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2. SUSTENTABILIDADE NA CONSTRUÇÃO CIVIL

2.4. Arquitetura Sustentável

A arquitetura sempre esteve refletindo o contexto histórico, cultural, ambiental, social, político e de avanços tecnológicos de cada povo em um determinado tempo. Assim, os movimentos arquitetônicos surgem, entre outros, como resposta a interesses, necessidades, avanços construtivos, tecnológicos e materiais disponíveis de cada época. Nas últimas décadas, as mudanças ambientais ocorridas no mundo vêm indicar aos projetistas a necessidade de tornar a incorporar novos critérios e condicionantes de concepção baseados na sua relação com a Natureza.

Desde a década de 70, quando ocorreu a Crise do Petróleo, até o presente momento, a visão sobre o que denominamos Construção Sustentável vem se modificando e aprofundando. No início, a discussão era sobre edifícios energeticamente mais eficientes. O desafio era superar a Crise do Petróleo construindo prédios que consumissem menos energia, que incorporassem, por exemplo, a energia solar passiva. Depois, a preocupação passou a ser seu impacto nas mudanças climáticas, com as emissões de CO2 e os gases responsáveis pelo

efeito estufa. Neste contexto, a preocupação com os impactos da construção civil encontrou problemas objetivos: o entulho gerado pela obra; a água tratada potável desperdiçada; o lixo na fase de operação, entre outros.

De acordo com Araújo (2005), a construção sustentável não é um modelo para resolver problemas pontuais, mas uma nova forma de pensar a própria construção e tudo que a envolve. A Arquitetura Sustentável deve seguir um enfoque integrado com a própria atividade, uma abordagem sistêmica em busca de um novo paradigma: o de intervir no meio ambiente, preservando-o e, em escala evolutiva, recuperando-o e gerando harmonia no entorno.

O conceito de moderna Construção Sustentável baseia-se no desenvolvimento de um modelo que enfrente e proponha soluções aos principais problemas ambientais de sua época, sem renunciar à moderna tecnologia e à criação de edificações que atendam as necessidades de seus usuários. Trata-se de uma visão multidisciplinar e complexa, que integra diferentes áreas do conhecimento a fim de reproduzir a diversidade que compõe o mundo [...] Em seu arcabouço teórico encontram-se conhecimentos de arquitetura, engenharia, paisagismo, saneamento, química, elétrica, eletrônica, mas também de antropologia, biologia, medicina, sociologia, psicologia, filosofia, história e espiritualidade (ARAÚJO, 2005, p.1).

22 A obra sustentável15 deve ser mais responsável pelo que consome, gera, processa e elimina, buscando conseguir o máximo de auto-suficiência. Uma das características mais marcante deve ser a sua capacidade de planejar e prever todos os impactos que possa provocar, antes, durante e depois do fim de sua vida útil, já no processo de demolição.

A Construção Sustentável se difere da ecológica16 por ser produto da moderna sociedade tecnológica, podendo utilizar tanto materiais naturais e produtos provenientes da reciclagem, quanto outros materiais distintivos, porém que ofereçam benefícios considerados sustentáveis para a edificação como um todo. Portanto, esse tipo de edificação não precisa necessariamente utilizar recursos naturais locais de maneira integrada ao meio, característica das chamadas “Construções Ecológicas”. Segundo Araújo (2005), a “habitação Ecológica” é praticamente impraticável nos modernos centros urbanos, onde a heterogeneidade de povos e culturas e o estilo de vida e produção exigem materiais oriundos de lugares distantes e uma construção civil executada por profissionais da área.

Segundo Campari (2006), a Construção Sustentável faz uso de eco-materiais e de soluções tecnológicas e inteligentes para promover o bom uso e a economia de recursos finitos (água e recursos não renováveis), a redução da poluição e a melhoria da qualidade do ar no ambiente interno e o conforto de seus usuários. Tanto as Construções Sustentáveis quanto as Ecológicas geram edificações que preservam o meio ambiente e buscam soluções locais para problemas por elas mesmas criados, além de atenderem aos requisitos para os quais foram idealizadas, ou seja, dos usuários e suas especificidades.

