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Constrangimentos culturais e sociais

CAPÍTULO II – PARTICIPAÇÃO POLÍTICA: ASPETOS TEÓRICOS E

2. Aspetos Teóricos

2.5. Constrangimentos culturais e sociais

A atividade de participação política é estruturada por duas ordens de fatores que num continuum se conjugam e se influenciam mutuamente: fatores intrínsecos ao indivíduo dos quais se destaca o capital social e fatores extrínsecos ao indivíduo, que se consubstanciam nas “condições sociais que constituem o contexto no qual as instituições, as práticas, as ideologias e os objetivos políticos se formam e atuam.” e cujas “(…) principais variáveis são as socioeconómicas, as demográficas e as ocupacionais.” (Borba, 2005:156)

O capital social é um dos principais fatores intrínsecos ao indivíduo, possuindo este a capacidade de o converter em capital político32; ou seja, em recursos políticos33. Se por um lado a posse de recursos materiais ou culturais facilita a aquisição de recursos políticos indispensáveis à participação, por outro a posse de menos recursos materiais, tais como rendimento escasso, pode aumentar a motivação para participar com vista a melhorar a sua condição económica através da reivindicação de políticas mais redistributivas34; ou pelo contrário, pode dificultar a participação reduzindo os meios para

a efetivação da participação, tal como é referido por Henry Brady,

…Increasing income inequality might operate in contradictory ways by reducing the wherewithal for lower income people to participate but simultaneously increasing their motivation to become engaged. The net result can only be determined by sorting out the possible paths by which income and income inequality might operate. (Brady, 2003:24)

32Para Bourdieu (1980) as três formas de capital – capital económico, capital cultural e capital social – podem ser

convertidas, em certas circunstâncias, umas nas outras, num processo que chama de “transubstanciação” (Bourdieu 1980).

33SineyVerba e Norma Nie (1972), Verba, Schlozman e Brady (1995) identificaram através de pesquisas comparadas uma correspondência entre status social e a participação.

34 Segundo Henry E. Brady a desigualdade de rendimento pode produzir atividade política. O autor afirma a respeito que “Tocqueville worried that democratic participation would allow the lower classes to use their political power to

level society, erasing all differences (including income inequality) and creating uninspired homogeneity” e que “Marx predicted capitalism’s extreme income inequality would eventually generate working class consciousness that would lead to the revolution of the proletariat and communism”. Desta forma parece implícito que para ambos os autores

referidos a desigualdade econômica iria gerar participação política que por sua vez iria transformar a sociedade.(Brady 2003:2)

Ainda considerando o capital social, evidencia-se o fator ideológico, seu integrante, corporalizado nas ideias, conceções, convicções enraizadas que se vinculam às aspirações políticas do indivíduo enformando as suas práticas e a sua atuação política.

Acresce ainda evidenciar a cultura política35 de que cada indivíduo dispõe. A este respeito Gabriel Almond e Sidney Verba, acreditando que os conhecimentos, as crenças, os sentimentos e valores eram de suma importância para explicar a conduta política dos cidadãos, definiram a Cultura política com base nestas variáveis subjetivas. Assim, para os supracitados Autores, a Cultura política dos indivíduos consubstanciava-se no conjunto de tendências psicológicas dos membros de uma sociedade em relação à política e identificando deste modo três tipos de tendências, isto é,

…três posições que o indivíduo pode assumir ou três modos segundo os quais, ele pode encarar os factos e as relações sociais. A tendência cognitiva que se revela no conjunto dos conhecimentos e crenças relativos ao sistema político, aos papéis que o compõem e aos seus titulares; a tendência afetiva que se revela nos sentimentos nutridos em relação ao sistema, às suas estruturas, etc.; finalmente, a tendência valorativa que compreende juízos e opiniões sobre fenômenos políticos e exige a combinação de informações, sentimentos e critérios de avaliação. (Sani, 1988 in Bobbio,1988:306)

Com efeito, na cena política de uma sociedade combinam-se várias tendências culturais podendo coexistir indivíduos com uma cultura política mais participativa e outros com uma cultura política de sujeição, menos participativa. Indivíduos que foram grandemente socializados em regimes autoritários, num sistema democrático poderão exibir valores e atitudes não consonantes com os fundamentos político-sociais próprios do regime democrático; ou seja, a força da presença e difusão dos valores democráticos, assim como, as características das instituições e as condições sociais prevalecentes nos sistemas democráticos, poderão não ser suficientes para influenciar ou mesmo alterar a cultura política dos indivíduos nestas circunstâncias.

