Parte II – ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS INDIVÍDUOS COM
4. Análise e discussão dos resultados
4.1. Análise descritiva dos dados da fase 1 Entrevistas
As entrevistas foram efetuadas a seis indivíduos: três mulheres e três homens, de idades compreendidas entre os setenta e os noventa e dois anos.
A entrevista foi conduzida através de um guião semiestruturado, aplicado a seis indivíduos selecionados por conveniência, conhecidos e familiares de amigos, com vista a recolher informação para a construção do questionário principal.
Antes da realização de cada entrevista, informaram-se os entrevistados acerca dos objetivos do estudo que se pretendia realizar e da garantia de anonimato, o que permitiu criar um vínculo de confiança, procurando-se deste modo, não só uma maior abertura à temática por parte dos entrevistados, como uma garantia acrescida de obtenção de dados fidedignos para a investigação. Os entrevistados deram o seu consentimento informado para participar na investigação. Deste modo, foi atribuído a cada entrevistado um código formado pela letra E seguida de um número de identificação.
As entrevistas duraram, em média, uma hora e, em geral, os entrevistados reagiram de forma positiva às questões colocadas.
Após a realização das entrevistas o seu conteúdo foi analisado de forma descritiva, seguindo-se os procedimentos básicos da análise temática de conteúdo (Miles e Huberman 1994). Desta forma, procedeu-se à sinopse64 das entrevistas através da
64 “As sinopses são sínteses dos discursos que contêm a mensagem essencial da entrevista e são fiéis, inclusive, na
construção de uma grelha65 na qual foram inseridos os dados com vista à posterior
identificação de categorias.
Cinco dos seis entrevistados referiram pertencer à classe média, e o restante não se definiu a tal propósito. No que respeita às habilitações literárias, a amostra é muito heterógena: dois entrevistados dizem ter o ensino primário, outros dois dizem possuir uma licenciatura e os restantes possuem estudos do ensino secundário e de bacharelato.
No que respeita à participação política, ao serem questionados sobre a frequência da sua participação eleitoral, a maioria afirma votar sempre:
“Sempre votei, mesmo no tempo do Fascismo onde era obrigada a votar, mas agora faço-o com convicção.(…) A minha participação manifesta-se essencialmente através do voto. Sempre votei. Na minha juventude como agora sempre votei” (E1).
Um outro questionado diz votar regularmente:
“Voto normalmente em todas as eleições, só nas Autárquicas é que depende do candidato.” (E2).
Quando questionados sobre «que outras formas de participação política conhecem?», as manifestações são mencionadas pela grande maioria dos entrevistados. Os debates e os foruns de discussão são igualmente uma forma que afirmam conhecer. Veja-se o Quadro nº8.
Quadro 8 - Outras formas de participação política que conhece Formas de PP Nº de menções Manifestações 5 Greves 2 Debates/Foruns de discussão 4 .Debates públicos 2 .Tertúlias 1 .Democracia participativa 1 Participação social 3 Participação em associações/org. cívicas 2 voluntariado 1
Aquisição de produtos nacionais 1
Fonte: Elaboração própria
Quadro 9 - Outras formas de participação política que exerce atualmente
Formas de PP Nº de menções Manifestações 1 Debates/Foruns de discussão 2 Conversas 1 Seminários/Jornadas 1 Participação social 2 Participação cívica 1 Voluntariado 1 Comícios 1
Aquisição de produtos nacionais 1
Fonte: Elaboração própria
Contudo, apesar das manifestações serem a outra forma de participação política mais mencionada, apenas um dos entrevistados diz exercer esta forma de participação política. Os outros entrevistados parecem rejeitar esta forma de participar politicamente:
“…Não participo porque não vejo necessidade em o fazer. Não gosto de confusões” (E5).
Parece assim, com base nos testemunhos verbais dos sujeitos entrevistados, que a forma como exercem a sua participação política se expressa essencialmente num plano individual e através do voto. Metade dos sujeitos entrevistados não pratica todas as outras formas de participação política que afirma conhecer (consultar grelha de análise, (anexo IV). A participação política fica assim praticamente restringida ao processo eleitoral.
De modo a tentar-se esclarecer um pouco melhor as razões para a prevalência do modelo de participação política suprarreferido, optou-se ainda por destacar os fatores que, no entender dos entrevistados podem dificultar ou facilitar a participação política. Deste modo, os quadros nº10 e nº11, apresentam de forma detalhada o teor das respostas obtidas.
Quadro 10 - Fatores que dificultam a participação política
Fatores Nº de menções
Escassez de capital funcional66 8 Falta de saúde 4
Idade avançada 3
Mobilidade dificultada 1
Escassez de capital financeiro 2
Falta de dinheiro 2
Escassez de capital cultural 2
Iliteracia 2
Inexistência de disposições 3
Falta de hábito 1
Falta de interesse 1
Falta de cultura cívica 1 Ausência de promoção por parte
do Estado 1
Fonte: Elaboração própria
A escassez de capital funcional é o mais mencionado pelos entrevistados, particularmente no que se refere:
À saúde:
“Acho que as pessoas que não têm saúde, não podem sair para votar”. (E3); “… os outros podem não ir porque já não têm saúde, já não conseguem sair de casa, não têm quem os leve.” (E5).
À idade:
“…por terem essas idades são um pouco postos à margem, normalmente é assim que se sentem e por isso se desinteressam” (E1).
