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6.2 Apresentação dos resultados das entrevistas realizadas

6.2.2 Análise das entrevistas

Tendo como base a literatura da área e os pressupostos metodológicos, a partir dos depoimentos obtidos dos participantes, foram realizadas leituras aprofundadas com o objetivo de demarcar e organizar os principais conteúdos emergidos e efetivar o processo de análise. Considerando os temas/questões centrais reveladas pelos sujeitos, identificamos a partir das palavras com seus sentidos e significados as propriedades do pensamento considerando seus aspectos cognitivos, afetivos e volitivos (VIGOTSKI, 1934/2001) que integram a consciência. No exercício analítico, buscou-se ultrapassar a aparência compreendendo as multideterminações e contradições que se expressam em motivações, necessidades e interesses. Assim, por meio da articulação e aglutinação das palavras/expressões com suas significações apresentamos a estrutura de análise categorizada em "núcleos de significação" (AGUIAR; OZELLA, 2006; 2013).

Nessa análise partimos da compreensão de que os sujeitos humanos são seres constituídos de singularidades a partir da totalidade histórica e social. Portanto, as formas e expressões de existência ou modos de ser, concomitantemente, objetiva e subjetivamente, resultam de sínteses de múltiplas determinações, imbricados numa constante e contraditória dinâmica de relações (OLIVEIRA, 2005). Analisar as significações do processo de cuidado de pessoas idosas com dependência, envolvendo pessoa idosa e familiar cuidador, corresponde a buscar dentro das possibilidades presentes a compreensão da realidade concreta, modo e condição de vida, obtendo como fonte principal a reconstrução do vivido pelo trabalho da

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memória (BOSI, 1979/2009), evocado e materializado por meio das palavras.

Nesse sentido, as palavras são, portanto, unidades primeiras de análise, constituídas e mediadas pela linguagem e pelo pensamento, perpassando consecutivamente a esfera das emoções, dos significados e dos sentidos (VIGOTSKI, 1934/2001). Elucidaremos a seguir os principais elementos que emergiram dos depoimentos dos participantes no presente trabalho com o objetivo de facilitar a apreensão das significações do processo de cuidado, explicitando as repercussões do adoecimento e da dependência para pessoas idosas e familiares cuidadores envolvidos diretamente no processo. Tendo como base a literatura da área e os pressupostos metodológicos, explicitaremos alguns núcleos de significação do processo de cuidado.

6.2.2.1 Caso 1 – Dona Jandira (mãe) e Jorge (filho e cuidador)

Neste caso os núcleos de significação que emergiram dos depoimentos foram: Lembranças, trabalho e rotina: independência, adoecimento e a dialética dos papéis “coisa

complicada de explicá”; Dependência como perda de controle: tristeza, desvalia, receios e

preocupações no processo de cuidado; Deixando o emprego e tornando-se cuidador: sobrecarga física e emocional no processo de cuidado; Processo de cuidado como atividade principal; Aproximação afetiva, novas aprendizagens, atenção e valorização social do processo de cuidado; O Centro Dia como lugar de aprendizagem, apoio ao cuidador e espaço de ser sujeito para a idosa; e Condições socioeconômicas precarizando o processo de cuidado.

Lembranças, trabalho e rotina: independência, adoecimento e a dialética dos papéis “coisa complicada de explicá”

Em seus relatos durante as entrevistas D. Jandira discorre veementemente em diversos momentos, das várias atividades que desenvolveu em sua vida passando por diversos lugares e tipos quase sempre na área da faxina. Em suas falas há ênfase e pesar, principalmente, em uma das atividades, sinalizando como fase bastante difícil e marcante:

“Eu trabaiei em muitos lugar. Eu tenho que pensá pra lembrá de todos. [...]

eu precisava ir trabaiá, porque tinha o meu cunhado na cama porque ele tava doente e o dinheiro dele não dava pra cuidá dele, o dinheiro dele

Resultados 95 cama. Eu não tinha ninguém pra ajudá, era tudo eu sozinha. E eu vo falá

pro cê eu nunca tive sussego. Eu tratei do meu cunhado, quatorze anos, quatorze anos na cama. [...] Depois eu peguei um neto meu e criei tamém,

tinha que dá leite, roupa.” D. Jandira [grifos nossos]

A idosa ressalta que durante sua vida sempre trabalhou muito. No período em que foi cuidadora, atravessou dificuldades financeiras, além de trabalhar em casa e cuidar do cunhado havia necessidade de exercer atividade fora para completar a renda. Dos quatorze anos, relata que a fase mais difícil foi o início do processo de cuidado, pois o mesmo era muito pesado e agressivo, tornando a atividade mais onerosa, tanto física quanto psiquicamente. Posteriormente quando há o agravamento do quadro e a dependência do cunhado é total, ela continua desempenhando os cuidados básicos e acompanhando-o até o final da vida.

