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Participação política em Democracia Representativa

CAPÍTULO II – PARTICIPAÇÃO POLÍTICA: ASPETOS TEÓRICOS E

2. Aspetos Teóricos

2.1. Participação política em Democracia Representativa

O modelo de Democracia Representativa, segundo Alain Touraine, deverá estruturar-se em torno de três eixos fundamentais que se complementam e se acham em interdependência: a ligação entre Estado e a sociedade civil através de um processo de representatividade em sintonia com estrutura social; a interiorização de um sentimento de pertença a uma sociedade política e, por conseguinte, um sentimento de cidadania que impulsione os indivíduos a participar na construção da vida coletiva; a limitação do poder e o respeito pelos direitos fundamentais (Touraine, 1994: 43-44).

Este modelo democrático opera paradoxalmente entre o consenso e a rutura; Consenso no que concerne ao respeito pelos valores democráticos fundamentais, à distribuição do poder e às regras do “jogo” democrático, todas estas condições consagradas na Constituição de cada País. Rutura e, por conseguinte, no que concerne à pluralidade de opções ideológicas partidárias que competem entre si num processo simultâneo de comunicação com os cidadãos, lutando por angariar o maior número de votos (expressão das preferências partidárias dos cidadãos) que se converterão em mandatos, ou seja, na representação parlamentar e, indiretamente, em cargos executivos.

Por conseguinte e de acordo com Ana Belchior (2010), este processo organiza-se em torno de três elementos fundamentais: os eleitores, os partidos políticos e os representantes eleitos.

No que respeita ao papel dos partidos políticos neste processo, ele afigura-se de suma importância uma vez que sustentam a pluralidade democrática12 promovendo a ideologia que professam e em que inspiram os seus programas eleitorais. Os partidos

12 Touraine a respeito defende que, se “a sociedade civil é feita de uma pluralidade de atores sociais, a democracia

políticos têm como principal objetivo a obtenção do poder político, sendo para tal necessário mobilizar a sua capacidade de recrutamento do eleitorado e, assim, constituírem-se nos principais intermediários legítimos entre a vontade do povo e a respetiva representação parlamentar. Este processo efetiva-se através do sufrágio universal13, canal de participação política primordial no sistema de democracia representativa. É neste momento que os cidadãos, em articulação com os partidos políticos, participam escolhendo os seus representantes e simultaneamente expressando o seu grau de satisfação face ao desempenho do governo.

Contudo, o processo de participação não se esgota na escolha dos seus representantes, apesar do processo eleitoral ser um elemento essencial do sistema representativo. A participação política tem um outro papel fundamental: o controlo e a fiscalização do poder político14, que se processa diretamente pelos cidadãos através de

instrumentos previstos na lei de cada país e, indiretamente, através da Assembleia de representantes.

Por outro lado, a participação política no que respeita ao grau de envolvimento político dos cidadãos, tem uma tradução muito heterogénea representando em parte a importância que subjetivamente os cidadãos atribuem à política. Por conseguinte, e de acordo com Giacomo Sani (1998), os níveis de envolvimento poderão ir de um envolvimento parcial de “simples espetador” à de um protagonista ativo. Para o Autor existem três níveis de envolvimento participativo,

…A primeira forma, que poderíamos designar com o termo de presença, é a forma menos intensa e mais marginal de participação política; trata-se de

13 De acordo com Nohlen citado por André Freire, o processo eleitoral para a escolha dos representantes para os órgãos do poder político por si só não garante que se trata de um processo democrático. Também se realizam eleições nos regimes autoritários (eleições semicompetitivas) e nos regimes totalitários (eleições não competitivas), “por vezes com

uma regularidade quase religiosa. O que se passa é que nos regimes não democráticos as eleições não cumprem as mesmas funções que nas democracias (Nohlen, 1995: 9-18), não tendo, nomeadamente, nenhum impacte na formação e alternância dos governos. (…) Seja por motivos de fraude e/ou manipulação dos processos eleitorais, seja por limitações ao sufrágio, seja ainda por fortes restrições às liberdades públicas.” (Freire 2003:137) Nestes regimes não

democráticos não está assegurado o princípio de igualdade política.

