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O contexto sociopolítico português e a participação política desde o Estado

1. A participação política em Portugal

1.1. O contexto sociopolítico português e a participação política desde o Estado

O período de governação da designada 1ª República (1910-1926) foi caraterizado por grande instabilidade política e pela criação de desequilíbrios financeiros e orçamentais que, por seu turno, alimentaram e agravaram a própria instabilidade política. É neste quadro de instabilidade que em 1928 é eleito para Presidente da República o General Óscar Fragoso Carmona que convida para ministro da Fazenda António Oliveira

Salazar, conseguindo este estabilizar a situação financeira do País, principalmente através da redução das despesas na Educação e na Saúde e na redução do número de funcionários públicos46, sendo visto por esse feito como o “Salvador da Nação”. Em 1932, Salazar é nomeado Presidente do Conselho e dá início à redação de uma nova Constituição (promulgada em 1933), terminando deste modo o período da ditadura militar e iniciando- se uma nova ditadura a que Salazar denominou de Estado Novo. (Paço, 2008)

O Estado Novo baseou-se num regime de ideologia conservadora, com um Estado autoritário e corporativo que promoveu laços estreitos entre as instituições económicas e as instituições políticas. Os objetivos centrais do regime consistiam no estabelecimento da coesão social, da ordem e da estabilidade política e económica.

Deste modo, Portugal foi organizado com base em unidades geográficas dispostas hierarquicamente, sendo a unidade política mais pequena a freguesia. Aparentava, desta forma, ser um sistema político descentralizado. Contudo, na realidade era um sistema político altamente centralizado pois todos os dirigentes destas unidades geográficas eram nomeados direta ou indiretamente pelo governo central.

Quanto ao sistema económico, quase na sua totalidade encontrava-se organizado em grupos, tais como, sindicatos, grémios entre outros, que se baseavam em interesses de carácter industrial, comercial ou agrícola. No campo, surgiram as “Casas do Povo” que eram corporações que integravam proprietários e trabalhadores rurais, nas quais, segundo Riegelhaupt (1979), os trabalhadores rurais nunca se sentiram representados, vendo-as como agências de cobrança de impostos.

O sistema político não possuía uma estrutura partidária e, de acordo com Riegelhaupt, o Estado Novo

… institucionalizou a União Nacional (inicialmente União Nacional, mais tarde designada de Ação Nacional Popular), que funcionaria como um agrupamento corporativo de diversos pontos de vista, oferecendo uma plataforma de conformidade. A organização partidária era fraca e, pelo menos ao nível local, pouco distinta da estrutura governamental. A União funcionava apenas em tempo de eleições, apresentando uma lista de candidatos ao eleitorado e encaminhando

46 É curiosa a semelhança das políticas públicas encetadas neste período com as defendidas pelo governo democrático atual.

os votantes para as urnas ou para os raros comícios. Embora as listas de oposição fossem teoricamente possíveis, durante o período de Salazar apenas surgiam listas únicas para as eleições das juntas. Para a população, os candidatos às eleições para a junta não passavam de elementos já nomeados. Os candidatos da oposição apareciam esporadicamente nas eleições para a Assembleia Nacional. Durante o Estado Novo, o termo oposição compreendia um leque de adversários do regime que incluía monárquicos inconformados, democratas-cristãos, socialistas, comunistas e, nos últimos anos, a extrema-esquerda. A oposição era ainda mais problemática porque, de uma maneira geral, os seus candidatos retiravam-se antes da votação, protestando contra a censura e o controlo da sua atividade política. Além disso, calculava-se que os resultados das eleições eram falsificados” (Riegelhaupt, 1979:508).

A sociedade do Estado Novo assentava em duas dimensões fundamentais: a família e a comunidade. O bem-estar da comunidade sobrepunha-se ao bem-estar individual, uma vez que neste sistema político o indivíduo não era considerado a unidade básica da sociedade.

A cultura política47 dominante em Portugal era uma cultura política de

subordinação aos fins políticos do regime, anticomunista, antiliberal e anti-individualista, inspirada na Doutrina Social da Igreja Católica e que se impunha através das instituições de «propaganda» da igreja, do ensino público, da censura e da polícia política. Tratava- se de uma sociedade que não podia exprimir-se livremente. A Instituição Censura era das mais centrais e relevantes do Estado Novo, impedindo à grande maioria dos portugueses o acesso a qualquer debate e discussão pública livre, cortando assim qualquer expressão pública de conflito. A participação era esporádica, muito limitada e controlada.

Convictamente católico, Salazar tentou incutir e preservar na sociedade portuguesa os valores tradicionais que assentavam em três pilares fundamentais: Deus, Pátria e Família.