Numa perspectiva histórica e cultural de nossa sociedade, é comum a opinião de que a atividade de cuidar e responsabilidades do lar, dos filhos, doentes ou de idosos é função exclusiva da mulher (SILVA, 1998; RAMOS-CERQUEIRA; OLIVEIRA, 2006; HIRATA; GUIMARÃES, 2012). Observa-se que, no caso de D. Jandira, os determinantes que corroboraram para que assumisse a função de cuidadora do cunhado, além de ser a mulher da casa, foi um acordo entre o marido e o irmão doente, sem nenhuma participação sua nessa negociação. Entretanto, fica com praticamente toda a responsabilidade e, a partir do falecimento do esposo, o trabalho de cuidado com o cunhado se torna um processo mais solitário.

O filho Jorge tem sua rotina cotidiana atual circunscrita às tarefas domiciliares e ao processo de cuidado da mãe. Em seus depoimentos enfatiza as atividades que desenvolvia anteriormente:

“Então, eu trabalhei desde os doze anos [...]. Eu trabalhei seis anos no Y [...]. Depois trabalhei mais seis anos na X. [...] eu tinha um tio meu que era doente também [...] eu tive que saí pra ajudá minha mãe a cuidá dele. [...] na época eu trabalhava de dia, depois na XX eu passei a trabalhar a noite [...]. Só que assim tinha, tinha aquela rotina, festa no final de semana, é

churrasco, balada, viajá né? Essas coisas.” Jorge [grifos nossos]

Ao resgatar suas experiências de trabalho durante a vida, Jorge elenca três principais empregos e faz menção ao auxílio no cuidado do tio, irmão do seu pai, durante onze meses. Essa experiência, como ajudante da mãe, aparece em vários momentos durante as entrevistas, sinalizando ter importância para o presente momento em que vivencia e desempenha a atividade de cuidador da mãe. Algo que emerge após falar das diferentes experiências de trabalhos é a importância das atividades de lazer nos finais de semana, das quais sente falta e

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lamenta muito ter perdido. Nesse processo de cuidado sentimentos de sobrecarga e a falta de tempo para si é uma queixa frequente, o que vai ao encontro dos resultados obtidos por Sommerhalder e Neri em pesquisa com cuidadoras (2001).

D. Jandira recorda-se de algumas poucas lembranças positivas anos anteriores a ocorrência do AVE. É um período que já estava viúva há pelo menos 15 anos e não era mais cuidadora do cunhado em razão do falecimento do mesmo:

“[...] eu ia pra tudo lado em cidade de fora pros baile, forró. Pegava a jardinera e ia com a muiezada pro forró. Eu gostava de ir nos baile dançá.”

D. Jandira

“Eu gostava de andá, andava pra tudo quanté lado, lá nas loja da cidade, no brechó.” D. Jandira

“Cozinhá, eu gostava muito de cozinhá, fazia pra mulecada, fazia pão, fazia macarrão, arroz, feijão.” D. Jandira

Percebe-se que D. Jandira era uma pessoa bastante ativa e independente, recorda-se de atividades que gostava de fazer em casa, de circular pelos lugares que eram necessários ou que adorava frequentar. Embora tenha sido por poucos anos, foram para a idosa as oportunidades de vivenciar e desfrutar com maior independência sua própria vida. De acordo com o filho, a mãe sempre trabalhou muito e, até pouco antes de ocorrer o AVE, ela ainda capinava lotes para pagar as entradas e o transporte de ida e volta aos bailes que ocorriam nas cidades vizinhas.

Encontra-se muito presente nas falas de mãe e filho, recordações sobre suas atividades de trabalho ou de familiares próximos, desenvolvidas no decorrer da vida. Observa-se nesse relato a dinâmica de trabalho perpassando de forma significativa as relações familiares, determinando em parte como e quando se dão tais relações, inclusive, entre os cônjuges:

“Ele trabaiava, trabaiava na S de noite e de dia, e quando ele chegava era que nem uma visita. Ele trabaiava da uma à meia-noite, depois passô da uma as três, lá não tinha horário certo. É tudo variado, não tinha horário.”

