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4. ANÁLISE

4.2 A NÁLISE DA IMAGEM PÚBLICA DE D ILMA R OUSSEFF

4.2.2 Dilma Rousseff por outras pessoas

4.2.2 Dilma Rousseff por outras pessoas

No segundo eixo de análise, saímos dos discursos e ações disponíveis nos veículos sobre Dilma e observamos como outras pessoas falam e posicionam a ex-presidenta.

92 PEREIRA, BROZATTO, Veja, 07 de setembro de 2016, p.53.

Em dezembro de 2015, momento em que o impeachment vira pauta mais frequente dos meios de comunicação devido à abertura do processo, Dilma sofre com promessas de campanhas não cumpridas feitas durante a campanha para a reeleição em 2014. Essa postura gera desconfiança da população, e dos próprios opositores que reforçam esse descompasso entre a campanha e o que foi realizado um ano depois.

Percebi que o discurso de campanha da presidente Dilma Rousseff foi um e a realidade dos fatos se revelou outra [Paulo Paim]94

[...] as promessas da presidenta andam com cotação negativa desde a montanha de ilusões que ela vendeu à população na eleição de 2014.95

Os trechos acima revelam uma decepção com o governo do segundo mandato de Dilma, que também aparece em compilação de textos para entender o impeachment e a crise política96: “As origens da crise mostram, entretanto, um quadro muito mais complexo, que começou quando o governo – assim que fechou as urnas da reeleição, em 27 de outubro de 2014 – abandonou suas promessas de campanha e adotou o programa de seu oponente, Aécio” (JINKINGS, 2016, p.12). Os trechos seguintes mostram que esse posicionamento é comum nas duas revistas:

É o mesmo governo que ficou durante a campanha eleitoral inteira de 2014 dizendo que tudo estava bem na economia [...] e, assim que ganhou o segundo turno, passou a reconhecer a gravidade da situação e a necessidade de cortar gastos.97

O maior pecado, contudo, foi mal interpretar sua vitória. Parece que a entendeu como um cheque em branco, que lhe permitia fazer tudo aquilo que achasse necessário, sem ter de justificar seus atos. [...] Nunca disse que país queria construir e não convidou as pessoas a participar da construção98

Essa análise sobre a vitória apertada de Dilma revela outro lado da disputa pelo jogo de imagem que acontece na política: a disputa por projetos de poder. Os votos foram em favor de uma continuidade de um projeto político social, ainda que pesassem críticas ao governo Dilma de ambos os lados – situação e oposição. Essa mudança na ordem do jogo

94 Entrevista Paulo Paim. BONIN, R. Veja, 16 de dezembro de 2015, p.20.

95 SAKATE, Veja, 30 de dezembro de 2015, p.34.

96 O livro, publicado em 2016, contém 25 ensaios e é intitulado: Por que gritamos golpe? (Editora Leya).

97 SAKATE, Veja, 30 de dezembro de 2015, p36.

revelou-se em: “O fato é que há uma crise profunda de falta de credibilidade”99 e fez comparações entre Dilma e Collor surgirem:

Um ponto em comum nas trajetórias de Collor e Dilma: eles foram eleitos sustentando promessas que não entregaram. [...] Dilma criticou o adversário de ser partidário do ajuste fiscal na solução dos problemas econômicos [...] ao contrário do que a presidente faria em seu segundo governo, se reeleita. A realidade desmistificou a demagogia eleitoral. Se não for o impeachment, o que mais deve proteger o eleitor?”[Leitor]100

Esse discurso, como visto acima, é frequente e faz parte da composição da imagem de Dilma, o de “prometer e não cumprir”. Há uma certa decepção com as promessas de campanha e a realidade do segundo mandato, o que pode justificar a adesão de muitos ao impeachment. Ao mesmo tempo, há os que resistem a atrelar ao impedimento um desempenho ruim do Governo:

Votei em Dilma pelo projeto político que, por justiça social, confronto às opressões de cor, classe e gênero em um país dilacerado por desigualdades. Dilma não é o arquétipo de líder que eu imagino, mas não admito que queiram personificá-la como o diabo. Atacada diariamente na mídia, não é culpada por todas as mazelas enraizadas na história. Nem o PT. Deixem de maniqueísmo, vilanização e endeusamento. [...] Em vez de esgoelar pelo impedimento de um, clamemos por uma reforma política para todos.”101

