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Vygotski (1996), para fundamentar suas pesquisas sobre o desenvolvimento ontogenético do ser humano e para refutar os métodos de pesquisas utilizados na sua época tanto pelas teorias biologicistas, que concebem o desenvolvimento como uma simples maturação biológica, quanto pelas teorias “espiritualistas” [idealistas ou metafísicas] ou mecanicistas, fundamentadas na visão idealista hegeliana, propõe o método genético experimental (microgenético) para explicar o desenvolvimento psicológico humano como processo histórico-social que usa as categorias do materialismo histórico dialético.

As questões problemáticas sobre formação e desenvolvimento das Funções Psíquicas Superiores, a formação da personalidade, do pensamento, da memória etc., colocadas pelas outras psicologias ou pedagogias, em sua época, não eram respondidas adequadamente porque o método que aplicavam não conseguia chegar à essência mesmo do problema, às interconexões existentes entre os objetos e os fenômenos da realidade.

Para Vygotski, (1996), é fundamental que:

La búsqueda del método se convierte en una de las tareas de mayor importancia de la investigación. El método, en este caso, es al mismo tiempo premisa y producto, herramienta y resultado de la investigación. […] La total revelación del método deberá ser el objetivo de toda la obra en su conjunto.

[…] El problema del método es el principio y la base, el alfa y el omega de toda la historia del desarrollo cultural del niño (VYGOTSKI, 1996, p.47).

Por isso, Vygotski (1996) argumenta que o pesquisador deve utilizar um método para subsidiar suas pesquisas, de forma a mostrar as peculiaridades dos objetos de estudo e dos fenômenos da realidade. Para Vygotski (1996), o método não é só um procedimento, deve possuir essencialidade teórica e revelar essa essência, direcionando a pesquisa.

Vygotski (1996) propõe um método que abarque todos os tipos de pesquisas e distintas abordagens metodológicas capazes de responder à origem das Funções Psíquicas Superiores por meio das relações histórico-sociais, corroborando com que a existência humana é socialmente mediada pelos produtos humanos, pelos signos e pelas ferramentas.

Uma pesquisa que não tenha bem claro o seu método se candidata ao fracasso porque, segundo Vygotski (1996), o método auxilia o pesquisador a desmembrar o objeto de estudo e os fenômenos da realidade em unidades interconectadas com os objetivos primordiais de toda pesquisa, ou seja, o de apreender e o de aprofundar as partes essenciais do objeto de conhecimento. Além disso, o método sistematiza esse conhecimento produzido, expressando a unidade dialética em conceitos, da perspectiva da generalização.

Para Vygotski (1996), o método que capta as interconexões e a essência dos objetos e fenômenos da realidade é o materialismo histórico-dialético porque:

Estudiar algo históricamente significa estudiarlo en movimiento. Esta es la exigencia fundamental del método dialectico. Cuando en una investigación se abarca el proceso de desarrollo de algún fenómeno en todas sus fases y cambios, desde que surge hasta que desaparece, ello implica poner de manifiesto su naturaleza, conocer su esencia, ya que sólo en movimiento demuestra el cuerpo que existe. Así pues, la investigación histórica de la conducta no es algo que complementa o ayuda el estudio teórico, sino que constituye su fundamento (VYGOTSKI, 1996, p. 67-68).

Os objetos e fenômenos da realidade devem ser estudados em movimento, ou seja, por meio da sua dimensão histórica e não como história apenas do passado. Trata- se, pois, da história interconectada entre o passado e o presente, como processo para captar o devir e não como produto já acabado. Assim, analisar os objetos e fenômenos da realidade na perspectiva de processo é captar-lhes a essência por meio das relações

dinâmico-causais, como forma de compreender o essencial e não apenas as aparências. Para estudarmos o objeto da pesquisa em movimento é necessário utilizarmos a lógica dialética, fundamentada nas categorias do materialismo histórico-dialético. Estudar algo em movimento pressupõe analisar o seu processo de desenvolvimento, por intermédio do método de ascensão do abstrato ao concreto pensado.

