo matemático da dupla refração foi proposto como tema do prêmio a ser concedido a matemáticos na competição bianual de prêmios da Academie des Sciences de Paris. Em relação a essa disputa, devemos ressaltar que Laplace presidia o sistema de competições de prêmios organizado pela Primeira Classe do Instituto. Dessa maneira, ele exercia grande influência sobre os cinco jurados do comitê que propuseram um estudo matemático da dupla refração como tema do prêmio (FOX, 1974; DARRIGOL, 2012).

Foi um defensor da teoria corpuscular da luz e um dos discípulos de Laplace em Arcueil, Malus, que recebeu o prêmio com uma memória lida em 4 de junho de 1808 (FOX, 1974; DARRIGOL, 2012).

A pesquisa de Malus sobre a dupla refração teve duas consequências importantes para teoria corpuscular: 1) através de uma série de experimentos apoiados por análises matemáticas, Malus confirmou a lei para a direção do segundo raio extraordinário no cristal da Islândia que havia sido proposta por Huygens no século XVII46; 2) Malus também estudou a polarização por reflexão. Ele notou que as propriedades assimétricas que a luz duplamente refratada exibe poderiam ser produzidas pela simples reflexão em qualquer meio transparente e, portanto, seriam o resultado de alguma modificação fundamental da luz em sua interação com a matéria (FRANKEL, 1976).

Malus defendia que a descoberta do que mais tarde ele chamaria de polarização por reflexão, decidia a natureza da luz. Segundo Malus, as observações mostraram que o fenômeno de reflexão difere para o mesmo ângulo de incidência, o que não pode acontecer na

44 Institut de France (Instituto da França) é uma instituição acadêmica francesa, fundada em Paris, no ano de 1795, agrupando grandes academias nacionais francesas, entre as quais a Académie des Sciences (Academia das Ciências).

45 Para mais detalhes do desenvolvimento da óptica geométrica ao longo do século XIX, consultar: Atzema (1993).

46

hipótese de Huygens. Assim, ele defendia que a luz não é apenas uma substância submetida a forças que animam outros corpos, mas também a forma e disposição das moléculas de luz tem uma grande influência sobre o fenômeno (DARRIGOL, 2012).

A polarização transformou-se em um tópico importante de pesquisa para estudiosos interessados na óptica. Malus, Arago, Biot e David Brewster desenvolveram trabalhos sobre polarização, nos anos que se seguiram aos estudos de Malus (FRANKEL, 1976; DARRIGOL, 2012).

François Arago, outro membro do programa laplaciano de pesquisa, fez uma série de experimentos, nos quais ele estudou a polarização dos anéis de Newton. Arago defendeu que as propriedades dos raios polarizados dependem da disposição particular dos eixos das moléculas com os quais eles eram formados. Arago também fez diversos experimentos qualitativos sobre cores e polarização, no entanto, não se ateve a detalhes quantitativos. Jean- Baptiste Biot, ao contrário, procurou trabalhar a relação entre cores e polarização de uma forma mais quantitativa (DARRIGOL, 2012).

Após os trabalhos de Arago sobre polarização, Biot apresentou, em 1812, duas longas memórias sobre a despolarização. Para Biot, as moléculas leves oscilam periodicamente entre dois azimutes de polarização. Estas oscilações são da mesma amplitude para moléculas luminosas de todas as cores, mas suas velocidades são desiguais. As moléculas violetas giram mais rápido do que as azuis e estas mais rápido do que as verdes e assim por diante até as moléculas vermelhas que são as mais lentas. Essa desigualdade de velocidades faz com que haja, a qualquer espessura dada da lâmina, cores diferentes nos dois limites de oscilação, e é isso que produz os dois feixes coloridos que se observa quando se analisa a luz transmitida (FRANKEL, 1976). Assim, o eixo das moléculas de luz de Biot oscilam em torno do eixo óptico da lâmina em uma frequência dependendo da cor simples (DARRIGOL, 2012).

Ao aprofundar seus estudos sobre polarização cromática, Biot viu uma analogia entre suas hipotéticas moléculas de luz oscilantes e os "estados de reflexão e transmissão" de Newton. Buscando melhor explicar o fenômeno, ele propôs um mecanismo físico específico para explicar os ajustes: todos os fenômenos que dependem dos estados de fácil reflexão e transmissão poderiam ser representados atribuindo às moléculas leves dois pólos, um atrativo, o outro repulsivo, que eles apresentariam alternativamente às superfícies dos corpos, girando com um movimento uniforme em torno de seu centro de gravidade. Quando as moléculas leves apresentam seu pólo atrativo à superfície, a atração que resulta aumenta sua velocidade e aumenta sua tendência a ser transmitida. Quando, ao contrário, a molécula apresenta seu

pólo repulsivo à superfície, o resultado da repulsão enfraquece muito a tendência para penetrar na superfície e o corpúsculo torna-se mais suscetível a ser refletido (FRANKEL, 1976). Biot também fez estudos sobre a polarização óptica rotatória47.

Em relação à repercussão das novas pesquisas dentro da teoria corpuscular, em especial, relacionadas ao fenômeno de polarização, Darrigol (2012) apresenta que, em 1810, Young saudou a descoberta de polarização de Malus como a mais importante que tinha sido feita na França, a respeito das propriedades da luz, ao menos desde a época de Huygens (DARRIGOL, 2012). Nesse sentido, Young admitiu que o teor geral desses fenômenos (polarização) é tal que aponta para alguma propriedade semelhante à polaridade, o que parece ser muito mais fácil de conciliar com as ideias newtonianas do que com as de Huygens (MORSE, 2007).

Em 1815, Young teria admitido para Brewster sua crescente perplexidade sobre o fenômeno de polarização, admitindo que conforme aprendia mais sobre os fatos que Malus tinha descoberto tornava-se menos convicto de sua hipótese sobre a natureza ondulatória da luz, uma vez que, embora sua hipótese sobre a natureza da luz não fosse incompatível com esses fatos, não permitia explicá-los. Mas, isso não se estendia a sua lei de interferência (DARRIGOL, 2012).

Enfim, o programa laplaciano de pesquisa48 estendeu o paradigma corpuscular da luz dentro da França, na década de 1805-1815. No entanto, é necessário mencionar, como salienta Frankel (1976), que a teoria também tinha problemas. Vários movimentos rotacionais e oscilatórios atribuídos aos corpúsculos leves, por exemplo, foram hipóteses ad hoc acrescentadas para explicar efeitos particulares. É esse contexto que marca o início das pesquisas de Fresnel na teoria ondulatória da luz, a qual discutiremos a seguir.