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Aspectos gerais da Teoria Social do Discurso proposta por Fairclough

2 POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA E COMUNICAÇÃO PÚBLICA DA

4.1 Aspectos gerais da Teoria Social do Discurso proposta por Fairclough

A ADC data do final dos anos 1980, surgindo na Europa como um dos desdobramentos da linguística crítica. É fruto notadamente dos trabalhos de Norman Fairclough, Ruth Wodak e Teun Van Dijk publicados nesse período, tornando-se atualmente uma abordagem teórico- metodológica muito utilizada na pesquisa social. De acordo com Pedrosa (2005), um marco dessa nova corrente linguística foi a publicação da revista de Van Dijk “Discourse and Society”, em 1990, embora a denominação da ADC seja de autoria de Fairclough, cuja vertente adotada é conhecida como Teoria Social do Discurso.

Tal perspectiva teórico-metodológica teve influências das perspectivas de Foucault (l997, 2003) e de Bakhtin (1997, 2002), que vincularam discurso e poder. Como asseveram Resende e Ramalho (2006), trata-se de uma abordagem teórico-metodológica que considera a linguagem conectada a outros elementos sociais, sendo capaz de mapear relações entre os recursos linguísticos utilizados por atores sociais e aspectos da rede de práticas em que a ação discursiva se insere. Nessa perspectiva, a análise do discurso vai além de considerar a gramática das sentenças, olhando para o texto para identificar como eventos são nele representados, como relações sociais são construídas e como hegemonias são estruturadas, reafirmadas e contestadas. Como argumenta Fairclough (2001), compreender a produção do discurso revela suas dimensões utilitárias, permite identificar a existência de uma rede simbólica de relações de poder e de dominação ideológica e faz o sujeito questionar as visões naturalizadas sobre os temas. É uma perspectiva que trabalha pela desconstrução ideológica de textos que integram as

práticas sociais, mostrando conexões e causas não evidentes e servindo à sociedade na medida em que desvela relações de dominação, possibilita a mudança social e a superação de relações assimétricas entre os atores, desde que esteja presente uma reflexividade crítica. Fairclough (1993) diz que, muitas vezes, essas relações entre ideologia, poder e discurso podem ser opacas para os envolvidos. A ADC permite aos sujeitos uma relação, como diz Orlandi (1995), menos ingênua com a linguagem.

A Análise Crítica do Discurso pretende, em suma, mostrar o modo como as práticas linguístico-discursivas estão imbricadas com as estruturas sociopolíticas mais abrangentes, de poder e dominação. De acordo com Fairclough (1989), a ADC pretende também “aumentar a consciência de como a linguagem contribui para a dominação de umas pessoas por outras, já que essa consciência é o primeiro passo para a emancipação”. (MARTINS, 2005, p. 314).

As reflexões do sujeito, por estarem embasadas nas informações que recebe, podem sustentar relações de dominação, com a naturalização de ideologias, mas podem também contribuir para a mudança social. Ao abarcar a possibilidade de mudança social, a ADC de Fairclough apoia-se na epistemologia do Realismo Crítico (RESENDE; RAMALHO, 2006), ontologia com a qual Habermas também flerta, embora não tenha sido uma preocupação expressa sua discuti-la. Habermas (2007, p. 47) diz que é um realista nas questões epistêmicas e um construtivista nas questões morais, “um realista segundo viés pragmático”. O realismo crítico não se dedica às práticas de linguagem em si, mas a suas relações com o que é exterior. Assim, o discurso é prática social indissociável de todas as outras.

Segundo Chouliaraki e Fairclough (1999), a ADC parte da percepção de um problema normalmente relacionado a relações de poder, a assimetrias na posse de recursos materiais ou simbólicos e à naturalização de discursos. Em seguida, o método exige identificação dos obstáculos que impedem a superação do problema e de elementos da prática social que o perpetuam. Aqui são necessárias análises da conjuntura, da prática em questão e análise do discurso. Num terceiro momento é preciso entender qual é a função daquele problema na prática. Finalmente, as análises permitem uma quarta etapa, que versa sobre os modos pelos quais os obstáculos podem ser vencidos, fechando-se o processo com a análise reflexiva dos achados.

Dessa forma, a ADC, inserida na ciência social crítica, busca não só descrever as sociedades e seus sistemas, instituições e organizações, como também se guia pelo ideal de boa sociedade, sobre o parâmetro de como a sociedade deve ser. É, portanto, normativa e explicativa. O objetivo é abrir caminhos para o enfrentamento das dificuldades e para a mudança.

Um ponto importante na ADC são as concepções de ideologia e hegemonia. A ideologia, para Fairclough (2001), tem sua existência material nas práticas das instituições e tem participação na constituição dos sujeitos. Estrutura-se a partir da naturalização e desnaturalização de ideias e há casos em que se sustenta por meio do disfarce da natureza ideológica que possui, fazendo-se confundir com o senso comum (FAIRCLOUGH, 2016). Resende e Ramalho (2006) explicam que quanto menos visível é a ideologia, mais ela predomina. À medida que a pessoa se torna consciente de que algo que está no senso comum sustenta um projeto de poder, mais sujeito esse algo estará a perder sua condição de senso comum e ser questionado. Fazendo aqui uma relação com Habermas (2015), diremos que isso ocorre quando um tema sai do pano de fundo do mundo da vida e ganha o primeiro plano, é problematizado, suas pretensões de validade são questionadas, levando à possibilidade de formação de uma consciência crítica dos sujeitos e de influência sobre decisões políticas.