A historicidade dos objetos e dos fenômenos da realidade é a grande descoberta de Vigotski (1996) para solucionar a crise da psicologia da sua época. Historicidade está relacionada com a materialidade, daí que:

A partir de agora nos manteremos nessa via para nossa análise: partiremos de uma série de fatos, ainda que só se trate de fatos de caráter muito geral e abstrato (como tal o qual sistema psicológico e seu modelo, as tendências e o destino de diferentes teorias, estes ou aqueles métodos de conhecimento, categorizações científicas e esquemas etc.). Não os trataremos do ponto de vista da lógica abstrata, puramente filosófica, mas como determinados fatos da história da ciência. Ou seja, como acontecimentos concretos, historicamente vivos. (VIGOTSKI, 1996, p.210).

Os acontecimentos históricos não podem ser analisados da perspectiva da lógica formal porque esta lógica está fundamentada nas leis empíricas e, como tal, só consegue abstrair ou desmembrar os objetos ou fenômenos da realidade por meio das sensações e percepções que tem sobre eles. O que propõe Vigotski (1996) com seu método é ver e analisar esses acontecimentos como sendo concretos e historicamente constituídos. O sentido histórico, também, nos leva a compreendê-lo num sentido social porque acontece dentro de um contexto social.

Vigotski (1996) argumenta que a única solução para os problemas da psicologia da época é da perspectiva da lógica histórico-dialética, que por meio do processo de ascensão do abstrato ao concreto pensado se pode chegar a explicar a essência dos objetos e fenômenos da realidade.

O método materialista histórico-dialético se compõe de duas vias imprescindíveis para Vigotski (1996): o conhecimento material e a sua lógica como dialética, ou seja:

Para ele [Biswanger] as relações entre as ciências não estão determinadas por seu desenvolvimento histórico nem pelas exigências da experiência científica (isto é, pelas exigências da própria realidade que se conhece através da ciência), mas pela estrutura lógico-formal dos conceitos. [...] Basta adotarmos a perspectiva realista-objetiva – isto é, materialista em

gnosiologia e dialética em lógica – na análise teórica do conhecimento científico para que aquela teoria se torne inviável. Esse novo enfoque nos indica que a realidade determina nossa experiência; que a realidade determina o objeto da ciência e seu método, e que é totalmente impossível estudar os conceitos de qualquer ciência prescindindo das realidades representadas por esses conceitos. F. Engels assinala várias vezes que para a lógica dialética a metodologia das ciências é o reflexo da metodologia da realidade. [...] ‘A dialética subjetiva, o pensamento dialético não é mais do que um reflexo do devir através de contradições (...)’ [...] aqui aparece claramente a exigência de levar em consideração a dialética objetiva da natureza na hora de investigar a dialética subjetiva em tal ou qual ciência, ou seja, o pensamento dialético (VIGOTSKI, 1996, p.246).

Nesta citação de Vigotski (1996) notamos como atribui a crise da psicologia ao método que se usava na sua época, e critica o método da lógica formal porque não consegue relacionar os processos históricos com os métodos da ciência fundamentada nessa lógica formal. Para Vigotski (1996), o problema da ciência da sua época é a análise dos objetos da Psicologia desconectada de perspectiva histórica e dialética. Para solucionar esse problema, propõe o método da lógica dialética – perspectiva realista- objetiva – na qual a sua teoria de conhecimento se fundamenta no materialismo e sua lógica na dialética. Desta forma, Vigotski (1996) propõe um salto qualitativo na ciência psicológica, porque mostra que os objetos e fenômenos da realidade determinam a experiência humana, o objeto da ciência e seu método. Segundo Vigotski (1996), não há como separar a realidade histórica da ciência, de seus procedimentos como forma de desmembrar o objeto da ciência e conhecer sua essência num processo histórico. Assim, a superação do problema de crise da Psicologia pode ser atingida quando:

Somente a renúncia radical ao empirismo cego, que persegue as sensações introspectivas diretas e está cindido internamente em dois; somente a emancipação da introspecção, sua exclusão de um modo parecido a como foram ignorados os olhos em física; somente a ruptura em duas psicologias e a escolha entre ambas de uma só oferecem a saída para a crise. A unidade dialética da metodologia e da prática com a psicologia constitui o destino e a sorte de uma dessas psicologias; a completa renúncia à prática e a contemplação das essências ideais são a sorte e o destino da outra; a ruptura total e a separação entre ambas são a sorte e o destino comum que espera a ambas (VIGOTSKI, 1996, p.353).

Vigotski (1996) rejeita o empirismo como método da Psicologia porque se fundamenta nos dados resultantes das sensações, percepções e representações, sendo que partindo destes dados é impossível ao empirismo chegar à essência dos objetos e

dos fenômenos porque o empirismo não apreende essa essência em movimento e dentro de um contexto histórico de desenvolvimento.

A única saída para esta crise da Psicologia, segundo Vigotski (1996), é entre a unidade dialética da teoria e da práxis, ou seja, a junção entre o método e a metodologia fundamentados nos pressupostos do materialismo histórico-dialético.

Desta forma, Vigotski (1996) rejeita todo método e metodologia que se fundamenta na lógica formal, denunciando ao mesmo tempo, que muitos deles dizem que são diferentes, porém, ao analisá-los verificou que estão fundamentados sempre nos princípios da lógica formal, na qual os objetos de estudo e fenômenos da realidade não são objetivos. E para a lógica dialética, os objetos e fenômenos da realidade existem de forma objetiva, independente da nossa consciência, sendo todo cognoscíveis.

Depois de rejeitar as diversas formas de idealismo e materialismo mecanicista para resolver a crise da Psicologia, Vigotski (1996) fundamenta que a solução a essa crise só pode dar-se por meio do materialismo histórico-dialético do marxismo, como método e metodologia:

Se nos lembrarmos do que dissemos anteriormente sobre o método indireto, poderemos nos dar conta facilmente de que a análise e o experimento pressupõem o estudo indireto: através da análise dos estímulos chegamos finalmente a desvendar o mecanismo da reação; pela análise do destacamento, interpretamos o movimento dos soldados; pela forma da fábula, podemos compreender as reações que esta causa. Em essência, é o mesmo que diz Marx quando compara a força da abstração com o microscópio e com os reagentes químicos nas ciências naturais. Todo O

capital está escrito segundo esse método: Marx analisa a “célula” da

sociedade burguesa – a forma do valor da mercadoria – e mostra que é mais fácil estudar o organismo desenvolvido do que a célula. Nesta lê a estrutura de toda a construção e de todas as formas econômicas. Para o leigo, diz ele, pode parecer que sua análise se perde num labirinto de sutilezas. E, com efeito, são sutilezas; do mesmo tipo que nos apresenta, por exemplo, a anatomia micrológica (K. Marx e F. Engels, Obras, t.23, p.6). Se alguém conseguisse descobrir essa célula em Psicologia – o mecanismo de uma reação –, teria encontrado a chave de toda a Psicologia (VIGOTSKI, 1996, p.374).

Desta forma, Vigotski (1996) apresenta a sua nova Psicologia Geral fundamentada nos pressupostos do materialismo histórico-dialético, contrapondo-se a toda ciência que tem como base o idealismo. Fundar O Capital da Psicologia, desde a perspectiva do método marxista, é desvelar a célula unitária, a essência dos objetos e dos fenômenos da realidade. Marx descobre a célula do seu Capital no valor como força motriz do capitalismo. Assim, a nova Psicologia deve buscar a sua célula unitária para

explicar o desenvolvimento psíquico do ser humano. Para Vygotski (1991) essa célula seria a linguagem:

A dialética abarca a natureza, o pensamento, a história: é a ciência em geral, universal ao máximo. Essa teoria do marxismo psicológico ou dialética da Psicologia é o que eu considero Psicologia Geral. (VIGOTSKI, 1996, p.392- 393).