Ao mesmo tempo, Dilma é construída como uma mulher forte e séria pelos pares e pelas suas falas. A ex-ministra Kátia Abreu diz ter um “fraco por mulheres fortes” e “uma identificação grande com a Dilma, inclusive na braveza. Nós somos bem parecidas, da mesma estirpe”102. E o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, diz que “pessoalmente tem uma impressão de seriedade’ de Dilma. Mas martela ser preciso ‘investigar, investigar, investigar’[a presidenta]”.103 O primeiro mandato de Dilma foi bom para a reputação da ex-presidenta e trouxe elogios a sua forma de governar. “Além de competente, seria esperta. [...] Em março de 2013, a presidente bateu recorde de popularidade.”104

As críticas ao governo são marcadas por críticas à própria Dilma através de vários adjetivos e formas de agir. A força, às vezes, é vista como arrogância e não reconhecimento

99 SAKATE, Veja, 30 de dezembro de 2015, p35.

100 Leitor. BRITTO, G. Veja, 16 de dezembro de 2015, p.40.

101 Cartas capitais, ALMEIDA. Carta Capital, 16 de dezembro de 2015, p.8.

102 OYAMA, 07 de setembro de 2016, p.17.

103 BARROCAL, Carta capital, 13 de janeiro de 2016, p.21

dos seus erros: “A presidente Dilma, entretanto, custa a dar o braço a torcer”105 e “Dilma, cuja dificuldade para reconhecer os próprios erros tem contornos patológicos”106. Mas também aparece sob a forma de bravura: vista como uma pessoa que tem “coragem que soube demonstrar em situações adversas”107 que é reconhecida por Cristovam Buarque como “uma mulher honesta, [a quem ele] lhe merece muita simpatia”108. O assessor de Dilma confirma: “Governo, aprendi, é para fortes. E mais do que ninguém Dilma Rousseff demonstrou sua fortaleza diante das tempestades que atravessou” (ALMEIDA, 2016, p.11). O que vemos e o que deixamos de ver da personalidade de figuras públicas é um jogo, o jogo da imagem pública (GOMES, 2004) e demonstra como os sujeitos são mais do que as representações conferidas a eles, pois essas representações, apesar de compartilhadas, dizem muito de onde vêm.

As críticas à forma de governar de Dilma falam de sua segurança e seu poder de mando: “Entre os muitos enganos que a presidente Dilma cometeu desde que subiu pela primeira vez a rampa do Palácio do Planalto, um foi definitivo para selar seu destino. Dilma sempre teve certeza demais.”109; “Tendo ocupado cargos gerenciais na maior parte da vida, aprendeu sobretudo a mandar”110. O isolamento da presidente, sua inépcia pessoal e a inoperância do governo também são destacados111:

A ameaça concreta de cassação da presidenta não se explica apenas pelo antipetismo alastrado na sociedade. Há grande animosidade no Congresso contra a mandatária. ‘Dilma sempre foi arredia ao contato com parlamentares e nunca delegou. A articulação política ruiu e deu margem a toda sorte de ressentimentos’, diz o cientista político Antonio Augusto de Queiroz [...]. Segundo ele, tanto Dilma quanto Cunha ‘são, em certa medida, arrogantes’, mas o presidente da Câmara tem uma vantagem. Sabe retribuir os aliados. ‘Não à toa o processo de impeachment será votado antes da cassação de Cunha, contra o qual pesam gravíssimas denúncias’.112

E uma presidente incompetente, arrogante, ancorada num partido sob cuja batuta orquestrou-se o maior esquema de corrupção já desvendado no país [...]113

As críticas à ex-presidenta são comentadas pelo seu ex-assessor Rodrigo de Almeida: “Sobre ela sempre pairou um conjunto enorme de críticas – algumas justificáveis,

105 GUANDALINI, G; SAKATE, M. Veja, 16 de dezembro de 2015, p.63.

106Veja, 18 de maio de 2016, p.86.