Há que se ressalvar que a ADC não pressupõe que a ideologia domine os textos, mas apenas traços dela estão neles. Isso porque os sentidos são produzidos também no processo de interpretação. Fairclough (2001) diz também que nem todos os textos são ideológicos, ou não são ideológicos em igual medida. O investimento da ideologia nas práticas discursivas se dá na medida em que a pretensão é manter ou reestruturar as relações de poder, de dominação. Se a sociedade transcende essa pretensão, faz o mesmo com as ideologias. Podemos refletir aqui, novamente recorrendo a Habermas (2012), que a TAC ocorre nessa condição – em que o imperativo não é a manutenção ou conquista do poder, mas a busca do entendimento.

Sobre a posição do discurso para a ADC, é necessário ter em mente sua relação com a prática social e os significados sociais que ele pode construir. O discurso na ADC é um momento da prática social, um momento de ação sobre o mundo, a sociedade e as estruturas existentes. Ele mesmo traz em si traços dessa prática. Ao mesmo tempo, as estruturas (identidades sociais, relações sociais e sistemas de conhecimento e crenças) organizam a produção discursiva da sociedade e cada novo discurso é uma ação individual sobre essas estruturas (FAIRCLOUGH, 2001).

A Teoria Social do Discurso segue um modelo analítico tridimensional, englobando texto, prática discursiva e prática social. No texto são avaliados gramática, vocabulário, coesão, estrutura textual, etc. Já a prática discursiva diz respeito aos processos de produção do texto, de distribuição, de consumo, coerência, textualidade. Na dimensão prática social, entram na análise o contexto, com as ideologias de base e as hegemonias.

Podemos posicionar os processos de PC/CPC como práticas sociais, e também como práticas discursivas da interação ciência-sociedade. Neste ponto, lembramos que Fairclough

(2001, p. 99) garante que é possível que a prática social seja inteiramente compreendida pela prática discursiva.

No que se refere aos significados passíveis de serem analisados no discurso, Fairclough (2003) considera para a linguagem as três macro funções de Halliday para identificá-los. São eles os significados acional (texto como modo de ação social), o representacional (representação dos aspectos do mundo) e o identificacional (negociação de identidades no discurso). Assim, os textos simultaneamente representam a realidade, ordenam as relações sociais e estabelecem identidades (FAIRCLOUGH, 2001). O uso da linguagem é sempre simultaneamente constitutivo de 1) identidades sociais 2) relações sociais e 3) sistemas de conhecimento e crenças. Tal proposição se assemelha bastante aos componentes do mundo da vida de Habermas (personalidade, sociedade e cultura).

Outro aspecto contemplado pela ADC é a intertextualidade, que se refere heterogeneidade comum nos textos, tanto pela mistura de gêneros quanto de discursos. Ela apresenta os textos no presente como transformadores do passado. Um texto traz em si vários fragmentos de outros textos, que podem estar identificados e explícitos - o que Fairclough (2001) nomeia de intertextualidade manifesta - ou podem estar mesclados no novo texto, seja por referências que os negam, ironizam, reafirmam, ou até mesmo pelo uso de pressuposições – é a "interdiscursividade ou intertexutalidade constitutiva" (FAIRCLOUGH, 2001, p.114). A intertextualidade refere-se, assim, à historicidade dos textos, pois mostra que há cadeias de comunicação verbal que vão estendidas à medida que novos textos são construídos e respondem aos anteriores. A análise intertextual faz uma ponte entre as dimensões do texto e da prática discursiva (FAIRCLOUGH, 1995). Trata-se de uma arte interpretativa, operada a partir do julgamento e da experiência do analista, porque não há procedimentos automáticos para identificação de outros discursos.

Se a interdiscursividade permite pensar na criatividade ilimitada da prática discursiva (como diferentes combinações de discursos e gêneros), eis que essa criatividade é restrita pelo estado em que se encontram as relações hegemônicas - quanto mais estável a hegemonia, menor a possibilidade criativa para as práticas discursivas. Dependendo da combinação entre hegemonia e interdiscursividade, podem se dar as condições para a mudança social e cultural. Uma reflexão importante, que não pode estar ausente, é sobre as tendências contemporâneas que afetam o discurso, de acordo com Fairclough: interessa-nos, particularmente, em nossa pesquisa, a democratização. Martins (2005), resenhando Magalhães, diz que a democratização se relaciona a uma redução das desigualdades presentes no discurso e no uso da língua entre grupos de pessoas. Fairclough (1993) considera que há mudanças que

afetam as ordens do discurso contemporâneas, entre elas o fato de que há uma natureza cada vez mais negociada das relações. A demanda por capacidade dialógica encontra-se altamente desenvolvida e isso materializa-se nos discursos, que incorporam traços de democratização para atender a essa necessidade de diálogo. Entretanto, não deixa de haver o risco de os detentores do poder se apropriarem de práticas de democratização, utilizando-as para perpetuar suas posições, com objetivos estratégicos.

O autor defende que, para lidarem com essa complexidade, os cidadãos devem desenvolver uma consciência crítica da linguagem e das práticas discursivas, isso como requisito básico para a cidadania democrática e como prioridade para a educação linguística. Conclama, assim, uma virada crítica, social e histórica. Fairclough (1993) menciona o postulado de Habermas sobre colonização do mundo da vida pela economia e pelo Estado, quando se priorizam práticas estratégicas, em detrimento das práticas comunicativas, chamando a atenção para a necessidade de se desvelar essas relações no discurso.