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4 A INTERFACE ENTRE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E NATUREZA DA

4.3 Narrativa Histórica

4.3.1 Aspectos teóricos

Na construção da narrativa histórica, objetivamos: (1) direcionar a escrita da narrativa para que seja usada nos cursos de formação de professores de Física; (2) retratar a História da Ciência a partir das fontes primárias e secundárias analisadas no estudo do episódio histórico; (3) discutir temas de NDC, através de discussões explícitas e questões de NDC deixadas ao longo do texto.

Na busca de fontes que pudessem auxiliar na construção da narrativa histórica, tomamos como embasamento inicial o artigo publicado por Don Metz, Stephen Klassen, Barbara Mcmillan, Michael Clough e Joanne Olson, na Science & Education, no ano de 2007: “Building a Foundation for the use of Historical Narratives” (METZ et al, 2007). A partir desse artigo, fazendo uso de referências cruzadas, tivemos contato com outros artigos que discutem sobre a construção de narrativas históricas para o ensino de ciências, bem como artigos que discutem a interface entre HFC e NDC de modo voltado para a construção de materiais para o ensino (KLASSEN, 2006, 2007, 2009; METZ et al., 2007; CLOUGH, 2011; NORRIS et al., 2005; KLASSEN; FROESE KLASSEN, 2014; ALLCHIN, 2010; SCHIFFER; GUERRA, 2014)70.

Nas últimas décadas, evoluiu uma tendência na literatura educacional que enfatiza o potencial das narrativas para melhorar o ensino e a aprendizagem. A defesa é que as narrativas baseadas historicamente promovem o interesse e motivação dos alunos, apresentando episódios que explicitamente incluem conteúdo científico (KLASSEN, FROESE KLASSEN, 2014).

Norris et al (2005) definem narrativa, dentro da perspectiva teórica, como atos verbais consistindo em alguém dizendo a alguém que algo aconteceu. Dessa maneira, eles destacam o papel do narrador (alguém contando), do narratário (alguém que recebe), dos eventos (algo que aconteceu) e tempo passado (NORRIS et al, 2005).

70 Na literatura internacional é comum o uso do termo “story” para designar narrativa. A maioria dos autores consultados usam os termos “narrative” e “story” sem diferenciá-los. Apenas em Klassen e Froese Klassen (2014), observamos uma diferenciação entre “narrative” e “story”. No entanto, na língua portuguesa o uso da palavra “estória” não é recomendado. Nesse sentido, utilizaremos, em nossas discussões, o termo narrativa.

Recentemente, diversos artigos acadêmicos buscaram fornecer uma base teórica para a construção de narrativas científicas. Grande parte da literatura na área é de natureza teórica, tentando estabelecer características de narrativas que contribuirão para o ensino do conteúdo científico e da natureza da ciência. Exemplos de narrativas que foram usadas nas salas de aula também são encontrados (KLASSEN, 2006, 2007, 2009; METZ et al., 2007; NORRIS et al., 2005; KLASSEN, FROESE KLASSEN, 2014; AVRAAMIDOU, OSBORNE, 2009; CLOUGH, 2011).

Os materiais históricos não devem consistir em meras cronologias, mas, ao invés disso, devem expor as configurações em que as descobertas foram feitas sob a forma de narrativas. A narrativa diferencia-se de uma cronologia na medida em que contém um elemento intencional adicional, o requer interpretação histórica, uma vez que os fatos históricos geralmente não fornecem motivações. Assim, detalhes plausíveis podem ser adicionados, desde que não contradigam fatos históricos conhecidos (KLASSEN, 2006, 2009).

A forma da narrativa que é elaborada contém conceitos de ciência, bem como enfatiza a dimensão humanística desta, exigindo o uso da História da Ciência para formar a base das narrativas científicas (KLASSEN, FROESE KLASSEN, 2014). Embora a licença poética seja parte da escrita de qualquer narrativa, mesmo que baseada historicamente, os detalhes imaginários devem ser consistentes com a história. Nesse sentido, é essencial retratar a história com precisão, através do uso fontes originais e secundárias. Qualquer descrição também deve ser sensível às práticas, crenças e costumes sociais da época. O objetivo deve ser retratar os cientistas como seres humanos, dando aos alunos a oportunidade de se envolverem na História da Ciência (KLASSEN, 2007, 2009).

A partir da análise dos artigos de Norris et al (2005) e Klassen (2009), podemos apontar alguns elementos essenciais na construção das narrativas, entre eles:

1) Event-tokens

As narrativas consistem no relato de uma sequência de eventos que envolvem personagens e o cenário no qual os eventos ocorrem. Os eventos são relacionados por uma sequência cronológica subjacente que pode ser explícita ou implícita. Os eventos sucessivos são feitos mais significativos à luz dos eventos anteriores, uma vez que estes levam a mudanças de estado. Outra característica é que na sequência de eventos, os motivos e as escolhas dos personagens criam vínculos causais entre os eventos (KLASSEN, 2009).