Estas tendências culturais individuais são fatores intrínsecos ao indivíduo, fruto de certos agentes e mecanismos de socialização. Nesta esteira de pensamento,

35A expressão foi criada na década de 60 por Almond e Verba a partir da combinação das perspetivas sociológica,

antropológica e psicológica no estudo dos fenômenos políticos”. [Kuschnir, Karina, Carneiro, Leandro P. (1999), As Dimensões Subjetivas da Política: Cultura Política e Antropologia da Política, Revista Estudos Históricos, Vol.13, nº 24, p.227]

argumentam alguns teóricos como Almond e Verba (1963)36, Ingleart (1985), Norris

(2004), Verba (2005), Campbell (2006) Goerres (2009), que defendem a socialização como um fator condicionante de suma importância na formação de um perfil político dos indivíduos. Estes autores baseiam-se na teoria da socialização e na existência de evidências empíricas que demonstram que a estrutura familiar, bem como todos os processos que se desenvolvem emambiente familiar e escolar nos primeiros anos de vida do indivíduo, acabarão por condicionar os comportamentos e atitudes políticas deste, no futuro.

Pippa Norris argumenta a tal respeito que,

…Traditional theories of socialization suggest that habitual patterns of political behavior are generally acquired during an individual`s formative years in the family, school, workplace, and local community (…) and these habits gradually rigidify over time, creating persistent differences among successive generations. If the repertoires and agencies for political activism have evolved over time, and if people acquired patterns of activism in their youth which prove fairly stable during their lifetimes, then, compared with their parents and grandparents, young people will display different patterns of activism which persist as they age. (Norris, 2004:8)

Achim Goerres, sublinha igualmente que.

…the early period of our adulthood is so decisive in terms of political socialization. We are much more open to political influences between about 15 and 30 (the impressionable Years) than between 50 and 65. This early political socialization leaves an imprint in citizens’ heads as it shapes their early political preferences. (Goerres, 2009:13)

Adicionalmente, é sabido que os indivíduos e grupos orientam igualmente a sua atividade política em função dos valores nacionais; ou seja em função da cultura política da “nação e dos aparelhos, rituais e símbolos ideológicos do Estado37. A forma como se

estrutura e organiza uma sociedade e a cultura que lhe subjaz influencia o comportamento

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Almond e Verba, referidos por Kuschnir e Carneiro (1999:228), enfatizam o fator socialização na definição de comportamento político “A suposição que permite estabelecer a relação entre o processo de socialização e o comportamento político nos modelos de cultura política exige o reconhecimento de que as respostas dos atores a situações sociais objetivas não ocorrem em um estágio único, onde nenhum componente subjetivo intervém. Ao contrário do que propõem os modelos básicos da teoria da escolha racional, hoje dominantes na ciência política, as respostas se dão através de orientações mediadas pela avaliação subjetiva que o ator realiza destas situações sociais”

político da sociedade civil. A existência de canais, quer institucionais quer não institucionais de participação, afeta o grau de aproximação da sociedade civil à sociedade política e ao Estado. Por outro lado, as políticas públicas e os valores que lhes são inerentes, quer em prol dos jovens ou em prol dos idosos, afetam o grau e a natureza da mobilização política destes grupos.

Almond e Verba (1963, ed. 1989:20) a partir das atitudes e motivações subjetivas dos indivíduos sobre a política estabeleceram um elo entre aquelas e os seus efeitos sobre o funcionamento das instituições políticas formais. Estes autores referem-se à existência de três sistemas. O Sistema primitivo simples no qual as instituições de caráter político se encontram ausentes, ou se existem não exibem elementos de diferenciação face a outras instituições de natureza económica ou religiosa. Neste caso, prevalecerá a chamada ´Cultura paroquial` na qual os indivíduos se revelam politicamente indiferentes.

O Sistema tradicional autoritário, caraterizado pela existência de um poder centralizado, e de uma ´Cultura súbdita`, no contexto da qual os indivíduos exibem uma atitude de sujeição e de passividade confinando as suas preocupações aos resultados obtidos pelas instituições políticas.