107 CARTA, Carta Capital, 07 de setembro de 2016, p.18.

108 CARTA, Carta Capital, 07 de setembro de 2016, p.18.

109 OYAMA, Veja, 11 de maio de 2016, p.51.

110 OYAMA, Veja, 11 de maio de 2016, p.52.

111 TOLEDO, Veja, 16 de março de 2016, p.98.

112 BARROCAL, CartaCapital, 30 de março de 2016, p.18.

outras puro mito [...]. pude constatar de perto o tamanho do preconceito existente sobre uma líder mulher” (ALMEIDA, 2016, p.11). Ele sugere que uma parte dos adjetivos duramente empregados contra a política advém do fato de ela ser uma mulher em cargo tradicionalmente masculino. E de não se encaixar no esperado das características femininas apesar de suas ações serem avaliadas em vistas do que seria adequado aos ideais de mulher e características naturalizadas como femininas (delicadeza, maleabilidade). A fala de José Eduardo Cardozo marca essa posição durante o julgamento ao dizer “Mulheres íntegras podem ser duras. Quando essas mulheres se igualam aos homens, são autoritárias. Não atinjam a honra de uma mulher digna. Disseram que ela tomava remédios para desqualificá-la”114. E ele completa que “Dilma foi discriminada por ser mulher, e os crimes pelos quais é acusada também foram cometidos pelos ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso.”115 Uma carta dirigida à Dilma e disponibilizada online no site da Carta Capital também reforça esse posicionamento:

Eu vivi para ver o Estado Democrático de Direito sucumbir aos pés de uma grandiosa mulher. Altiva e forte. A mesma fortaleza e energia que a rodeava lá atrás em seu julgamento na Ditadura. [...] Olhe bem pra você, olhe bem pra tudo o que nós, mulheres, podemos ser após o seu mandato. Todas as relações se alteram porque uma Senhora ousou ser Presidenta. E isso incomoda, é perturbador vê-la no poder. 116

A denúncia do processo do impeachment ser marcado pela disputa de gênero também fica explícita na fala de um indígena:

Sobre esse negócio da política, o que eu consegui perceber é que aqueles que estão lá no poder querem mudar tudo. Primeiro, queriam a Dilma afastada. Depois, os homens, principalmente só os homens que querem estar em cima das mulheres, eles querem mudar tudo. Isso eu também percebi lá. Até a Constituição de 1988, eles querem mudar. Não sei porque eles querem mudar tudo: tirando a presidenta, eles querem mudar a lei.117

Há esse posicionamento, mas também sempre outros, como o de Janaína Paschoal que “diz ter sofrido mais por Dilma ser mulher”, mas “que da mesma forma que ninguém pode ser perseguido por ser mulher, ninguém pode ser ‘protegido por ser mulher’”118.

Além dessa questão de gênero, que aparece como uma marca importante na construção das representações de Dilma, emerge também a dificuldade de dialogar como

114 BARROCAL, Carta Capital, 07 de setembro de 2016, p.20.

115 BARROCAL, Carta Capital, 07 de setembro de 2016, p.20.

116 COLPA, Carta Capital, 01 de setembro de 2016, online.

117 MILANEZ, Carta Capital,07 de setembro de 2016.

outra característica alardeada sobre a ex-presidenta. Não só nas matérias que falam sobre Dilma, mas nas falas dos/as entrevistados/as e dos/as leitores/as.

Conheço a Dilma há pelo menos trinta anos. Tenho carinho por ela, mas reconheço que é difícil no diálogo, na conversação e na política. Política é uma arte. Você pode até dizer não, mas explica por que disse não. Ela, por exemplo, acabou de vetar alguns projetos meus e nem sequer me chamou para uma conversa [Paulo Paim].119

Essa dificuldade de diálogo atribuída a Dilma foi reconhecida por ela mesma durante o interrogatório no Senado, ao responder Ernandes Amorim, do PSC/Sergipe: “O senhor receba as minhas desculpas por não ter atendido às suas expectativas quanto ao diálogo”120. E pode ser vista como um entrave à construção do jogo político e à própria democracia – e vem sendo percebida em diferentes interações em nossa sociedade. Afinal, o que vimos nos últimos anos de polarização política foi um acirramento dos debates e das posições ao nível do isolamento entre diferentes. Um perigo aos ideias democráticos, segundo comenta Simões: “Ao mesmo tempo em que há uma valorização da liberdade de falar e de se expressar [...], há uma indisposição na escuta aos posicionamentos dos outros – o que dificulta a própria construção de uma sociedade democrática” (SIMÕES, 2016, p.87). A necessidade de abertura do diálogo não é só fundamento para o bom fazer político, nas negociações diárias, mas é o que garante as bases de uma democracia saudável, como retomado por Mendonça (2012) ao explorar as ideais de uma democracia radical proposta por John Dewey: “O projeto democrático consolida-se no esforço coletivo por entender as consequências comuns de interações sociais e por fazer escolhas políticas para lidar com elas” (MENDONÇA, 2012, p.124).