D. Jandira

“Porque ele saía trabaiá fora, quando ele chegava parava um pouquinho. E, pegava e já ia embora trabaiá. A condução vinha buscá ele pra í trabaiá. E depois comecei a trabaiá tamém. É que nem o sol e a lua, na época que eu

trabalhava na NP ele chegava eu saía, ele chegava e eu saía.” D. Jandira

[grifos nossos]

A idosa relata que encontrava pouco seu esposo, compara-o a uma visita, pois o mesmo tinha seus turnos de trabalho bastante alternados. Sua narrativa ocorre até de forma poética, dizendo que eram como “o sol e a lua”, mas retrata uma condição de frequentes

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desencontros e poucas trocas positivas. Todas as lembranças em relação à vivência do casal e o tempo que passaram juntos, quando não estão relacionadas ao trabalho estão permeadas de alguns conflitos, seja por parte do esposo, por ciúmes, controle e imposição ou, por parte da esposa, por implicância com o hábito do mesmo de frequentar bares e beber. O temor e aversão à bebida parece ter sua causa associada ou vinculada com as vivências da época em que o esposo ainda era vivo e os conflitos que existiam entre ambos. Conta ter sofrido vários episódios de violência do esposo: “[...] É, quantas vezes avançava ne mim e eu avançava nele

[...]. Enfrentava, batia brigano, por causa da pinga”. Entretanto, evidencia que não fora

passiva diante de tais agressões, enfrentando, reproduzindo e revidando as ações de violência de natureza física e/ou psicológica.

A relação da idosa com os filhos antes do adoecimento também perpassa pelas atividades de trabalho:

“Quando eles eram pequeno, a menina cresceu como quis crescê, porque eu trabaiei até, trabaiei até agora, quando pudi trabaiá. Ficava tudo sozinho em casa. Depois o meu marido começou trabaiá na S e eu fiquei em casa pra cuidá do véio [cunhado]. E eu sempre trabaiano. Eu nunca fui assim de agradá, de agradá, como a minha mãe era pra mim eu fui pros filho. Aí a filha cresceu do jeito que quis, e quis si mandá, porque só vivia sozinha. Eu trabaiava né? Eu não tive paje, paje pras crianças eu não tive.” D. Jandira

Além das várias atividades desempenhadas no decorrer da vida, D. Jandira sempre ressalta a fase do processo de cuidado com o cunhado, dando fortes indícios que esses quatorze anos como cuidadora acirrou a concorrência com os outros papéis exercidos comumente pelas mulheres, como mãe, esposa, trabalhadora dentro e fora de casa, etc. Conta que os filhos cresceram como quiseram crescer: “Ela [filha] aprendeu desde pequenina si

cuidá, saía de casa sozinha, pra escola sozinha, sempre se virou.”. Ou seja, sem

acompanhamento de perto, sem muitos agrados, coloca que apenas fora para os filhos da mesma forma que a mãe dela fora para com ela, justificando em parte sua não proximidade ou expressão de carinhos para com os filhos. Ressalta ainda a dificuldade enfrentada por não ter condições de pagar alguém (paje) para acompanhar os filhos durante os períodos de sua ausência, pois trabalhava fora.

Numa fase em que D. Jandira já estava viúva e os filhos crescidos, Jorge realiza uma comparação e paralelo das suas atividades e dinâmica de vida antes e depois do adoecimento da mãe:

“Então, final de semana a gente quase não se via, eu chegava do serviço já tinha coisa combinada pra ir no rodeio tal. Minha mãe já tinha as passagem

Resultados 98 dela com a amiga dela pra ir pro baile. E dia de semana era assim, chegava do serviço, a janta tava pronta, ela tava lavando roupa. ‘Oi mãe tudo bem?’ Aí tomava um banho, jantava, às vezes sentava na sala pra assistir televisão, às vezes não, às vezes ia pro quarto dormi. A gente não tinha muito

contato. Hoje assim, o que tá complicado hoje nessa situação de contato com ela, é essa situação da rotina de casa, ela quer conversá, ela quer. Só

que a mãe começa a conversá e ela não para mais e, se eu pará, se eu for dá atenção pra ela eu vou ficar o dia inteiro sentado escutando, aí eu não faço o serviço.” Jorge [grifos nossos]

