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2. SUSTENTABILIDADE NA CONSTRUÇÃO CIVIL

2.5. Análise do Ciclo de vida

Segundo Silva (2003), estudos e métodos para avaliação ambiental de edifícios têm sido especialmente derivados dos procedimentos de avaliação dos impactos ambientais de processos ou produtos industrializados e a metodologia mais aceita internacionalmente para esta finalidade é a Análise do Ciclo de Vida (LCA19).

A LCA foi originalmente definida pela SETAC20 (1991, apud SILVA, 2003) como sendo um processo que tem a finalidade de:

[...] avaliar as implicações ambientais de um produto, processo ou atividade, através da identificação e quantificação dos usos de energia e matéria e das emissões ambientais; avaliar o impacto ambiental desses usos de energia e matéria e das emissões; e identificar e avaliar oportunidades de realizar

19 Acrônimo da expressão Life-Cycle Analysis.

20 SOCIETY FOR TOXICOLOGY AND CHEMISTRY – SETAC (eds: FAVA, J. et al.). A technical framework

for Life-Cycle Assessments. Washington, D.C. SETAC, 1991. 134 pp. Society for Environmental Toxicology and Chemistry.

27 melhorias ambientais. A avaliação inclui todo o ciclo de vida do produto, processo ou atividade, abrangendo a extração e o processamento de matérias-primas; manufatura, transporte e distribuição; uso, reuso, manutenção; reciclagem e disposição final (SETAC, 1991, apud SILVA, 2003, p.17).

A série de normas NBR ISO 14040:2009, que estabelece os princípios e estrutura para a avaliação do ciclo de vida, e NBR ISO 14044:2009, que estabelece requisitos e orientações para a avaliação do ciclo de vida, incorporaram e consolidaram essa definição de LCA.

O conceito de análise do ciclo de vida tem sido aplicado na construção civil, direta ou indiretamente, especificamente em: avaliação de materiais de construção, para fins de melhorias de processos e produtos ou informação a projetistas. Por meio da inserção de dados ambientais sistematizados nos catálogos, rotulagem ambiental de produtos, ferramentas computacionais de suporte a decisão e auxílio ao projeto especializadas no uso de LCA, é possível medir ou comparar o desempenho ambiental de materiais e componentes de construção civil (SILVA, 2003).

Uma LCA pode servir como um instrumento para avaliar o desempenho ambiental de um sistema construtivo, permitindo verificar a complexa interação de uma construção com o meio ambiente ao longo do seu ciclo de vida, que envolve desde a sua produção até a sua disposição final. Essa ferramenta de avaliação analisa os fluxos (entradas e saídas) e os potenciais impactos ambientais ao longo da vida do sistema construtivo, incluindo a aquisição de matéria-prima, construção, utilização, manutenção e demolição final conforme pode ser observado nas Figuras 2.4 e 2.5.

A LCA é considerada por Gervásio (2008) uma análise mais completa do que as outras metodologias de avaliação da sustentabilidade porque permite levar em conta os balanços ambientais existentes entre as diversas fases do ciclo de vida da construção, permitindo, por exemplo, considerar a alocação da reciclagem do aço no fim de vida de uma estrutura.

Assim, a LCA torna-se uma ferramenta valiosa para orientar a tomada de decisões sobre seleção de materiais, sistemas, tecnologias e posturas estratégicas empresariais, após considerar as opções disponíveis e racionalizar os dados coletados. Esses dados devem ser confirmados por evidência científica suficiente para mostrar que uma determinada solução é, sob a perspectiva ambiental, a mais indicada para um contexto específico (SILVA, 2003).

28 Figura 2.5: Ciclo de vida de uma edificação e os diferentes níveis de

alteração no meio ambiente.

Fonte: OLIVEIRA et al. (2004, apud MARQUES, 2007).

Figura 2.4: Esquema dos fluxos ambientais ao longo do ciclo de vida de um edifício. Nota: RDC: Resíduo de construção e demolição.

