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2 POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA E COMUNICAÇÃO PÚBLICA DA

2.1 Cenários atuais da interação entre ciência e sociedade

Relembrando a assertiva de que a Análise de Discurso Crítica (ADC) - principal metodologia que utilizamos nesta pesquisa - trabalha com as etapas de identificação de um problema relacionado a relações de poder, assimetria na posse de bens simbólicos e naturalização de discursos; identificação de obstáculos que impedem a resolução do problema e de elementos da prática social que o perpetuam, além do apontamento dos modos pelos quais os obstáculos podem ser vencidos (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999), temos as comunicações entre ciência e sociedade como nosso problema mobilizador, já que há uma assimetria no acesso ao conhecimento científico pelos cidadãos. Assim, empenhamos nossas análises sobre a PC/CPC, tomando-as como práticas que buscariam, de forma manifesta, corrigir essas distorções, enfrentando, para tanto, muitos obstáculos.

Dados de pesquisas sobre a percepção pública da ciência (PERCEPÇÃO pública…, 2019), conforme veremos mais adiante nesta seção, nos mostram que há uma carência, por parte do público, de acesso ao conhecimento científico, fato demonstrado pelo baixo percentual de entrevistados que conseguem citar o nome de uma instituição que produz ciência ou de um cientista, apesar de esses atores produzirem ciência, em maior parte, com financiamento público e com a finalidade última de beneficiar a sociedade. A posse desse capital cultural está ainda

restrita a grupos específicos, embora seja possível identificar movimentos históricos para a democratização desse saber.

Zanon (2012) nos lembra os fortes enlaces entre poder e conhecimento. Argumenta que o conhecimento gera e intensifica o poder dos grupos que o detêm. Recorrendo à obra de Umberto Eco "O nome da Rosa", a autora mostra que a conexão faz-se visível desde a Idade Média. A crítica ao poder expressa-se por meio dessa obra: o pensamento dominante da época impedia que o conhecimento fosse acessível a pessoas fora do círculo de escolhidos; pela alegoria trabalhada na produção, quem conseguia chegar ao fim de uma biblioteca labiríntica (e não fazia parte do grupo ao qual isso era permitido), pagava com a morte. Era a biblioteca de um convento beneditino que guardava parte importante da sabedoria grega e latina conservada ao longo de séculos.

Ao mesmo tempo em que temos esses indícios de que elites dominantes esforçaram-se ao longo da história para manter o conhecimento intelectual, formal e científico reservado, e a linguagem segregadora das comunicações especializadas ajudaram nessa tarefa, há a naturalização de uma ideia de que o público não é capaz de entender o conhecimento científico, de que esse conhecimento realmente não é para todos, o que ganha respaldo, no Brasil, por exemplo, nos baixos índices de desempenho dos cidadãos na escolaridade formal.

O poder é entendido por Castells (2008) como a capacidade estrutural do ator social para impor sua vontade sobre outros atores sociais, e, na sociedade atual, esse poder de imposição se utiliza da comunicação. Para o autor, os meios de comunicação são decisivos na formação da opinião pública, que, por sua vez, condiciona a decisão política. Tanto as relações que são o fundamento da sociedade, quanto os processos que desafiam as relações de poder institucionalizadas, se decidem no campo da comunicação. Nesse sentido, tornam-se necessários processos de comunicação, como os pretendidos com a PC/CPC, que estejam comprometidos com a inclusão dos cidadãos nas discussões e com o compartilhar de um acervo de conhecimentos capaz de estimular fluxos argumentativos mais justos e equilibrados.

Outro ponto que permeia as relações entre ciência e poder é o fato de o conhecimento científico ser representado em posição superior às demais formas de conhecimento, o que Santos (1989) contesta, ao propor um diálogo entre ciência e senso comum. Para ele, a ciência deve ser vista como uma forma, sempre em construção, de produzir conhecimento, podendo beneficiar-se do conhecimento do senso comum e também atualizá-lo, por meio de críticas a ideologias que por vezes o dominam. O autor (2005) enfatiza que o desejo de justiça social implica que se persiga também essa justiça cognitiva. É necessário, portanto, que estejamos atentos a todos esses aspectos, ao pensarmos nos discursos que buscam popularizar a ciência.