As edificações consideradas sustentáveis ambientalmente podem vir a requerer projetos complexos, dos quais dependem uma série de variáveis, como clima, entorno, uso etc. Essa complexidade implica em novos procedimentos de gerenciamento de informações durante todo o processo para garantir: projetos multidisciplinares e integrados; aplicação de inovações, soluções e tecnologias sustentáveis; mão-de-obra especializada e profissionais capacitados; reciclagem de resíduos; além de assegurar o desempenho energético das edificações e a qualidade ambiental dos projetos. Ou seja, os projetos serão tanto mais complexos quanto maiores forem os desafios dos impasses e necessidades internas e externas. Roaf (2006) e Wines (2008) acreditam que ainda existe um longo caminho para catalogar diretrizes de responsabilidades ambientais quanto à construção, mas que, em breve, a maioria dessas responsabilidades deve ser transformada em regulamentos pela ciência e

15 Definida aqui como a etapa de operações no canteiro de obras.

23 pelos governos e deverão ser emitidas permissões para as construções dependendo da subordinação aos princípios estabelecidos.

Em algum momento de um futuro não tão distante os projetistas serão forçados a levar em consideração suas responsabilidades ambientais globais. Isso será feito através de regulamentação de edificações, aumentos de preço de combustíveis e das taxas de carbono. O quanto antes começarmos a mudar a arquitetura de um processo de arte guiada pela aparência a um processo de arte guiada pelo desempenho, melhor preparados estaremos para lançar as fundações da edificação era pós-combustível fóssil (ROAF, 2006, p.19).

Wines (2008) apresenta medidas ambientais, algumas polêmicas, para obter edificações mais sustentáveis:

 edifícios menores: preferência por edifícios com menos de 6 pavimentos;

 uso de materiais recicláveis e renováveis: propõe uma atenção maior à seleção dos materiais de construção, escolhendo preferencialmente os de potencial reciclável como resultado da produção tecnológica e assegurando o potencial de ser reutilizado;

 uso de materiais de baixa energia incorporada: atenção para a biografia inteira do produto;

 uso de madeira certificada e evitar o uso madeiras exóticas;

 uso de sistemas de captação de água de chuva e também de reciclagem de águas cinzas;  uso de materiais e tecnologias de baixa manutenção;

 reciclagem de edificações e aproveitamento de estruturas existentes para adaptação e re- uso;

 redução do uso de substâncias químicas que reduzem a camada de ozônio;  preservação do meio-ambiente natural e

 eficiência energética: utilizar diversos recursos de energia como a solar passiva, força do vento e da água, reduzir a dependência de combustíveis fósseis e projetar de acordo com o clima local.

Analisando as medidas ecológicas para edificações recomendadas por Wines (2008) conclui-se que a indicação de edifícios menores, de no máximo seis pavimentos, seria inviável em uma grande metrópole com grandes centros urbanos. Da mesma forma, contrariando a opinião de diversos autores que recomendam a utilização apenas de materiais locais e renováveis para a construção sustentável (como a madeira e a terra), a construção de uma edificação de grande porte ou em regiões muito urbanas utilizando grande quantidade de materiais naturais e não processados industrialmente pode ser até mais impactante

24 ambientalmente e menos eficiente do ponto de vista estrutural e da possibilidade de reaproveitamento ou reciclagem no fim da vida útil.

Para Yeang17 (2006, apud OLIVEIRA, 2009), o alto desenvolvimento tecnológico, gerando novos materiais e sistemas prediais podem diminuir impactos e promover um aumento de bem-estar humano e incremento no ecossistema local. Exemplo disso são as edificações que integram materiais orgânicos e inorgânicos, utilizam coberturas verdes e minimizam os impactos ambientais sem abrir mão do emprego de alta tecnologia, como apresentado nas figuras 2.2 e 2.3. Nos projetos de edifícios que utilizam desse recurso para maior integração com a natureza deve-se considerar a sua altura e as espécies orgânicas utilizadas, pois à medida que ficam mais alto, mais alterações podem sofrer o micro-clima e algumas espécies podem não se desenvolver adequadamente.