29 Apesar de ser, consensualmente, a forma mais adequada para reunir sistematicamente informações sobre o ciclo de vida de um produto ou sistema, no estado atual de conhecimento da metodologia, a aplicação da LCA apresenta algumas restrições e obstáculos intrínsecos destacando-se os seguintes aspectos:

 por se tratar de uma avaliação de profundidade e abrangência, a quantificação de todos os impactos envolvidos em um sistema pode facilmente tornar-se complexa, cara e muito extensa, o que vem se mostrando como a principal limitação do emprego dessa metodologia em sua forma mais pura (BAUMANN; RYDBERG, 199421; BEETSTRA, 199622; JAQUES, 199823; apud SILVA, 2003);

 o inventário de cargas ambientais é realizado dentro de limites pré-definidos do sistema sem levar em conta as cargas geradas fora desse limite, o que reduz a precisão da avaliação e pode introduzir erros de trucagem, em alguns casos se tem demonstrado até 50% de erros (JOHN; OLIVEIRA; LIMA, 2007);

 o analista pode se deparar freqüentemente com qualidade e quantidade insuficiente de dados que o impedem de chegar a uma resposta clara e irrefutável. Como resultados, podem ocorrer super simplificações que empalidecem o rigor científico da análise e, muitas vezes, a destituem de significado (SILVA, 2003).

 poucos países desenvolvidos e, provavelmente, nenhum em desenvolvimento têm um banco de dados da LCA abrangente e confiável para materiais de construção e a tendência de usar dados gerados em países estrangeiros irá, quase certamente, gerar erros (JOHN; OLIVEIRA; LIMA, 2007);

 a interpretação de uma LCA requer ponderação de diferentes impactos, reduzindo o número de critérios para buscar um índice único que permita decisões objetivas e na prática o peso de cada categoria varia de acordo com a agenda ambiental da região, país ou instituição. Como conseqüência, há grande variabilidade nos pesos relativos mesmo em um mesmo país tornando difícil a comparação de resultados (JOHN; OLIVEIRA; LIMA, 2007);

 a vida útil de um material pode sofrer variações em função de detalhes de projeto e do clima da região e esse problema tem sido subestimado nas LCAs voltadas para a construção civil. Outro problema relativo é que as diferenças de cargas ambientais entre

21 BAUMANN, H.; RYDBERG, T. Life Cycle Assessment – A comparison of three methods for impact

analysis and evaluation. Journal of Cleaner Production, n.1, v.2, 1994, p. 13- 20.

22 BEETSTRA, F. Building related environmental diagnoses. HERON, n.3, v.41, 1996, p. 35- 39.

23 JAQUES, R. Cradle to the grave – LCA tools for sustainable development. In: 32nd Annual Conference of the

30 fornecedores de um mesmo material também são ignoradas (JOHN; OLIVEIRA; LIMA, 2007);

 a categoria relativa à qualidade do ambiente interno é ignorada e quando se trata da LCA aplicada na avaliação de edificações esse quesito é essencial (JOHN; OLIVEIRA; LIMA, 2007) e

 a LCA limita-se a aspectos que possam ser quantificados e a contabilidade analítica de um produto (ou processo) feita em uma LCA acaba representando, em certos casos, apenas uma descrição parcial dos impactos ambientais do sistema (SILVA, 2003).

Para Silva (2003), neste momento, a aplicação direta de LCA à avaliação de edifícios no Brasil mostra-se, na realidade, complexa, impraticável e insuficiente. Complexa, porque os edifícios são compostos por inúmeros produtos, o que não inviabiliza o seu emprego, mas aumenta expressivamente a quantidade de informações envolvida e a dificuldade em obtê-las. Impraticável, porque ainda não existem dados confiáveis de LCA de materiais de construção nacionais, os recursos disponíveis são dados estrangeiros. E insuficiente, porque apenas uma parte do desempenho ambiental do edifício pode ser descrita estritamente pelos fluxos de matéria e a etapa de utilização do edifício inclui aspectos particulares, como qualidade do ambiente interno, cuja avaliação compreende efeitos sobre os ocupantes e suas percepções; e as avaliações, especialmente em países em desenvolvimento, devem abranger também os impactos sociais e econômicos (SILVA, 2003).