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3. DESENHO METODOLÓGICO

3.2 P ROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.2.3 Análise de dados

Esse material empírico coletado foi analisado através de dois eixos: o primeiro deles é uma análise de enquadramento do acontecimento impeachment pelas duas revistas; o

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segundo eixo é a análise das representações construídas dos dois sujeitos políticos que participam da construção de suas imagens públicas. Daremos sequência ao capítulo, explorando o desenho dessas duas operacionalizações utilizadas.

a) Análise de enquadramento

Lembrando que a imagem pública é contextual – afinal, “o contexto e as circunstâncias […] podem mudar constantemente, gerando novas condições interpretativas, ou seja, novas imagens” (GOMES, 2004, p.258) –, iniciaremos nossa análise através do acontecimento que situa as imagens públicas que nos interessam. Classificar o impeachment como acontecimento pressupõe que ele constrói uma narrativa, é composto por personagens, aconteceu no presente, mas tem passado – onde estão algumas “causas”, condições explicativas – e futuro – onde encontramos desdobramentos e reverberações. Não é a sociedade que explica o acontecimento, mas é o acontecimento que traz em si a fonte de sua compreensão: “O acontecimento, quando da sua irrupção no cotidiano, faz emergir sentidos, discursos e simbolizações na busca de compreendê-lo, defini-lo, apreendê-lo e narrá-lo.” (FRANÇA; LOPES, 2016, p.6).

Dessa forma, nosso primeiro eixo é uma análise de enquadramento do impeachment nas duas revistas. A partir da perspectiva goffmaniana, olharemos para como as duas revistas respondem ao questionamento “o que está acontecendo aqui?” e posicionam Dilma e Michel nesse ambiente. Goffman chama esse posicionamento de footing:

Footing é a expressão usada por Goffman para nomear o posicionamento dos sujeitos em determinada situação. Uma transformação nessa postura implicará alterações no modo como a situação em questão é definida. Assim, os footings e os enquadramentos são dinâmicos e discursivos e devem ser apreendidos e compreendidos a partir da situação em que a interlocução entre os sujeitos ocorre (MENDONÇA; SIMÕES, 2012, p.190).

Para alcançarmos a construção da imagem pública das duas figuras escolhidas, é preciso entender como o acontecimento foi enquadrado pelos dois veículos – Carta Capital e Veja. O enquadramento funciona, na perspectiva que adotamos, como um grande quadro de sentido, revelador de um simbólico compartilhado pelas pessoas. Os quadros não são individuais, não estão na “mente” de cada um(a), eles são estruturas de pensamento que organizam e classificam, de certa forma, a realidade, o mundo, os acontecimentos, a vida.

Indagar “o que está acontecendo aqui?” é tentar captar como os veículos acionaram os quadros de sentido nas matérias. As escolhas editoriais, de diagramação, fotos,

texto, chamada são também políticas e, em conjunto, conformam as matérias que analisamos. Não é uma análise desses elementos, mas a tentativa de entender como o acontecimento aparece nas duas revistas e é nomeado, narrado e enquadrado.

O conceito de enquadramento é utilizado por diferentes perspectivas nas ciências sociais e na comunicação. Sua origem remonta ao texto “Uma teoria sobre brincadeira e fantasia” (2002), de Gregory Bateson, que cunhou o termo “enquadre” para compreender patologias de ordem psicológica e as relações entre paciente e psicólogo durante atendimento clínico (MENDONÇA; SIMÕES, p. 188-189). Erving Goffman (2012), em sua obra “Os quadros da experiência social: uma experiência de análise”, expande a perspectiva de Bateson (articulando outros teóricos) para desenvolver as análises microssociológicas pelas quais ficou conhecido:

Seu foco incide sobre as pequenas interações cotidianas que organizam a experiência dos sujeitos no mundo, os quais se deparam, em toda situação, com a questão: “O que está acontecendo aqui?”. Para o autor, o enquadramento é justamente o que permite responder a essa indagação (MENDONÇA; SIMÕES, p. 189).