Os estudos sobre a PC elencam evidências de que há iniciativas em curso, destinadas a incentivar as práticas de comunicação entre ciência e sociedade no mundo, embora elas ainda tenham limitações quanto a alcançar o propósito de uma relação verdadeiramente inclusiva. Um exemplo de iniciativa em prol da PC são as cláusulas dos contratos de financiamento de pesquisa firmados pela Comissão Europeia, que exigem dos pesquisadores a previsão de ações de disseminação da ciência ao grande público, assim como é o caso também dos financiamentos específicos para projetos voltados ao tema ciência na sociedade. Documentos da Comissão Europeia versam no sentido de colocar a ciência no centro da formulação de políticas. (TRENCH; MILLER, 2012).

Outros documentos e leis, em diversos países, têm essa preocupação. É o caso de uma lei de 2003 que rege as universidades na Dinamarca e determina a troca de conhecimentos com a sociedade e o incentivo para que seus funcionários participem do debate público. Os próprios departamentos de Relações Públicas de universidades e centros de pesquisa também têm incluído a prática nas normas e procedimentos institucionais. Há inúmeras outras evidências, como o documento emitido pelo parlamento do Reino Unido sobre ciência e sociedade, os incentivos organizados pelo governo alemão para premiação a cientistas envolvidos com a popularização, além de ações promovidas na Noruega, Bélgica, Holanda e outros países. A disseminação da cultura científica é uma das seis missões definidas para as universidades na França, onde o pesquisador que se dedica à comunicação pública da ciência pode, inclusive, ter benefícios na progressão da carreira. (TRENCH; MILLER, 2012).

A partir da década de 1990, a PC é também objeto de pesquisas e de programas de educação: existem muitos cursos na área, principalmente de mestrado, e crescente número de teses de doutorado que se dedicam ao tema. Há, ainda, as ações institucionalizadas para a capacitação de pesquisadores para a comunicação pública, como ocorre na França (TRENCH; MILLER, 2012). Rödder (2015) menciona o relatório da Royal Society, no Reino Unido, de 1985, que pela primeira vez estabeleceu a comunicação científica como uma meta política. Besley (2014) cita vários exemplos de incentivo à PC também nos Estados Unidos, como é o caso dos esforços pela organização de festivais de ciência.

Discute-se, inclusive, segundo Mejlgaard et al. (2012), um pretenso modelo europeu de ciência na sociedade. A Europa buscaria identidade com formatos deliberativos de inclusão de vozes públicas na tomada de decisões sobre ciência e de um papel estratégico das universidades nesse processo. Porém, os mesmos autores avaliam que, apesar dos esforços de décadas, não há um modelo europeu homogêneo de engajamento público entre os países, já que os graus de formalização das práticas são diferentes em cada um, ou mesmo ausentes em alguns deles.

Govoni (2007) diz que, desde o início dos anos de 1990, o interesse pela ciência e pelos cientistas é crescente Itália, tanto por parte do público, quanto por políticos, empresariado, mídia e mercado de entretenimento. Deslocando-nos para a América Latina, recorremos a Massarani et al. (2007), que também destacam atenção crescente à prática. Relatam que, na década de 1980, o jornalismo científico alcançou ponto alto nessa porção do continente americano, com o surgimento de revistas e abertura de espaço em jornais diários e revistas semanais aos temas de ciência. Recentemente, de acordo com os autores, há esforços mais organizados, materializados na criação de associações para o jornalismo científico em países onde a prática é menos consolidada, como Peru (2003), Equador (2004) e Costa Rica (2005). Houve, ainda, a criação da Federação Latino-Americana de Jornalistas Tecnológicos (2004). Outra conquista da região foi a criação da Rede POP (Red de Popularización de la Ciencia y la Tecnología en América latina y el Caribe), que reúne programas para a popularização da ciência e tecnologia na América Latina e Caribe, incluindo-se entre os participantes museus de ciência, centros interativos de ciência, museus de história natural, parques ambientais, zoológicos, jardins botânicos, aquários, revistas de jornalismo científico e programas de educação não formal em universidades e ONGs.