Norris et al (2005) explicam que os narradores devem atribuir significado aos eventos que eles estão relatando ou mesmo insinuar significado para manter os leitores em suspense.

Além de uma sequência de eventos sobre um assunto unificado, uma narrativa exige que os eventos sejam conectados. A medida que a narrativa se desenrola, os leitores começam a perceber a interconexão entre os eventos e entender como o que está acontecendo com os personagens é resultado do que veio antes. A narrativa, portanto, é formada por contingências. Os eventos contingentes são aqueles que ganham significado de maneira retroativa (NORRIS et al., 2005).

2) O Narrador

O narrador, seja um participante ou um observador, determina o ponto e propósito da narrativa e seleciona os eventos e sua sequência (KLASSEN, 2009). Norris et al. (2005) destacam que o narrador toma o que é simplesmente uma sequência de eventos antes do discurso e modifica-o em um todo com significado, de acordo com o propósito da narrativa a ser contada. Os eventos são escolhidos de acordo com o propósito predeterminado. Além disso, para criar suspense e antecipação, os narradores escolhem deliberadamente a sequência em que os eventos serão informados. Ou seja, a escolha do narrador sobre o que contar e como dizer isso afeta o grau em que o leitor se envolve com a narrativa (NORRIS et al, 2005).

3) Apetite narrativo:

Uma narrativa deve levar curiosidade ao ouvinte em função de um desejo de saber o que acontecerá depois. O apetite narrativo consiste no desejo de aprender mais. As narrativas não devem ser apenas relatos de eventos, mas descrições de eventos sobre os quais alguém se interessa. O apetite narrativo seria incitado através de instâncias de desequilíbrio, suspense e suposições. Os leitores são levados a querer saber o que acontece depois das tensões e reversões das situações encontradas na narrativa. É crucial que, em qualquer ponto de uma narrativa, o leitor não saiba o que acontecerá a seguir, mas tenha uma sensação de uma série de possibilidades e ações prováveis de acordo com a cultura em que se situa a narrativa. Suspense, reversões e imprevisibilidade dentro dos limites culturais são meios para sustentar o interesse do leitor, isto é, para manter o apetite narrativo (NORRIS et al, 2005; KLASSEN, 2009).

4) Tempo passado:

Em uma narrativa, o narrador conta os eventos que já ocorreram. Mesmo que os eventos subjacentes à história sejam historicamente sequenciais, o relato dos eventos pode se mover de um lado para outro através do tempo por meio de flashbacks. Os narradores podem, por meio da manipulação do tempo, tornar a narrativa mais interessante, atraindo seu público a

querer saber o que acontece. Essas diferentes escolhas fazem a diferença na participação dos leitores no texto (NORRIS et al., 2005; KLASSEN, 2009).

5) A Estrutura:

A estrutura da narrativa tem uma situação inicial, complicações que produzem uma ação crescente e uma decisão no final. A estrutura pode ser vista em termos de mudanças de estado e sequências de eventos que produzem o sentido de fluxo na história. Uma maneira de representar essas sequências é: estado inicial - evento - estado final (KLASSEN, 2009; NORRIS ET AL, 2005).

6) Agentes:

As narrativas envolvem personagens que são agentes, ou seja, os personagens devem fazer escolhas e viver pelas consequências dessas escolhas (KLASSEN, 2009). Norris et al. (2005) destacam que a narrativa exibe um grupo de personagens que vivem em um determinado local com o passar do tempo. Sobre o papel que personagens ou agentes desempenham na narrativa, eles explicam que os eventos narrativos exigem algum agente de ação: personagens. Uma narrativa é uma série de eventos logicamente e cronologicamente relacionados que são causados ou experimentados por atores, não necessariamente humanos. Atores e agentes normalmente introduzem um elemento ético na narrativa, porque devem assumir a responsabilidade pelos efeitos de suas ações (NORRIS et al, 2005).

7) O Propósito:

A narrativa tem o propósito de comunicar conhecimento, sentimentos, valores e crenças (NORRIS et al., 2005; KLASSEN, 2009).

8) Alguém que recebe (leitor ou ouvinte)

A narrativa assume um certo tipo de ouvinte que responderá de uma certa maneira. O ouvinte deve querer saber o que acontecerá a seguir, participar da narrativa e desenvolver empatia, formulando perguntas em resposta à narrativa (KLASSEN, 2009).

A recepção da narrativa requer interpretação pelo leitor. Assim, o leitor é uma espécie de agente interpretativo, produzindo significado. O leitor emprega vários processos diferentes, como inferir, interpretar, projetar, formular hipóteses, imaginar e antecipar para dar sentido à narrativa. Dessa maneira, o leitor deve estar suficientemente interessado no que está acontecendo e no que pode acontecer para se envolver no ato de leitura. É, portanto, através do envolvimento ativo com o texto que um leitor constrói o significado (NORRIS et al., 2005).