A utilização que vem sendo desenvolvida nas pesquisas em comunicação do Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade, o GRIS45, segue, principalmente, a linha de Goffman, uma análise que tenta desvendar o que está se passando naquelas situações analisadas. Filiando-nos a essa operacionalização, tentaremos evidenciar: “o formato ou a proposta da relação, que se superpõe e negocia com o conteúdo tratado nas interações, respondendo [...] pela significação final produzida na interação” (FRANÇA; SILVA; VAZ, 2014, p.85).46

Essa análise inicial servirá de base para o segundo eixo desenvolvido na dissertação: análise das representações de Dilma Rousseff e Michel Temer em ambas as revistas.

b) Análise de representações

45 O Gris, grupo de pesquisa do qual faço parte, é reconhecido por tratar de pesquisas sobre sociabilidade e representações e acontecimento, especialmente temas ligados ao popular, às celebridades, valores e normas. Para mais informações, consulte: <www.fafich.ufmg.br/gris>

46 Existem outras maneiras de se operacionalizar esse conceito, por exemplo, fazendo uma análise de conteúdo discursivo do material, “voltando-se para os modos como os discursos enquadram a realidade. A noção de enquadramento é tomada como estrutura que orienta a percepção da realidade” (FRANÇA, SILVA, VAZ, 2014, p.84) ou analisando os efeitos estratégicos dos enquadramentos no jornalismo (perspectiva chamada frame effects) – como discutido por Mendonça e Simões (2012).

Alguns aspectos da origem do conceito de imagem pública e suas relações com o conceito de representação foram desenvolvidos no capítulo anterior. Nesta seção, explicitaremos como este termo imagem pública será usado como operador na análise do corpus a fim de responder nossa pergunta de pesquisa. Desenvolvemos uma grade analítica a partir de eixos propostos por Gomes em seu capítulo Política de Imagem:

São basicamente três os materiais com que se lida na engenharia de imagens públicas: mensagens, fatos e configurações significativas. Em outros termos, forma-se a imagem de alguém a partir do que ele diz ou do que é dito sobre ele, do que ele faz, da sua capacidade reconhecida de fazer e do que dele é feito e, enfim, a partir do modo como ele se apresenta: roupas, embalagens,

design, arquitetura, logo, símbolos, emblemas, posturas corporais, aparência exterior (GOMES, 2004, p. 268).

Pensando em captar os modos de ser e de portar de Dilma e Michel, buscamos também apreender os papeis sociais atribuídos a ambos, bem como os valores e características que se destacam em cada um no processo de impeachment. Isso é apreendido a partir das redes de sentido construídas pelas revistas. Assim, a grade analítica que orienta esta investigação é composta por três eixos articulados:

a. Ações e discursos de Dilma Rousseff e Michel Temer: a presidenta e o presidente em foco47

Nesse eixo, procuramos perceber: como Dilma se posiciona? Como ela fala de si mesma nesse processo? Que ações ela destaca nesse posicionamento? Como Michel se posiciona e fala de si mesmo? Que ações ele destaca?

b. Ações e discursos de Dilma Rousseff e Michel Temer: um olhar de outros agentes sobre ambos

Nesse eixo, destacamos os discursos e as ações de Rousseff e Temer na perspectiva de outros sujeitos. Como ela é posicionada e construída por outros agentes nos textos das revistas? Que ações são destacadas por tais agentes na trajetória dela? Como ele é posicionado e construído por esses agentes? Que ações são destacados na trajetória do vice?

c. Valores, papéis sociais e a inserção no contexto social

47 Destacamos que as ações e discursos a que temos acesso já são mediados pelos dois veículos. Não é uma análise dos discursos face a face, ou entrevista. Os veículos já concebem um viés, de certa forma, ao escolher que pontos vão enfatizar, quais trechos publicar. De qualquer forma, ainda que limitado por tal viés, acreditamos que esse material revela traços dos posicionamentos assumidos pelas figuras públicas aqui analisadas.

Tendo em vista a análise nos dois primeiros eixos, procuramos aqui resgatar quais são os valores que se destacam na construção das representações que edificam uma imagem pública de Dilma e Michel – bem como os papéis sociais atribuídos a ela e a ele. A partir disso, como refletir sobre tais imagens no contexto social contemporâneo? Ou seja, o que as redes de sentido em torno de ambos podem revelar acerca da sociedade brasileira?

Acreditamos que essa grade nos permitiu apreender traços configuradores das imagens públicas dos sujeitos analisados que se destacaram nas representações construídas por Veja e Carta Capital. No próximo capítulo da dissertação, realizaremos a análise dos dados através dos eixos apresentados nesta seção.