Polino e Castelfranchi (2012) dizem que há tendências de institucionalização da prática na América Latina, realçando que países como Brasil, México e Argentina, que têm sistemas de C&T mais desenvolvidos, viveram, nas últimas décadas, um aumento mais expressivo na comunicação científica. Para Lozano (2013), o momento contemporâneo nessa porção do continente é de problematização da popularização da ciência, em direção a uma mudança de paradigmas. Além das discussões sobre o financiamento da C&T, aparecem questões como: que ciência devemos fazer? para que fazemos? cidadãos terão a possibilidade de decidir sobre questões relacionadas à ciência?

No cenário brasileiro, houve iniciativas institucionais nos últimos anos que buscaram favorecer a prática da PC. Podem ser citadas, segundo Menkes (2012): a criação em julho de 2003 da Secretaria de C&T para Inclusão Social, e do Departamento de Popularização e Difusão de C&T, dentro da estrutura do então Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI), com definição de linhas de ação para incentivar as práticas de divulgação científica; a publicação de diversos editais para educação científica e divulgação de C&T por fundações de amparo à pesquisa (Fapemig, Faperj, Facepe, Fapesb, Fapeam, entre outras); a criação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia em 2004 (coordenada pelo MCTI e realizada por secretarias municipais e estaduais, agências de fomento, universidades, escolas e outras instituições); a criação, em 2009, do Comitê de Assessoramento para Divulgação Científica no

CNPq; e a inclusão no currículo Lattes da aba “Educação e Popularização da C&T”, na qual os pesquisadores podem registrar suas iniciativas para divulgação científica.

Se, em 2004, a Semana Nacional teve atividades organizadas por 257 instituições (MENKES, 2012), em 2018 já havia mobilizado 1.677 instituições no País (MCTIC, 2019). Outros eventos com objetivo semelhante também se expandem e inovam, como é o caso do Pint of Science, um festival internacional de divulgação científica que nasceu na Inglaterra e já chegou ao Brasil e outros 23 países. Pesquisadores são mobilizados para falar sobre ciência em ambientes descontraídos, como bares, cafés e restaurantes. Em 2016 foi realizado pela primeira vez em 7 cidades brasileiras, alcançando, em 2019, 85 municípios (FILHO, 2019).

Como os estudos de Araújo (2017) demonstram, o Brasil ainda não dispõe de uma política pública voltada para a prática da divulgação científica, o que expõe o País a certa instabilidade na evolução da prática. As iniciativas voltadas à PC podem ser consideradas relativamente inconstantes e isoladas. A autora destaca que a divulgação científica, termo que opta por utilizar, “está espargida nas diversas regulamentações sobre C&T e acaba ocupando um lugar secundário” (ARAÚJO, 2017, p. 99). Entrevistando pesquisadores de universidades de Minas Gerais ligados a programas de pós-graduação de alto desempenho, Araújo (2017) identifica que seus discursos também manifestam a carência da divulgação científica como estratégia nas políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação no País. Assim como ocorre com as atividades de extensão, os profissionais ainda guardam certa distância da prática da PC, vista como algo de menor importância. “(…) a preocupação para a maioria reside na comunidade acadêmica e nos pares. Isso é sinal de que as iniciativas de incentivo à popularização de CT&I, identificadas nos sites das instituições financiadoras, não estão saindo do papel” (ARAÚJO, 2017, p. 190).

Por outro lado, as pesquisas nacionais que avaliam a percepção pública da ciência revelam uma população otimista em relação à ciência, em sua maioria interessada ou muito interessada pelos temas científicos. Tais enquetes têm sido valorizadas na análise do funcionamento dos sistemas nacionais de C&T, figurando ao lado de indicadores como o número de patentes depositadas, de artigos publicados e citações e da qualificação da formação dos pesquisadores. Ou seja, para saber como vai a ciência do País, importa também saber como as pessoas estão vendo a ciência e participando dela – e esse posicionamento está diretamente relacionado à comunicação empreendida para popularizá-la. Se a PC alcança seus objetivos, a tendência é um maior envolvimento público - seja com posicionamentos de apoio ou de questionamentos. Se o público participa mais e o diálogo entre ciência e sociedade é forte, a tendência é que a ciência enriqueça seus processos e ofereça uma contribuição mais efetiva para

o desenvolvimento da sociedade, porque estará incorporando em seus fazeres o olhar e as demandas dos cidadãos. As pesquisas de percepção pública da ciência apuram qual é esse cenário no Brasil.