Baseado em Kubli (2001), Klassen (2009) acrescenta mais dois elementos em sua descrição das narrativas: 9) O efeito do não revelado: Uma breve narrativa não consegue incluir todos os detalhes sobre os eventos que ocorreram. A natureza esparsa contribui para o engajamento do ouvinte, uma vez que este procurará preencher os espaços em branco entre as informações fornecidas ou formular perguntas que possam ser respondidas mais tarde e 10) Ironia: Muitas vezes, as narrativas terminam diferentemente do que o ouvinte é levado a acreditar no início. Às vezes, as expectativas do ouvinte são contrariadas. Embora a ironia seja um elemento importante das narrativas, não é essencial no mesmo sentido que as características anteriores (KLASSEN, 2009).

Klassen (2009) ressalta que se os educadores de ciência desejam tornar-se proficientes na escrita de boas narrativas, devem atentar a todos os elementos-chaves, anteriormente discutidos. No entanto, ele ressalta que esses elementos não devem servir como uma fórmula para escrevê-las, uma vez que escrever uma narrativa científica é um ato criativo que não pode ser reduzido a um método. No processo de escrita, a criatividade domina e a narrativa deve se relacionar com os interesses dos alunos. Esses elementos devem ser usados para analisar narrativas científicas (KLASSEN, 2009).

Na sequência, abordaremos alguns aspectos sobre a inserção de aspectos da natureza da ciência em narrativas científicas.

Narrativas científicas e aspectos da NDC

Na elaboração das narrativas científicas, os aspectos científicos do episódio histórico devem ser incorporados em pontos apropriados, de tal forma que flutuem naturalmente com a narrativa. Esse conteúdo deve ser incluído na perspectiva dos personagens e ser entrelaçado de forma narrativa tanto quanto possível. Os problemas de NDC, por sua vez, podem ser trabalhados explicitamente no fluxo da narrativa ou levantados de forma mais indireta, seguidos com uma atividade em que o estudante se concentrará na questão e a esclarecerá (KLASSEN, FROESE KLASSEN; 2014).

Allchin (2010) defende uma abordagem explícita da NDC. Para ele, os exercícios devem envolver ativamente os alunos no pensamento sobre problemas da NDC e na articulação de suas perspectivas de desenvolvimento. Ele argumenta que alunos aprendem mais eficazmente quando se abordam e resolvem problemas sobre NDC. O desafio no desenvolvimento de recursos, então, inclui a contextualização de problemas de NDC,

motivando os problemas e enquadrando-os para estudantes em um nível de desenvolvimento apropriado (ALLCHIN, 2010).

Clough (2011) também ressalta a necessidade de envolver explicitamente os alunos em questões sobre a NDC, destacando que a evidência empírica apoia a visão de que a instrução em NDC é mais eficaz quando tem um caráter explícito e reflexivo. As narrativas históricas devem abordar o desenvolvimento de ideias científicas com comentários e questões que explicitamente chamam a atenção dos alunos para as ideias de NDC (CLOUGH, 2011).

Um propósito significativo das narrativas científicas é levantar questões ou deixar o aluno com problemas não resolvidos. Essas questões surgem não apenas da história em si, mas também das questões científicas e dos conceitos que a História da Ciência contém (KLASSEN, 2007; KLASSEN, FROESE KLASSEN, 2014).

A narrativa histórica deve incluir a luta para explicar fenômenos recém-descobertos por meio de teorias concorrentes, mostrando como os cientistas apresentaram explicações alternativas e, finalmente, estabeleceram uma explicação. A história deve ser colocada em seu contexto original, e ao mesmo tempo ser relacionada com nossos pontos de vista atuais, retratando os estudiosos de maneira justa (KLASSEN, 2006; KLASSEN, FROESE KLASSEN, 2014).

Clough (2011) explicita algumas características necessárias às narrativas científicas para que elas proporcionem uma aprendizagem efetiva da NDC, entre elas: 1) devem se concentrar em ideias científicas importantes, já presentes nos cursos de ciências; 2) devem ser escritas de modo que possam ser usadas de forma flexível por professores de ciências; 3) devem ser criadas narrativas históricas que abordem tanto o passado quanto o presente, para que professores e alunos não descartem as ideias de NDC como de uma era passada; 4) as narrativas históricas devem incorporar, quando apropriado, as palavras dos cientistas para acentuar o lado humano da ciência e adicionar autenticidade as ideias de NDC que estão sendo ilustradas; 5) as narrativas históricas devem incorporar comentários que explicitamente chamam a atenção dos alunos para aspectos da NDC e incluir questões que os alunos reflitam sobre a NDC (CLOUGH, 2011).

As discussões anteriores enfatizam a complexidade envolvida na construção de narrativas históricas, baseadas na História da Ciência, que buscam levar a discussão de aspectos da NDC para o ensino de ciências. Ressaltamos que a construção das narrativas envolve aspectos técnicos. No entanto, envolve também imaginação e criatividade.

4.3.2 A Construção da narrativa: “Desvelando a natureza da luz” – Aspectos