14 Com base na Constituição o controlo e fiscalização política dos cidadãos em Portugal, efetiva-se diretamente e formalmente através do direito de petição (Artigo 52.º Direito de petição e direito de ação popular), no cumprimento dos requisitos previstos na lei, para que possa ser discutida no hemiciclo. Hoje é mais fácil fazer uma petição do que no passado devido à existência dos meios de difusão eletrónica. Outras formas de controlo e fiscalização política direta são os protestos, as greves entre outras. Indiretamente o controlo e a fiscalização é realizado através dos seus representantes eleitos para a Assembleia da Republica (órgão fiscalizador por excelência) dispõe de instrumentos políticos de fiscalização, tais como Requerimentos, Interpelação ao Governo, Moções, Debates, apreciação de decretos- lei etc., em conformidade com a Constituição.

comportamentos essencialmente recetivos ou passivos, como a presença em reuniões, a exposição voluntária a mensagens políticas, etc., situações em que o indivíduo não põe qualquer contribuição pessoal. A segunda forma, poderemos designá-la com o termo de ativação: aqui o sujeito desenvolve, dentro ou fora de uma organização política, uma série de atividades que lhe foram confiadas por delegação permanente, de que é incumbido de vez em quando, ou que ele mesmo pode promover. Isto acontece quando se faz obra de proselitismo, quando há um envolvimento em campanhas eleitorais, quando se difunde a imprensa do partido, quando se participa em manifestações de protesto, etc. O termo participação, tomado em sentido estrito, poderia ser reservado, finalmente, para situações em que o indivíduo contribui direta ou indiretamente para uma decisão política. (Sani,1998 in Bobbio, 1998:888).

Esta última situação a que o Autor se refere (terceiro nível), pressupõe uma participação que culmine numa decisão política e expressa-se na eleição de um representante político, ou mesmo numa candidatura do indivíduo a um cargo executivo ou legislativo.

Em suma, os cidadãos podem participar politicamente por conta própria ou agrupando-se munidos de valores de cooperação e de comprometimento em “forças” informais tais como: manifestações, protestos, boicotes, greves, entre outros, ou através de organizações formais tais como partidos políticos, movimentos, sindicatos, entre outros, com níveis díspares de envolvimento participativo.

Mas a participação não deve limitar-se só à forma como se efetiva. Nos modelos ideais de Democracia representativa, defendidos quer por Stuart Mill (1861 ed. 1980), quer por Tocqueville (1850 ed. 2008), quer por Touraine (1994) quer por Dahal (2001) quer por outros autores, é consensual a necessidade de existência de cidadãos responsáveis, portadores de instrumentos de participação e informação política e profundamente identificados com os valores e princípios democráticos, pressupostos estes que são garantes de efetividade e eficiência da participação política e que se revelam centrais na formação do processo de representação democrática.

Todavia, tratando-se a participação de um processo social, deve igualmente ter-se em atenção os significados do mesmo e a forma como as pessoas comuns o compreendem, tal como nos alerta Henry Brady,

…O modo como nomeamos e classificamos as coisas tem muito a ver com o modo como as compreendemos. Para os cientistas sociais, essa visão é duplamente importante, porque nos devemos preocupar com as categorias naturais – com o modo como as pessoas comuns nomeiam e classificam as coisas e compreendem o mundo – além do modo como o nosso empreendimento científico nomeia e classifica as coisas. (Brady, 1999 in Borba, 2012:264)

Ainda para Brady,

…Every society has its own repertoire of allowable, marginal, and illegal acts. Although Europeans no longer engage in illuminations in which protestors light candles at night, they are far more likely to block traffic or occupy buildings than Americans who favor petitions, lawful demonstrations, and boycotts (see Brady, 1999). Europeans also turn out to vote at higher rates than Americans. In America, the standard repertoire includes giving money (e.g., campaign contributions), giving time (e.g., campaign work, protests, organizational memberships), giving a speech or organizing a meeting (e.g., campaign events, local boards), writing a letter (e.g., contacting governmental officials or the newspaper), and simply going to vote. (Brady, 2003:3)

Verifica-se deste modo que os contextos e as conjunturas são igualmente importantes nas formas como se desenvolve o processo de participação.

Importa ainda referir a tese do pós-materialismo que aponta para uma mudança de perspetivas e de valores sociopolíticos das sociedades ocidentais contemporâneas, remetendo para uma reconfiguração do conceito de cidadania com a revalorização do espaço privado e a centralidade do papel dos cidadãos no espaço político.