A consagração do trabalho, da tradição e da ruralidade, era a imagem de todas as virtudes. À mulher era destinado o papel de mãe, dona de casa e submissa ao marido sendo este o provedor da família. Todos estes valores foram incutidos, assimilados e internalizados na consciência de grande parte da população.

47 A «cultura política» é definida como o «pensamento social» referido à esfera do político ou seja, como a «dimensão

subjetiva» desta esfera. Distinguem-se três dimensões da cultura política: a cognitiva (crenças, explicações), a avaliativa/afetiva (atitudes, valores) e a conativa (esquemas de ação.( Heimer at all 1990:32)

Até abril de 1974, o regime manteve-se beneficiando da passividade de uma larga parte da população (apenas com a exceção do período das eleições presidenciais de 1958 nas quais participou o candidato oposicionista Humberto Delgado), pese embora a esporádica ocorrência de tentativas de golpes de estado nos quais o envolvimento popular se revelou muitíssimo limitado. Esta tranquilidade era conseguida pelo controlo da informação, da educação e de um policiamento político à escala nacional e, por fim, acrescenta Riegelhaupt, “a natureza eleitoral não competitiva do sistema político”.

A Autora refere ainda que:

…As eleições que foram realizadas serviram mais para pôr a nu o descontentamento das elites do que para mobilizar a população. Nunca houve a necessidade de mobilizar um eleitor, quer a favor quer contra, ou de fazer, ainda que sem sinceridade, a promessa a dada comunidade de que seria construída uma estrada ou aberta uma escola. A única maneira de conseguir a execução de qualquer coisa era por meio de um conhecimento ou do suborno. Tornou-se extremamente difícil atingir quaisquer objetivos públicos; em vez disso, conseguia-se a concretização de objetivos privados. (…) O Estado Novo, virtualmente, aperfeiçoou um sistema que encorajava ativamente a apatia política da população. Praticava-se uma mobilização mínima. Os dirigentes políticos raramente apareciam em público. Sob muitos aspetos, a propensão de Salazar para o isolamento impunha-se ao povo como um modelo de atividade política. Riegelhaupt, 1979:518-519)

Desta forma, apesar de existir um regular processo eleitoral, este processava-se através de um sufrágio com variadíssimas limitações e fortes restrições às liberdades públicas não sendo por isso um processo livre e competitivo de formação do poder político.

A transição para o sistema político democrático48 efetivou-se a 25 de abril 1974 pela via de uma revolta militar, à qual respondeu o povo com uma ampla participação de apoio. Do ponto de vista institucional a transição deu-se de forma abrupta, não tendo

48 No contexto do golpe de estado de 1974, foi abolido o regime de censura e foram instauradas as liberdades de

associação, reunião e expressão. A polícia política foi extinta. Foram abolidas as restrições à formação de sindicatos livres e de partidos políticos. Foi instaurado o sufrágio universal para os cidadãos portugueses com 18 e mais anos. Na sequência da eleição da Assembleia Constituinte (1975), foi elaborada a Constituição da República Portuguesa (1976), que consagrou definitivamente todas essas liberdades e assegurou os requisitos mínimos de uma democracia representativa. As operações de fiscalização do processo eleitoral têm sido asseguradas pela representação de todos os candidatos nas assembleias de voto e de todos os partidos representados no Parlamento, neste caso ao nível da Comissão Nacional de Eleições (ver Freire, 2003c, e literatura aí citada). Nesta matéria, é sintomático que, em quase 30 anos de democracia, não tenham sido levantadas quaisquer dúvidassignificativas sobre a lisura dos processos eleitorais e que se tenha verificado uma efetiva alternância das forças políticas. (André Freire 2003:137)

havido lugar a uma adaptação gradual e controlada do sistema, como aliás aconteceu noutros países da Europa Ocidental. Esta revolta militar teve a sua origem no descontentamento de grande parte das Forças Armadas, pela falta de soluções para o problema das guerras em África. Nesta linha de pensamento encontra-se Braga da Cruz, que refere:

…A razão dessa intervenção militar, que é também a do fracasso da tentativa de descompressão política do regime autoritário, empreendida ainda pelo consulado de Marcelo Caetano, reside fundamentalmente, embora não exclusivamente, na existência das guerras de África, e na incapacidade de obtenção de soluções políticas de paz.]…] O problema ultramarino fez a diferença de fundo e de forma da transição democrática portuguesa, que foi, ao contrário da espanhola, uma transição revolucionária por um lado, e militar, por outro. (Braga da Cruz, 1995:107).