66 Capital funcional refere-se a recursos em termos de saúde física e mental, bem como a outros recursos essenciais para a manutenção de uma vida quotidiana independente (capacidade para a realização de actividades básicas da vida quotidiana).
Quadro 11 - Fatores facilitadores da participação política
Fatores Nº de menções
Capital cultural 2
Ter estudos e conhecimentos 1
Experiência e cultura acumulada 1
Apoios públicos 3
Sessões de esclarecimento 1
Facilitação da mobilidade 2
Existência de disposições 1
Gosto e interesse pela política 1
Participação na Igreja 1
Envolvimento nas atividades da Igreja 1
Egoísmo 1
Interesse a defender 1
Integração Social 3
Consciência de pertença à comunidade 1
Fazer parte da comunidade e
colaborarem 1
Convívio 1
Fonte: Elaboração própria
A integração social, como fator facilitador da participação política, é dos mais mencionados:
“Para que haja participação é necessário que a pessoa se sinta integrada.” (E1); “As pessoas sentem-se envolvidas e isso é importante.” (E4);
“A participação política, antes de mais, depende de uma coisa básica, que é a consciência de pertença à comunidade.” (E6).
É importante ainda sublinhar, que, relativamente aos apoios públicos mencionados, parece existir a ideia de que o Estado não é muito sensível às dificuldades que os idosos enfrentam para poderem exercer a participação política. Parece assim existir uma visão muito paternalista do Estado:
“Na minha opinião cabe ao Estado criar condições para essas pessoas poderem exercer um direito que é consagrado na Constituição.” (E1);
“Parece que o Estado só tem em mente políticas para a juventude, esquecendo os mais velhos. (…) Toda esta conjuntura desmotiva, digamos, dificulta os mais velhos a participar.” (E4).
Quadro 12 - Motivo de opção da forma de participação
Motivo Nº de menções
Capital funcional 6
Idade avançada 3 Condição económica estável 1 Condições de vida desfavoráveis 1 Maneira de ser 1
Grau de eficácia 1
Condição social Sacerdócio 1
Fonte: Elaboração própria
O capital funcional parece estar na origem de determinado comportamento político e, particularmente no que se refere à idade, motivo mais mencionado, da opção por determinada forma de participação.
É interessante referir ainda que uma maioria considerável dos entrevistados pareceu reproduzir um sentimento de marginalização face à Sociedade e em particular ao processo de participação política, tendo reproduzido uma conceção política elitizada com exclusão dos mais velhos:
“Temos uma Sociedade que em parte é desfavorável aos mais velhos. Sinto que nesta Sociedade os velhos não têm lugar” (E1);
“A ideia de pôr as pessoas na prateleira, a partir de determinada idade, digamos assim, é fruto da organização da Sociedade impelida pelo Estado. As pessoas têm sempre validade.” (E4);
“Agora estamos velhos, já não podemos fazer muito.” “Deveriam tratar melhor os velhos, isso sim!” (E2).
Um outro aspeto da participação política que ressaltou das entrevistas realizadas, é o da conotação política decorrente do posicionamento dos indivíduos perante o voto. Consulte-seo Quadro nº 13,infra.
Quadro 13 - Voto: Direito ou Dever?
Fonte: Elaboração própria
Há uma associação clara entre o posicionamento ideológico dos entrevistados e a forma como encaram o voto. Mesmo tendo presente o reduzido número de entrevistados, aspeto que naturalmente impede o estabelecimento de conclusões definitivas e seguras sobre a questão, não deixa de ser interessante constatar que os indivíduos posicionados à Direita encaram o voto como um dever cívico, ao passo que os que se identificam com a Esquerda perspetivam-no não apenas como um direito mas também como um dever:
“Direito porque temos o direito de decidir, dever porque se não votarmos outras pessoas irão decidir por nós.” (E2);
“Antes de mais é um dever, o dever de exercer esse direito” (E4);
“Um direito que temos e um dever de o exercer” (E5).
Já quanto à relação entre a existência/ausência de socialização política e o posicionamento perante o voto, não parece existir qualquer padrão de comportamento identificável.
Será sempre importante sublinhar a relevância que as respostas apuradas nas entrevistas assumiram na conceção e desenvolvimento do Inquérito. Não obstante o papel inspirador que o European Social Survey assumiu no contexto desta tarefa, algumas respostas extraídas das entrevistas efetuadas deram origem à introdução de algumas nuances no corpo do Inquérito.
A título de exemplo:
Direito Dever Ambos
1 X 2 X 3 X 4 X 5 X 6 X Voto Socialização Política Primária/Secundária Sim Posicionamento Ideológico Direita Não Não Não Sim Esquerda Direita Direita Esquerda
- A informação obtida a partir das respostas fornecidas pelos entrevistados à questão 7 (fatores que facilitam e dificultam a participação política), Quadros nº10 e 11, motivou a inserção no corpo do Questionário de algumas perguntas relacionadas com tal aspeto da participação política;
- O tema da Exclusão Social, que emergiu espontaneamente através das respostas de alguns entrevistados que sublinharam a sua importância enquanto fator de inibição da prática de certas modalidades de participação política,levou à opção de inclusão no corpo do Inquérito de uma pergunta específica versando o tema da Discriminação Social;
- Os resultados das entrevistas efetuadas sugeriram também que, ao passo que a participação eleitoral é fortíssima, o mesmo não ocorre com outras modalidades de participação política. Perante tais resultados, a opção foi a de proceder à inquirição exaustiva dos indivíduos observados acerca das diferentes formas de participação política (institucional versus não institucional; individual versus coletiva;etc.).