• Nenhum resultado encontrado

Cientistas, jornalistas e público: distanciamentos, aproximações e possibilidades de

2 POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA E COMUNICAÇÃO PÚBLICA DA

2.5 Os desafios da interação ciência-sociedade

2.5.2 Cientistas, jornalistas e público: distanciamentos, aproximações e possibilidades de

Uma das formas mais tradicionais de PC é o jornalismo científico, pelo qual se inserem na mídia as discussões sobre ciência. As relações entre cientistas e jornalistas (sejam esses últimos da mídia ou das organizações) são consideradas um terreno ainda desafiador. Hernando (2002) lembra que há semelhanças e objetivos comuns entre eles. Ambos pretendem difundir a informação científica, servem a duas grandes forças do mundo (comunicação e conhecimento), devem buscar servir à sociedade e promover a troca mútua de serviços (ciência para comunicadores e comunicação para cientistas). Entre as diferenças está a relação com o tempo e o espaço: a descoberta científica é lenta e pode se dar pela complementação de estudos diferentes desenvolvidos em locais dispersos; o conteúdo jornalístico é produzido em tempo curto, fruto de um trabalho individual ou com poucos participantes.

Russell (2006) considera que tanto jornalistas quanto cientistas estão mal preparados para empreender uma comunicação sobre ciência que possa colaborar na promoção da compreensão por parte dos cidadãos e influenciar políticas públicas. Há a exigência de que o jornalista, além do domínio das técnicas de redação, tenha familiaridade com os procedimentos da pesquisa científica, conhecimentos sobre história e política da ciência e contato permanente com a comunidade científica. Porém, o jornalista, por medo de deixar transparecer que não compreende o que o cientista está falando, pode acabar não pedindo outras explicações, o que gera publicações equivocadas, capazes de minar a confiança que o cientista tem na categoria. Outro desafio para o jornalista que cobre C&T é a sensibilidade para os questionamentos. Muitas vezes, por estar diante de um especialista no assunto, não se lembra que o entrevistado está sujeito a falhas, que pode estar sendo precipitado em suas conclusões ou comprometido com interesses outros que não o bem público e da ciência, como lembra Russell (2006).

Já entre os cientistas, segundo Oliveira (2010), há aqueles que se negam a falar com a imprensa, por não acreditarem na capacidade do jornalista para escrever sobre sua pesquisa; os que concedem entrevistas, mas, sempre desconfiados, querem ver o texto antes da publicação (solicitação inviável diante da rotina do jornalismo); os que desejam em excesso a exposição midiática, mesmo sem ter conteúdo de pesquisa que atenda aos critérios de divulgação; e os

mais sensatos, que reconhecem a dimensão social de seu trabalho e colaboram em exata medida na divulgação.

Há ainda a visão de alguns cientistas de que os meios de comunicação, ao mesmo tempo em que são aliados potenciais para divulgar a ciência ao grande público, são instâncias que não representam a ciência real e sim uma anticiência. (BAUER; GREGORY, 2007). Os autores falam, inclusive, em certa disputa no Reino Unido entre jornalistas e cientistas pela tarefa de comunicação da ciência. A institucionalização da comunicação científica como componente credenciado da educação científica no país incentiva os estudantes pesquisadores a infiltrarem- se na missão. O risco aqui, com a comunicação popular dominada pelos próprios cientistas, é que se perca a reflexão crítica proporcionada por um ator externo, como o jornalista.

A maior parte dos cientistas contenta-se em publicar seus trabalhos nos periódicos acadêmicos. Falar com o público leigo demanda tempo e esforço, não trazendo benefícios para a carreira acadêmica. Alguns entendem que atuar demais na ciência popular pode ser interpretado pelos pares como um sinal de superficialidade do trabalho e uma forma inferior de publicar (FJAESTAD, 2007). De acordo com Mueller (2002), apesar de a PC ser considerada necessária, é também entendida como de baixo status para o pesquisador. Apenas tendo como interlocutor outro cientista, seria possível obter crédito e reconhecimento.