O que vemos nos trechos seguintes é essa visão de um diálogo impossibilitado entre Dilma e seus pares:

Ela está rodeada por aduladores e apoiadores que têm medo de dizer a verdade. Talvez isso seja culpa dela, que reage mal ao que lhe é dito. O fato é que a presidente não é capaz de apresentar ao Brasil uma agenda para o futuro. [...] Como achava que a Dilma nem iria nos ouvir, levei uma carta [Cristovam Buarque].121

[...] tudo o que ouvi a respeito da ‘desempregada’ Dilma Rousseff é que ela é uma pessoa de difícil convívio, autoritária, dona da própria verdade. Kátia [Abreu] quer transmitir que a ex-presidente não é nada disso, que foi vítima...” [Leitor]122

119 Entrevista Paulo Paim. BONIN, R. Veja, 16 de dezembro de 2015, p.21.

120 BARROCAL, Carta Capital, 07 de setembro de 2016, p.25.

121 BONIN, Veja, 20 de janeiro de 2016, p.13.

A falta de credibilidade do governo e de Dilma é outro dos fatores que permeiam a narrativa do impeachment: “como sabe ser culpada, prefere repetir a mentirosa ladainha do voto popular, e desiste de trabalhar para salvar o pouco de credibilidade que lhe resta”123 e “A presidente Dilma já não consegue inspirar credibilidade. [...] A saída para ela? Um pacto de união suprapartidária, o que é por enquanto algo remoto, ou a renúncia, que não bate com o temperamento da presidente. Aguentaremos três anos nesta cadência”124.

O escritor Gregório Duvivier discute o temperamento da presidenta em entrevista à Carta Capital, lamentando que sua defesa tenho sido digna, mas sem agressividade: “Mas esse não é o estilo dela. Preferiu responder uma a uma a todas as perguntas, mesmo aquelas vindas de notórios bandidos, por 14 horas seguidas. Ela caiu de pé, mas eu preferiria que caísse com uma metralhadora giratória”125.

O discurso da força não é único, existe também o que diz que Dilma é uma presidenta fraca126:

Faz tempo que Dilma Rousseff não tem base parlamentar, apoio popular nem capacidade para recuperar as finanças do país. Faz tempo também que ela terceirizou a tarefa de governar - para Lula, na política, e para Joaquim Levy, na economia. A fragilidade da presidente, que tem o poder de direito mas o exerce cada vez menos na prática, paralisou a máquina pública, interditou o debate político e acentuou a crise econômica. 127

Com o processo de impedimento avançando, o isolamento da presidenta ficou cada vez mais evidente, mas ela seguiu tendo apoio de uma parte da sociedade que entendia que o impeachment não era o ideal: “Não sou a favor do governo como está, mas sou contra o impeachment, que é uma medida para tirar criminosos da Presidência. E isso a Dilma, ao contrário do Collor, não é.”128 Enquanto outra parte já tinha se convencido da culpa da então presidenta: “Outro pilar da defesa de Dilma que desaba é o próprio mantra da mulher incorruptível.”129

Nas falas de outros agentes sobre Dilma aqui destacadas, percebemos que a queda da presidenta é símbolo de um governo com muitos problemas, decorrente das várias crises, da falta de governabilidade, em uma sociedade polarizada e insatisfeita, como a coluna de

123 Leitor. OLIVEIRA, Veja, 16 de dezembro de 2015, p.36.

124 Leitor. FREIRE, Veja, 23 de dezembro de 2015, p.36.

125 CARTA; BEIRÃO, 07 de setembro de 2016, p.38.

126 PEREIRA, Veja, 16 de março de 2016, p.45.

127 PEREIRA, Veja, 16 de dezembro de 2015, p.70.

128 Cartas capitais, BERNDT, Carta Capital, 23 de dezembro de 2015, p.6.

Roberto Toledo explora em setembro: “Dilma mereceu cair, mas seu processo nos lega uma mancha. Eis o paradoxo que pelos anos vindouros assombrará esta página da história do Brasil”130.

É um retrato que combina perfeitamente com um governo em ruínas. Dilma deixa a mais demorada recessão que economia do Brasil já conheceu, 11 milhões de desempregados e uma destruição sem paralelo no patrimônio público [...]. Combina, sobretudo, com aquilo que esse governo realmente foi - uma minoria.131