O resultado do estudo “Percepção pública da C&T no Brasil”1, divulgado em 2019 e

realizado no País pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), por exemplo, mostra que 62% dos entrevistados dizem-se interessados ou muito interessados em C&T (PERCEPÇÃO pública…, 2019). Em Minas Gerais, enquete divulgada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e outros colaboradores mostra resultados muito semelhantes aos encontrados no estudo nacional (OS MINEIROS e…, 2016).

Além do interesse pelas informações sobre C&T, a pesquisa do CGEE/MCTI mostra que as pessoas querem ser ouvidas nas grandes decisões sobre C&T – querem opinar, participar. A maioria diz estar totalmente de acordo (52,81%) ou parcialmente de acordo (30,55%) com a ideia de que o cidadão deve ser ouvido; juntas, representam um total de 83%. Os entrevistados também defendem que os governantes devem ouvir os cientistas ao tomarem decisões: somam 66,1% os que concordam totalmente ou em parte com essa proposição.

Outro dado é que 84,41% acham que os cientistas devem expor publicamente os riscos decorrentes dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, concordando completamente ou em parte com essa proposição. A frequência com que o brasileiro assina/participa de manifestações relacionadas à C&T é muito baixo: 93,23% responderam nunca ou quase nunca. E quando pensamos nas dificuldades referentes à compreensão dos temas científicos, vemos que a maioria das pessoas não considera essa uma tarefa impossível: 82,18% dos entrevistados acham que as pessoas são capazes de entender o conhecimento científico, se for bem explicado. No entanto, apesar de se declararem interessadas em C&T, as pessoas demonstram conhecimento muito limitado diante de questões que avaliam sua relação com a ciência: na enquete divulgada pela Fapemig (OS MINEIROS e…, 2016), apenas 12% dos entrevistados sabiam citar o nome de alguma instituição de pesquisa de Minas e 11% lembraram-se do nome de algum cientista mineiro. Na pesquisa nacional, o cenário é parecido: 12% citaram nomes de

1A pesquisa de opinião Percepção Pública da C&T 2019 abordou 2.200 entrevistados com idade superior

a 16 anos, com cotas por gênero, idade, escolaridade, renda e local de moradia em todas as regiões do País (PERCEPÇÃO pública…, 2019). Já a pesquisa em Minas Gerais foi aplicada no âmbito do Estado, replicando questionários utilizados em pesquisas nacionais e internacionais (para permitir comparabilidade dos dados) e incluindo novas questões (OS MINEIROS e…, 2016).

instituições de pesquisas e 10% se lembraram de algum cientista brasileiro. Interessante notar que nem mesmo as universidades foram significativamente citadas, embora sejam os principais centros de produção do conhecimento científico no País. Na sondagem sobre a familiaridades dos entrevistados com conceitos elementares da ciência, 73% disseram acreditar que os antibióticos matam vírus.

Os entrevistados do CGEE/MCTI que dizem acessar, com muita frequência, informações sobre ciência e tecnologia em meios como TV, internet, amigos, revistas e jornais chegam, no máximo, a 14% do total (é o caso dos que buscam conteúdos na Internet). Ou seja, as pessoas se declaram interessadas, mas são pouco ativas na busca por informações científicas, ou não encontram oferta suficiente para lhes atrair a atenção.

Outros dados mostram que os brasileiros acreditam significativamente na ciência como geradora de benefícios que superaram os malefícios (73%) e defendem que haja mais investimento nas pesquisas científicas e tecnológicas (66%).

Consolidando esses achados, temos paradoxos. A maioria dos brasileiros estaria interessada em temas de C&T e quer ser ouvida para as decisões da área; deseja que os governantes tomem decisões tendo por base o conhecimento científico; considera que as pessoas têm condições de entender C&T e esperam dos cientistas a autorreflexão de seus trabalhos, apresentando inclusive os riscos que acompanham as produções da ciência e tecnologia. De maneira geral, o brasileiro é otimista com relação à ciência e defende mais investimentos. Apesar disso, demonstra não conhecer sobre ciência, não participar efetivamente e não ter acesso significativo às informações sobre ciência nem mesmo pelos veículos mais tradicionais de comunicação.