Há outro fator na relação: a crítica da mídia a cientistas em alguns casos, como quando criam produtos perigosos (toxinas, substâncias radioativas), usam métodos ilegais ou antiéticos (usar seres humanos como cobaias, receber financiamento de organizações questionáveis), desperdiçam recursos públicos em projetos sem sentido, retêm informações que deveriam ser tornadas públicas ou portam-se de modo questionável nas controvérsias científicas (estigmatizar os dissidentes e não estarem abertos ao diálogo). Da mesma forma, a postura da mídia pode ser criticada porque, sob o preceito de dar uma contribuição social, a mídia por vezes age visando ao valor comercial dos conflitos científicos e reportagens críticas.

De fato, o desenvolvimento da crítica social na década de 1960 no Reino Unido abriu espaço para os jornalistas críticos da ciência, que desafiaram a visão maravilhada dos feitos científicos. (BAUER; GREGORY, 2007). A crítica à ciência e à tecnologia, por seu papel na guerra e na poluição, foi fruto das novas formas de ativismo que vieram da cultural beat do não- conformismo e do não-autoritarismo. A fusão de preocupações científicas e sociais, por outro lado, deu espaço para que economistas utilitaristas pressionassem para que a ciência provasse sua utilidade econômica, como qualquer outra mercadoria.

Embora tanto cientistas quanto jornalistas busquem a verdade em seus ofícios, os jornalistas a querem na forma de uma boa história, de uma narrativa compreensível. Já o

cientista apoia-se em uma linguagem empolada, de jargões, que, segundo Radford (2007), produz alienação e exclusão. Por isso, o autor diz que seria necessário que os cientistas percebessem que precisam contar histórias.

Além da superação desses impasses entre cientistas e jornalistas, há as dificuldades também no relacionamento dos cientistas com o público. A ideia dos primeiros de que o público tem um deficit de conhecimento está sendo substituída pela noção de que esse é um posicionamento preconceituoso de quem, na verdade, não conhece seus públicos. (KATO- NIKITA et al., 2018).

No entanto, visões negativas do público pelos cientistas ainda existem. Gregory et al. (2007) entrevistaram cientistas sobre o tema e os resultados trazem avaliações negativas. O desinteresse do público é apresentado pelos entrevistados como fator complicador, materializado em relatos de eventos destinados à comunicação da ciência à sociedade que não têm adesão e ficam vazios, por exemplo. Outros entrevistados apontaram que o público não é capaz de gerar mensagens coerentes para se engajar nas discussões ou que os temas são complexos demais para que o público possa colaborar, discutindo-os. Alguns chegam a dizer que o envolvimento do público acaba causando problemas ou deixando as coisas fora de proporção.

Gregory et al. (2007) lembram das discussões de um fórum em que ficava evidente a posição de que se um produto da ciência não tivesse sucesso era devido à ignorância do público. Nesse mesmo sentido, Nisbet e Scheufele (2009) dizem que quando a relação entre ciência e sociedade é quebrada, o analfabetismo é eleito culpado e se lamenta a ausência de uma cobertura científica de qualidade. A crença em um público que não tem capacidade para compreender a ciência é identificada pela literatura como uma das dificuldades para a relação entre ciência e sociedade (BESLEY, 2014). O despreparo do próprio cientista para a comunicação com o público é outro ponto que colabora (TRENCH; MILLER, 2012). O sentimento do cientista de que não tem habilidade para esse tipo de comunicação prejudica sua disponibilidade para a popularização da ciência. Por isso merecem importância os programas de treinamento e orientações para relacionamento com mídia. Porém, Trench e Miller (2012) apontam que essa temática do treinamento não tem sido uma preocupação prioritária quando se discute a comunicação da ciência.

Os contrapontos também aparecem na literatura. Nisbet e Scheufele (2009) citam reuniões e fóruns deliberativos no Reino Unido que evidenciam que o cidadão aprende sobre aspectos técnicos, e sobre as implicações sociais, éticas e econômicas daquele tema científico. Assim, se torna mais confiante de participar de atividades deliberativas e motivado a fazê-lo no

futuro. Dizem que esses fóruns podem deixar os cientistas abertos às preocupações do público. Acrescentam, inclusive, a reflexão de que os cientistas podem aprender com o público. (BURNS et al., 2003). Eles podem desenvolver suas habilidades de comunicação, obter um retorno útil para novas ações e serem levados a refletir sobre pontos ainda não considerados.