De forma geral, durante seus depoimentos, Jorge fala que a mãe sempre teve maior apego por ele do que à irmã, ainda assim, antes do adoecimento, ele e a mãe não tinham tanto contato como têm hoje. Anteriormente havia a rotina de trabalho e cada um tinha suas atividades nos finais de semana, em que as relações sociais eram mais ampliadas, tanto para a idosa quanto para o cuidador. Hoje em dia ambos se restringem a ficar dentro de casa na maior parte do tempo, inclusive dividem o mesmo quarto. Além disso, o filho ressalta que a mãe requer muita atenção e ele tenta administrar as demandas e necessidades dela com as tarefas do lar. As atividades da casa e dos cuidados básicos, somados ao tempo e atenção exigidos pela mãe, parecem sobrecarregar o cuidador, gerando impaciência, estresse (NERI, SOMMERHALDER, 2001) e restrições nas relações sociais. Percebe-se, então, mudanças objetivas e subjetivas na relação entre mãe e filho comparando-se os períodos anterior e posterior ao adoecimento.

Após o adoecimento D. Jandira passa a ter menor contato com os familiares pela dificuldade de deslocamento, mas está atenta a tudo que acontece ao seu redor, e nesse sentido, refere certa aversão e incômodos em relação aos finais de semana:

“Final de semana não é muito bom não. [...] tem festa todo dia de sábado. Criançada, eu falo criançada, mas é os neto, os colega dos neto e os vizinho tamém. [...] o Jorge tamém bébe [...]. Eu fico em casa, fico escutano. E quando o filho vem, vem embora às vezes meio, mas o Jorge vô falá [...] Quanto defunto tivé enterrado ele desenterra pra mexê com ele, lembra tudo as coisas. De coisas passadas, fala pra gente da pessoa e fica falano. Daí eu fico com raiva, xingo, brigo e aí ele fica quieto.” D. Jandira

“No meio de semana não tem bebida, não tem, porque tudo eles trabaiam né? Trabaiam.” D. Jandira

Na configuração geral sobre suas atividades, D. Jandira refere maior preferência pelo período durante a semana por frequentar o Centro Dia, mas também pelo ambiente estar mais tranquilo, pois é quando os netos e vizinhança estão trabalhando. Nos finais de semana ocorrem churrascos organizados pelos netos, gerando grande movimento de pessoas na casa da filha que mora no fundo em mesmo terreno. Isso significa barulhos e som alto e

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consequentemente dificuldades para dormir. Algo que incomoda ainda mais a idosa é o consumo de bebidas alcoólicas, especialmente quando o filho está envolvido, existe por parte da mãe forte preocupação com o mesmo, que depois de beber acaba dando muito trabalho, necessitando de repreensões por parte da idosa.

De acordo com os depoimentos de mãe e filho até pouco antes do AVE D. Jandira ainda se encontrava ativa capinando lotes, indo a bailes e circulando pelos lugares. Entretanto, na passagem abaixo a idosa relembra o prognóstico negativo recebido no dia seguinte à ocorrência:

“[...] no outro dia quando eu acordei eu tava na UTI. Daí vortô minha cabeça traveiz, aí eu falei pra moça, ‘mas por que eu tô aqui?’ Ela falô, ‘a senhora chegô ruim, com vinte e sete de pressão, teve de ir pra UTI por causa de ameaça de infarte e deu derrame em cima’. Daí eu puxava a perna

assim e não puxava mais. Daí eu comecei a chorá, chorá. Daí deram um jeito d’eu falá com o médico e ele falou que não ia vortá mais não, e até hoje nada memo.” D. Jandira [grifos nossos]

Atualmente, após oito anos da ocorrência do AVE, ainda é possível para a idosa, desde que com auxílio, conseguir se levantar da cadeira de rodas e caminhar poucos metros. Embora transcorrido todo esse tempo do episódio e ter havido em parte recuperação da grave condição de saúde que se encontrava, a idosa ainda tem muito presente o prognóstico negativo recebido no hospital após o AVE. Talvez seja possível ponderarmos sobre o forte impacto sentido pela pessoa e seus familiares, mas certamente é muito difícil até mesmo para a própria pessoa nomear e relatar os sentimentos de tal experiência e os agravos a sua saúde.