Outro exemplo de construção mais sustentável que não implica necessariamente em emprego de materiais naturais são as edificações construídas com materiais pré-fabricados. Na maioria das vezes os materiais pré-fabricados podem ser montados, desmontados, transportados e mesmo reciclados ou reaproveitados facilmente. Essas construções geralmente são projetadas de forma modular e apresentam planta flexível, podendo incorporar mais ambientes, se necessário, sem desperdício de materiais.

17 YEANG, Ken. Ecodesign: a manual for ecological design. Londres: Willey Academy, 2006.

Figura 2.2: Human Research Institute- Proposta de edificação sustentável do arquiteto Ken Yeang.

25 Portanto, pode-se concluir que não existem regras absolutas quando se trata de Construções Sustentáveis. A seleção de materiais e componentes para a construção pode acontecer de forma variada, dependendo de fatores econômicos, sociais, ambientais e culturais do local onde a construção estará inserida. Definir o que vem a ser correto em Arquitetura Sustentável é um desafio hoje ainda complexo, que depende de uma variedade de fatores locais e globais que devem ser considerados e de conhecimento necessário em várias áreas.

Uma obra sustentável nunca pode ser reproduzida sem deixar de ser fiel a si mesma, pois é um sistema „vivo‟, que obedece ao princípio de que „cada organismo tem sua própria necessidade de interação com o meio‟. Não existe, portanto, uma „receita de bolo‟ para uma obra sustentável, mas pontos que devem ser buscados, atendendo sempre a máxima da Rio-92: “Pensar global e agir local”. É a partir do local de implantação e de todas suas interações (ecológicas, sociais e econômicas), do perfil do cliente e das necessidades do projeto, que se define uma obra sustentável (ARAÚJO, 2005, p.4).

Para Araújo (2005), as diretrizes gerais para edificações sustentáveis podem ser resumidas em nove passos principais18: (1) planejamento Sustentável da obra; (2) aproveitamento passivo dos recursos naturais; (3) eficiência energética; (4) gestão e

18 Compatíveis com as recomendações de alguns dos principais sistemas de avaliação e certificação de obras no

mundo.

Figura 2.3: ACROS Building, Fukuoka, Japão, 1989-95. Edificação sustentável projetada pelo arquiteto Emílio Ambasz. Fonte: AMBASZ, 2007.

26 economia da água; (5) gestão dos resíduos na edificação; (6) qualidade do ar e do ambiente interior; (7) conforto termo-acústico; (8) uso racional de materiais e (9) uso de produtos e tecnologias ambientalmente amigáveis.

Já existem vários sistemas que qualificam e certificam as edificações quanto ao grau de sustentabilidade e desempenho energético. A maioria desses sistemas de avaliação, além de classificarem empreendimentos que os construtores têm interesse que sejam autenticados como “sustentáveis”, também podem servir como uma ferramenta de auxílio ao projeto visto que a grande maioria apresenta referenciais com uma lista de itens que devem ser levados em consideração durante a concepção arquitetônica.

Assim, arquiteto é colocado frente a novos desafios, tornando-se imprescindível conhecer quais são os critérios ou diretrizes que seu projeto deve considerar, a fim de buscar uma arquitetura mais sustentável, coerente com seu contexto.

Uma redução considerável dos impactos ambientais na construção civil pode ser obtida pela implementação de políticas consistentes e especificamente orientadas para o setor. Entre estas políticas, a adoção de sistemas de avaliação e classificação do desempenho ambiental e da sustentabilidade de edifícios representa um papel fundamental.

A avaliação da sustentabilidade de edifícios requer uma análise de suas interferências nos meios social, ambiental e econômico. Atualmente, a avaliação da sustentabilidade de uma construção pode ser realizada com base em duas metodologias básicas: Análise de Ciclo de Vida ou Sistemas de Avaliação e de Certificação Ambiental.