Nesse sentido, os cientistas não podem ignorar que seus esforços de comunicação podem ser parte do problema de insucesso da relação ciência-sociedade, em vez de aterem-se à ideia de que algo está errado com o público (NISBET; SCHEUFELE, 2009). Jasanoff (2014) defende a capacidade do público para compreensão da ciência, dizendo que as pessoas podem não entender detalhes do funcionamento de uma máquina, por exemplo, mas entendem o suficiente para saber quando algo não está funcionando bem e quando um especialista deve ser procurado para resolver. Cita que grupos de pacientes, organizações ambientais e comunidades em risco podem aprender detalhes imbricados sobre a natureza de seus problemas e agir com conhecimento para resolver. Além disso, como diz Myers (2003), a repetida distinção entre público perito e público leigo é relativa. Fora de sua área de especialidade, o cientista é também um leigo, e precisa de mediações para compreender.

Jasanoff (2014) afirma que não é possível atribuir os casos de resistência errônea à ciência ao analfabetismo científico público. A recusa das pessoas em associar alterações climáticas a ações do homem, a rejeição de vacinas e aos alimentos geneticamente modificados na Europa têm relação com outros fatores, não ligados necessariamente ao conhecimento científico. Têm a ver com deslocamentos cívicos e desequilíbrios de poder, que envolvem até mesmo a cooptação do debate por grupos poderosos, ou mesmo com valores, conforme discutido na seção anterior.

Nisbet e Scheufele (2009) também ponderaram que a resistência do público ao que a ciência diz não pode ser atribuída à ignorância das pessoas. Relataram estudo de Bryan Wynne: após o desastre nuclear em Chernobyl, em 1987, os criadores de ovelha contestavam as advertências dos cientistas sobre a contaminação local do solo e do gado. Esse conflito foi depois atribuído ao filtro de sentimentos prevalentes naquele público, determinados pela história local, envolvendo erros de comunicação entre cientistas e agricultores no passado, que ameaçaram seu modo de vida. Esse histórico interferiu na resposta do público à ciência.

Como contraponto à ideia do público como caixa vazia, que precisa receber todas as informações vindas da autoridade científica para assimilá-las, há que se considerar e admitir, portanto, a existência de certa resistência crítica do público. Se ele fosse um quadro em branco, sujeito a assimilar irrefletidamente os conteúdos, não teríamos as diferentes posições das

pessoas diante das controvérsias científicas. (MYERS, 2003). É necessário que o cientista fique atento a essa evidência para que possa aperfeiçoar a relação.

Um exemplo de resistência do público é relatado por Franklin (2007), quando narra passagem de 1957, quando o Sputnik foi lançado e seu professor de ciências reuniu a turma para assegurar que aquilo era uma “mentira vermelha”. Argumentou que violava uma das leis básicas da Física: o que sobe deve descer.

Entretanto, é preciso ter em mente que não é possível esperar ingenuamente que, aumentando-se o conhecimento científico do público, as resistências serão quebradas. Os cientistas, na verdade, são convidados a trabalhar pela PC sabendo que ela contribuirá para o debate, mas não para consensos definitivos.

Makarovs e Achtergerg (2018) dizem que são as pessoas mais instruídas que levam a uma maior democratização da ciência, por meio do engajamento, por serem informadas, reflexivas e preocupadas em atuar. Por isso mesmo, são os primeiros a reconhecer os riscos da produção científica e a exigir meios para minimizá-los. O cidadão beneficiado pela PC será, portanto, mais crítico à própria ciência. O cientista precisa estar aberto a ver com bons olhos essa interação.

Outro ponto, abordado por Bauer e Gregory (2007), merece ser citado. O público percebe a lógica do marketing e da publicidade permeando a comunicação científica. Ele demonstra estar cansado desse tipo de manobra comunicativa. É outro motivador para as resistências: a desconfiança de que há segundas intenções por trás das divulgações.

As relações entre os atores dependem também de um outro ponto determinante: a