No entanto, Vigotski (1996, p. 395) esclarece que:

Não quero receber de lambuja, pescando aqui e ali algumas citações, o que é a psique, o que desejo é aprender na globalidade do método de Marx como se constrói a ciência, como enfocar a análise da psique. (VIGOTSKI, 1996, p.395).

Vigotski (1996) radicaliza com a expressão “marxista”, porque essa expressão já traz intrinsecamente ser materialista histórico-dialetico, desta forma:

Um marxista-historiador nunca diria: “história marxista da Rússia”. Consideraria que isto se depreende dos próprios fatos. “Marxista” é para ele sinônimo de “verdadeira, científica”; não reconhecemos outra história a não ser a marxista. E para nós a questão deve ser formulada assim: nossa ciência se tornará marxista na medida em que se tornar verdadeira, científica; e é precisamente à sua transformação em verdadeira, e não a coordená-la com a teoria de Marx, que nos dedicaremos. [...] A Psicologia marxista não é uma escola entre outras, mas a única Psicologia verdadeira como ciência; outra Psicologia, afora ela, não pode existir. E, pelo contrário: tudo que já existiu e existe de verdadeiramente científico na Psicologia faz parte da Psicologia marxista: esse conceito é mais amplo que o de escola e inclusive o de corrente. Coincide com o conceito de Psicologia científica em geral, onde quer que se estude e seja quem for que o faça (VIGOTSKI, 1996, p.415).

Para ele, ser marxista é usar o método e a metodologia fundamentados no próprio materialismo histórico-dialético. Ser marxista é ver os objetos e fenômenos exteriores à própria consciência humana, ver que a realidade em si é objetiva e não produto da manifestação consciente do psiquismo humano é, enfim, apreender a essência num processo histórico e dialético por meio das contradições que se dão neles.

Desta forma, Vigotski (1996, p.416) conclama a nova Psicologia marxista:

Ele conclama uma Psicologia como ciência, com seus próprios objetos e fenômenos da realidade, independente de qualquer outra ciência, tanto idealista como materialista mecanicista. (VIGOTSKI, 1996, p.416).

A nova Psicologia de Vygotski se diferencia das outras psicologias da sua época porque descobre que o desenvolvimento do psiquismo humano se concretiza pela influência do exterior que, num processo dialético, se internaliza no próprio psiquismo humano desenvolvendo suas próprias Funções Psíquicas Superiores. Desta forma, o exterior é internalizado por meio dos signos e ferramentas, de forma dialética.

Tendo essa Psicologia seu alicerce no materialismo histórico-dialético possui uma missão fundamental:

Com esse nome nossa ciência entrará na nova sociedade, no limiar da qual começa a se estruturar. Ser donos da verdade sobre a pessoa e da própria pessoa é impossível enquanto a humanidade não for dona da verdade sobre a sociedade e da própria sociedade. Ao contrário, na nova sociedade nossa ciência se encontrará no centro da vida. “O salto do reino da necessidade ao reino da liberdade” colocará inevitavelmente a questão do domínio de nosso próprio ser, de subordiná-lo a nós mesmos. [...] Na futura sociedade, a

Psicologia será, na verdade, a ciência do homem novo. Sem ela a

perspectiva do marxismo e da história da ciência seria incompleta (VIGOTSKI, 1996, p.417).

O objetivo crucial e mais importante desta nova Psicologia fundada na escola vygotskiana é a constituição de uma nova sociedade por meio de um novo ser humano que domine suas características biológicas, que forme e desenvolva a sua personalidade e sua conduta por meio da formação e desenvolvimento das suas Funções Psíquicas Superiores, tais como: atenção, percepção, memória, pensamento e linguagem.