O que Nisbet e Scheufelle (2009) dizem é que a divergência entre o conhecimento apresentado pelo público a admiração que ele possui pela ciência é algo contraditório, mas esperado. Afirmam isso ao comentar a mitologização da era Sputnik nos Estados Unidos (EUA), que gerou deslumbramento, mesmo tratando-se, à época da Guerra Fria, de um país cientificamente analfabeto. Ou seja, a falta de conhecimento científico não impedia a população de admirar e exaltar os feitos da ciência, mantendo-se positivo o status cultural da ciência. Admitimos que a afirmação dos autores tem fundamento, mas interpretamos o contraste das posições pró-ciência dos brasileiros e o fato de os entrevistados revelarem pouca proximidade com a C&T (ignorando as instituições brasileiras da área e os nomes de pesquisadores atuantes) como uma evidência de que há um caminho aberto para a PC e a CPC no Brasil. Apesar de a desinformação mostrar-se grande, as pessoas têm a percepção de que precisa ser diferente.

Ainda que estivessem mentindo ao se dizerem interessadas durante a enquete, se o fizeram é porque têm a percepção de que conhecer sobre ciência é algo visto como positivo, necessário.

Acontecimentos recentes nos colocam na expectativa de que a prática sofra recuo no Brasil, inspirando atenção e observação nos próximos anos. Iniciativas políticas em curso em 2019 têm caminhado no sentido de reduzir os investimentos em C&T com base nas limitações orçamentárias, bem como têm demonstrado dispensar o conhecimento científico como subsídio de análise para decisões políticas. A tecnocracia como modelo de relação entre o saber especializado e o político (decisões políticas tomadas exclusivamente com base no conhecimento científico e especializado) era vista por Habermas (1968), há 50 anos, como um problema. Ele defendeu decisões pragmáticas baseadas na ciência, mas também submetidas ao debate público. Entretanto, no Brasil de 2019, projetos que chegam ao legislativo nos fazem pensar que estamos mais próximos do modelo decisionista (HABERMAS, 1968), em que líderes políticos tomam decisões sem considerar a ciência e utilizam a opinião pública apenas para legitimar essas decisões. Um exemplo disso no Brasil de 2019 é a proposta presidencial para alteração no Código Nacional de Trânsito, que prevê inclusive a retirada de multa para os motoristas que transportarem crianças sem cadeirinha de segurança, desconsiderando estatísticas e estudos que ratificam a importância do dispositivo. Assim como essa, outras medidas semelhantes estão em andamento e serão um teste para sabermos qual foi o grau de consolidação da importância que o conhecimento científico adquiriu perante a opinião pública e os atores políticos, de forma a ser conclamado antes da aprovação de tais medidas. Trata-se de um cenário político em que um ocupante temporário do cargo de ministro da Educação, Vélez Rodrigues, chegou a afirmar em entrevista que as universidades (que são polos da produção do conhecimento científico) devem ser reservadas a uma elite intelectual (Revista Veja, 2019), evidenciando aí traços de uma ideologia que pressupõe o conhecimento científico como não necessário à maioria da população.

O fato é que se observa hoje um crescimento das iniciativas de defesa da PC e da preocupação em inserir o tema como pauta dos estudos científicos. Algumas características desse cenário de ascensão do tema são: a comunicação da ciência com o público tem se tornado prioritária para cientistas em muitos países (BESLEY et al., 2018; GOVONI, 2017; BAUER, GREGORY, 2007); tem havido aumento da participação pública (KATO-NITTA et al., 2018); surgem mais esforços organizados de jornalistas científicos em prol da PC, como na América Latina, com a Rede POP (MASSARANI et al., 2007); há iniciativas governamentais para estímulo da PC (DICKSON et al., 2004; MENKES, 2012), contribuições de plataformas on- line e das redes sociais para a prática (SCHÄFER et al., 2018) e diagnósticos de que ainda há

muito a caminhar para que se chegue à existência de uma política pública de PC no Brasil (ARAÚJO, 2017). Ao mesmo tempo, são frequentes os relatos preocupados com a estagnação