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2 POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA E COMUNICAÇÃO PÚBLICA DA

4.2 As possibilidades de interação entre as abordagens de Fairclough e Van Dijk

4.2.1 Análise do discurso da mídia em Fairclough

Citando vários eventos que simbolizam o poder da mídia de massa, Fairclough (1995) menciona o quanto os veículos de comunicação podem influenciar crenças, valores, relações sociais, identidades sociais, já que representam as coisas de maneiras particulares, por meio do uso da linguagem. Por isso, propõe uma estrutura para analisar a linguagem de mídia, dizendo ser essencial a busca de respostas a três questões principais, já contempladas por sua proposta teórico-metodológica geral: como o mundo é representado, com que atores e vozes? Quais identidades são estabelecidas para os envolvidos na história (repórteres, audiências, terceiros, entrevistados)? Que relacionamentos são estabelecidos entre os envolvidos na relação repórter- público, perito-público ou político-público? São perguntas dentro da linha de atuação dos significados possíveis dos discursos em geral, porém adaptadas aos contextos e atores da mídia. Para o autor, a mídia de massa opera dentro de um sistema social, mantendo relação tanto com a vida cotidiana (o mundo da vida de Habermas) e a família, como com negócios e comércio. A questão que destaca é a preocupação sobre como a linguagem midiática pode funcionar ideologicamente, com formas particulares de representar o mundo, construções particulares de identidades sociais e construções particulares de relações sociais. Por exemplo, a construção de audiências como consumidoras e a pressão para geração de produtos de entretenimento são posicionamentos que naturalizam a cultura do consumo e da mercantilização, enfraquecendo a mídia como esfera pública para questões políticas e sociais. As pessoas são localizadas como espectadoras e não como participantes. Isso suscita questionamentos: a incorporação do estilo de conversação e de práticas dialogadas na linguagem de mídia (tendência à democratização), por exemplo, é indicativo de uma mudança real nas relações de poder, sendo favorável a pessoas comuns, ou é mera estratégia para atrair o público e manipulá-lo social e politicamente?

Fairclough (1995) deixa claro que não é a favor de se descartar o estilo de conversação com base no argumento de que ele tem potencial de colaborar com objetivos ideológicos. Embora ele possa ser ideologicamente motivado, muitas vezes não é isso o que ocorre – podendo representar, realmente, algum grau de democratização cultural. A tendência ao estilo mais conversacional é citada de duas formas por Fairclough (1995). Pode ser entendida como uma estratégia que cria uma construção ideológica imaginária de relações sociais simétricas e benéficas, sendo que na prática não o são. Mas também pode ser vista como expressão da democratização da vida cultural e a cultura popular. Cita, como exemplo, o fato de que a conversação ajuda a democratizar a ciência/tecnologia, deixando-a mais acessível ao público e

aproximando a linguagem da experiência da vida cotidiana. É uma reformulação positiva dos termos da ciência, rejeitando o elitismo característico da ciência e de seus especialistas.

Nesse sentido, Fairclough (1995) menciona, no caso dos discursos de ciência e tecnologia, que eles abrigam tensões, como aquela existente entre informação e entretenimento. Há também a tensão entre público e privado: ciência e tecnologia são parte da vida pública institucional, mas são consumidas predominantemente em contextos privados. Essas tensões se refletem na linguagem, que mistura as duas perspectivas na busca por enfraquecer a fronteira entre o público e o privado, entre o mundo público da C&T e o da vida cotidiana. A linguagem ganha caráter semi-técnico: há termos do vocabulário científico (que são definidos para entendimento, embora isso não seja corrente no mundo científico), mas não se trata de um vocabulário tão especializado que impeça a compreensão por uma pessoa razoavelmente instruída. Outra característica é o tom de conversação, com linguagem mais coloquial, em que o repórter compartilha com as pessoas um mundo da vida comum.

A tendência ao entretenimento, por sua vez, é um indicativo da mercantilização da mídia, que sofre a pressão da concorrência para operar na indústria do lazer, promovendo diversão no trato de assuntos públicos. Para o autor (1995), a mídia integra os domínios da vida social que foram levados a operar em uma base de mercado mais explícita, como ocorre também com universidades, serviços de saúde, etc. Isso traz preocupações, já que o imperativo comercial de entretenimento constante pode não ser compatível com o serviço público de radiodifusão. Audiências tratadas como consumidoras negariam a constituição de uma esfera pública em que cidadãos deveriam participar de um debate sério: "E se a mídia não está sustentando uma esfera pública política, onde mais ela pode ser construída em nossa sociedade mediatizada”? (FAIRCLOUGH, 1995, p. 11, tradução nossa).

A ADC na mídia preocupa-se em avaliar como eventos, situações, relacionamentos, pessoas e outros são representados em textos. Para essas análises, é necessário eliminar a suposição ingênua de que a mídia busca ser um espelho da realidade. O processo de produção de um texto de imprensa é uma sequência de escolhas que, inevitavelmente, enviesam o relato final. A análise dos textos de mídia precisa, portanto, avaliar quais foram as escolhas: o que é incluído e o que é excluído, o que é explicitado ou deixado implícito, o que está em primeiro plano e o que é contextualizado, o que é tematizado e o que não é tematizado, quais tipos e categorias de processos são usados para representar eventos e assim por diante. Assim, citar quais eram as alternativas para as escolhas que foram feitas no texto também colabora para a interpretação crítica das análises.

Na relação de questões que Fairclough (1995) propõe para a análise de discurso da mídia, a última pergunta chama atenção: O que pode ser feito sobre este texto? O objetivo desta questão é destacar o status dos textos midiáticos como uma forma de ação social que pode ser respondida com outras formas de ação social. Essas ações podem se materializar na forma de outros textos - cartas de felicitações ou reclamações, críticas, discussões - ou formas de ação não textuais. Alguns textos de mídia, por exemplo, podem estimular campanhas públicas, reuniões e demonstrações. O autor cita o exemplo de um documentário produzido por John Pilger em 1994 sobre o genocídio praticado pelo governo indonésio contra o povo de Timor Leste. São textos que podem encorajar as pessoas a irem além da mera leitura e desenvolverem ações em resposta. Os textos jornalísticos provocam respostas, ainda que dispersas no tempo e no espaço.

A partir de todas as reflexões teóricas e práticas de Fairclough (1995) sobre a análise crítica do discurso da mídia, consolidamos no Apêndices C algumas das principais questões a serem observadas durante eventuais análises, de acordo com o autor. Elas incluem análise de presenças, ausências, de informações de primeiro plano e de segundo plano (pressupostos), das relações de coerência, de metáforas, de recontextualização das práticas (resumos ou avaliações), de participantes e vozes e sua forma de inserção no discurso, aspectos de democratização e tecnologização, vocabulário, conversação, tomadas de turno, intertextualidades, gêneros, entre outros. No percurso metodológico que traçamos para esta pesquisa, adotamos especialmente a análise dos itens: observação de presenças e ausências, de naturalizações (pressupostos), de participantes e vozes do discurso e de elementos de democratização dos textos. Outros itens de análise, por terem interface com essas perspectivas, são eventualmente citados na avaliação de nossos resultados.