O Sistema moderno democrático, fundado numa ´Cultura de participação`, na qual os indivíduos nutrem um sentimento de total inclusão no âmbito da esfera pública traduzida numa postura ativa perante a política.

Além disso, Almond e Verba (1963 ed.1989) procuravam aferir de que forma as grandes transformações socioeconómicas verificadas no Pós-Guerra, iriam ter impacto no sistema político; isto é, como iria ser absorvida a cultura política democrática, ou por outras palavras, a adesão dos indivíduos às normas e valores democráticos. Com efeito, para que tal acontecesse seria necessário adotar um tipo de Cultura Política que se adequasse ao desenvolvimento democrático capaz de provocar uma explosão da participação dos membros das sociedades e, paralelamente, uma provável mudança nos modelos tradicionais de participação. As instituições teriam que se adaptar a este movimento de integração na política, do homem comum. Esta cultura política requereria mais do que as instituições formais, tais como o sufrágio universal, o partido político entre

outras. “Uma forma democrática de um sistema político participativo requer de igual modo uma cultura política consistente com ele” (Almond e Verba, 1963 ed. 1989:3).

Assim sendo, com o objetivo de criar estabilidade democrática e as condições culturais para o estabelecimento da democracia, operam na cena política as estruturas políticas e sociais que, pela sua natureza e pelo papel que lhes é socialmente atribuível, veiculam uma cultura política de cariz normativo, que funciona como dispositivo “pedagógico” na internalização de normas (direitos e deveres) e valores políticos. Por outro lado, essas mesmas estruturas políticas e sociais funcionam como elementos facilitadores da livre competição política oferecendo, deste modo, oportunidades e incentivos à participação política dos indivíduos. Entre as suprarreferidas estruturas políticas, encontram-se os movimentos sociais organizados, os partidos políticos, os sindicatos, as associações e instituições não partidárias tais como igrejas, ONGs e as redes sociais.

Por outro lado, perante o desenvolvimento económico e tecnológico, que se fez sentir em particular nos países do Ocidente a partir do século XX, produzindo mudanças socioculturais e políticas profundas, Ronaldo Inglehart defendeu que estas mudanças alteraram profundamente as prioridades valorativas dos indivíduos38 dando origem a novos reportórios de participação política. Assim para o Autor, este novo contexto socioeconómico fez emergir uma valorização da liberdade, da autorrealização, da autonomia individual, da autoexpressão que, por sua vez, foram indutores de novos valores políticos.

“Rich countries are much likelier to be democracies than poor countries”. (Inglehart, 2010: 1), porque “the postindustrial phase of modernization brings increasing emphasis on individual autonomy and self-expression values, which erode the legitimacy of authoritarian regimes and make effective democracy increasingly likely to emerge”. (Inglehart, 2010:3).

As sociedades atuais, onde foi implementado um sistema de democracia representativa exibem, por um lado, grande diferenciação e estratificação social produtoras quer de desigual distribuição de recursos, quer de desigual acesso às estruturas de promoção política e, por outro, uma pluralidade de opções ideológicas partidárias que

competem entre si. Deste modo, temos em “jogo” uma Cultura política assente nos valores e normas democráticas, constituída por um conjunto de subculturas que correspondem às correntes de pensamento partidárias, tais como as correntes socialistas, correntes da democracia cristã, às correntes comunistas, sociais-democratas e às correntes neoliberais, entre outras. Por outro lado, dada a desigualdade de distribuição de recursos políticos bem como a desigualdade de experiências políticas vivenciadas pelos membros da sociedade, existe uma diversidade de tendências culturais dos seus membros, podendo coexistir indivíduos com uma cultura política mais participativa e reivindicativa e outros com uma cultura política mais de sujeição e menos participativa.

Pese embora a importância do que atrás foi referido acerca dos fatores que contribuem para a ação política dos indivíduos, deverá notar-se que as experiências históricas e as conjunturas vivenciadas pelo indivíduo em determinado ponto do tempo, podem forçá-lo a rever o sentido tático da sua ação política. Embora possa existir uma adesão “afetiva” ou mesmo ideológica a determinados princípios orientadores da sua ação política, poderão os indivíduos, em determinadas conjunturas, rever as suas condutas de ação política inscrevendo-as somente em princípios de escolha racional.