Com o adoecimento da idosa ocorreram várias mudanças no contexto cotidiano e nas relações estabelecidas:

“E a minha mãe tava bem, normal, eu chegava em casa tava a comida

pronta pra mim, ela já tava deitadinha na cama tudo. E nesse dia ela passou mal. [...] Aí já levei ela pra UNESP, ela ficou internada [...]. Aí desse dia pra frente até hoje tá essa situação, né? Então foi de repente, de um dia pro outro, quer dizer foi um choque, né? Eu tinha muita coisa

combinada pra semana, pra outra semana, pro outro mês, viagens com os amigos, churrasco, futebol. Eu tinha combinado muita coisa e eu parei tudo, de um dia pro outro parei tudo.” Jorge [grifos nossos]

O familiar vivencia uma mistura de sentimentos e desejos, principalmente de inconformismo com a brusca mudança:

“É duma hora pra outra muda a rotina da minha vida, não é fácil, né? Eu

mudei tudo, tinha amigo, saía, eu ia viajá, eu tinha uma vida ativa, bem ativa e hoje não. Então, isso me irrita porque se eu ficá parado começa vim

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na cabeça, ‘nossa eu pudia tá fazendo o que eu fazia’ [...]. Claro, não

culpo minha mãe, porque ela não tem culpa, ela não pediu pra tá doente, mas qué dizê, mudou a situação pra mim. Isso aí me irrita, eu fico irritado,

porque eu vejo as pessoas fazendo as coisas e eu não posso fazê. Então qué

dizê, eu vivo procurando coisas pra podê colocá nesse tempo que eu vou ficá parado, né?” Jorge [grifos nossos]

Na atual situação o filho fica impedido de realizar as atividades de outrora, assim, sente-se muito irritado por ver as outras pessoas realizando atividades e ele numa condição impeditiva de concretizar suas vontades e necessidades (NERI, SOMMERHALDER, 2001). A estratégia utilizada atualmente é tentar se ocupar e não ficar parado, ou seja, a todo o momento busca inventar coisas para fazer e não ficar pensando ou lembrando-se do que desejaria fazer. Embora a atividade de cuidado possa ter tomado espaço de atividade principal para o cuidador, ele considera que antes era muito ativo e hoje não é. Ou seja, apesar de ser fundamental e importante que execute tal atividade de cuidado, esta não possibilita o grau de satisfação, diversão e lazer que nas atividades anteriores se concretizava. Apesar da indignação com a situação existe certo entrave e imobilização do cuidador a ficar restrito ao processo de cuidado e às atividades domiciliares.

O filho retrata o impacto repentino que sentiu sobre a anulação das suas atividades e planos da rotina pessoal quando assume os cuidados e as tarefas relacionadas ao domicílio. Assim, para o filho decorre a princípio uma inversão de papéis:

“[...] eu não me sinto filho mais não, cê qué sabê. Porque eu fui filho

enquanto minha mãe cuidava de mim, me levava no banheiro, me dava banho, me curava quando tava doente, passava remédio ne mim, tal, tal. Hoje eu faço tudo isso pra ela e como eu sei que minha mãe, ela é dependente de mim, por isso que eu tô ali óh, não confio mais em ninguém, porque eu sei, minha mãe depende de mim. [...] Então o que eu falo, tem de tá ali, então eu me sinto pai e mãe dela.” Jorge

“Eu acho que ela é o meu esteio e eu sou o esteio dela agora. Viu é uma

coisa complicada de explicá porque, nossa se vê é mãe, mas ao mesmo tempo já não é mais, e é uma criança né? E assim, eu me sinto o protetor dela, mas eu me sinto protegido por ela.” Jorge [grifos nossos]

Anteriormente, era a mãe quem cuidava do filho, da organização do lar, que preparava a comida, lavava a roupa, etc., entretanto, após o AVE ela passa a ser cuidada e o filho torna- se responsável pela dinâmica domiciliar. Jorge tenta expor algo que para ele é difícil de explicar, pois embora a mãe esteja dependente e ele tenha que administrar a casa e os cuidados, se sente protegido pela mãe ao mesmo tempo em que sabe que a protege nos momentos de fragilidade. Nesse sentido, mesmo que a mãe esteja na condição de dependência

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e sob os seus cuidados por vários anos, ela ainda é o seu esteio e tê-la por perto o faz se sentir mais seguro.

É difícil conceber na lógica do pensamento formal que os papeis transitam, se invertem e revertem na dinâmica cotidiana por meio de várias trocas singulares entre mãe e filho. Em seus relatos verifica-se certa confusão e dúvida, porém a partir de um longo tempo