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Esse foi nosso primeiro encontro gravado em vídeo. Preferimos iniciar como esse tipo de gravação apenas quando os participantes se sentissem à vontade com o grupo e com sua dinâmica. Foi possível notar que os participantes se sentiram apreensivos apenas nos momentos iniciais da filmagem, depois se acostumaram com a presença do equipamento e voltaram ao seu comportamento usual.

Roseli havia proposto que discutíssemos o material que ela havia visto, referente à construção de gráficos pelas professoras em uma das escolas em que realizara seu estágio. Roseli conseguiu trazer o material para a reunião do grupo, conforme propôs.

Constituíram-se, então, como material de análise nesse encontro, cinco gráficos, apresentados na forma de cartaz, em papel do tipo kraft. Nosso objetivo foi analisar o trabalho realizado pelas professoras da escola na qual Roseli estava fazendo estágio, discutindo-o formativamente.

Roseli iria coordenar as discussões, mas, como previu um pequeno atraso seu, deixou o material (cartazes) previamente na sala em que nos reuniríamos. Então fomos abrindo os cartazes de forma aleatória.

As discussões começaram com um gráfico que, de acordo com a indicação, no alto do papel, era do 5.º ano (Figura 9).

Figura 9: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (I)

Fonte: Arquivo da pesquisadora.

Nossas indagações começaram a respeito “do que tratava o gráfico”. Como ele não trazia um título, mas apenas “5.º ano A”, foi levantado que ele podia tratar do “esporte preferido dos estudantes” “do esporte praticado pelos estudantes” ou ainda “do esporte conhecido pelos estudantes”, pois ele continha um quadro que listava os esportes futebol, natação e judô. Nossas discussões se focaram na importância do título, da autoria e da data em que foi realizado, numa situação como essa, em que se sintetizam informações para o outro, alguém que terá acesso àquelas informações.

As mesmas indagações se repetiram no gráfico seguinte, que foi continha 4.º ano (Figura 10) e 2.º ano (Figura 11)

,

e outras indagações também surgiram. Perguntamo-nos onde havia sido realizada a pesquisa. Qual a escola? Qual a cidade? Quando? Mencionamos a importância dessas informações para a leitura do gráfico, conforme as imagens e a transcrição de arquivo de vídeo:

Figura 10: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (II)

Fonte: Arquivo da pesquisadora.

Figura 11: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (III)

Keli: Gráfico do 4.º ano A.

Eduardo: Falta um título. Não sabermos se é o esporte preferido, se é

o esporte praticado...

Silvana: Ou o que eles mais conhecem. Se for comparando com a

outra classe, pode ser o que eles conhecem.

Roseli: Se for o que eles praticam... Acho que não... Esgrima? Kung

Fu?

Keli: De onde será que é? Será que é de Atibaia mesmo? Será que a

Roseli faz estágio aqui em Atibaia? Porque tem muitas cidades aqui vizinhas.

Eduardo: Em São Paulo acho que teria esgrima para crianças, mas

em Atibaia?

Keli: Em Atibaia? Tem?

Silvana: Para praticar? Acho que não. Até Kung Fu eu acho que não

tem...

Keli: Parece que é irrelevante, mas tudo isso são informações que

ajudam a ler as informações. (Arquivo de vídeo da pesquisadora.

Intervalo de tempo 0:2:08 a 0:3:30).

Nesse momento das discussões, ainda que não explicitamente, era perceptível a abordagem do letramento estatístico. Estávamos discutindo elementos importantes do gráfico, mas principalmente o que Gal (2002) chama de “elemento de conhecimento” e, mais especificamente, “conhecimento contextual”, ou seja, a base para a interpretação dos resultados obtidos com sentido e a forma como isso faz sentido no contexto apresentado. De acordo com Watson (2006), muitas vezes esse contexto é esquecido nas definições apresentadas nos livros didáticos, mas é importante para relacionar os elementos presentes no currículo escolar com o letramento estatístico requerido fora da sala de aula.

Notamos também que as construções foram feitas pelos estudantes, “manualmente” e apresentavam indícios de que estavam em desenvolvimento com relação à construção de gráfico, usando régua, lápis e papel, ainda apresentando dificuldades em lidar com esse registro, numa escala de “cartaz” para ser apresentado na escola. Mas consideramos que saber construir um gráfico usando régua ou usando recursos computacionais não é o suficiente para caracterizar o aprendizado, quando pensamos no letramento estatístico.

Depois de observarmos novamente os três gráficos é que levantamos a possibilidade de que uma turma, a do 4.º ano, dividida em grupos de

estudantes, houvesse pesquisado as outras turmas da escola, sintetizando a informação em gráficos que se intitulavam “5.º ano”, 4.º ano” e “2.º ano”. Foi nesse momento que Roseli chegou à reunião e pôde nos esclarecer: tratava-se de uma proposta desenvolvida pelos estudantes de uma escola rural da cidade da Atibaia. No bairro em que se localiza a escola, não há acesso à internet. A professora do 4.º ano do Ensino Fundamental propôs aos estudantes pesquisarem o “esporte preferido”, tendo como universo a escola (período da manhã). Cada grupo de estudantes levantou dados com uma sala da escola e apresentou os resultados na forma de um cartaz. Toda a pesquisa foi então sintetizada posteriormente numa tabela (Figura 12) e também apresentada num cartaz; depois disso, houve a construção de outro gráfico (Figura 13).

A partir dessas informações, os gráficos fizeram sentido para os participantes do grupo.

Figura 12: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (IV)

Figura 13: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (V).

Fonte: Arquivo da pesquisadora.

Como foi uma gentileza das professoras da escola ceder os cartazes, nos contentamos em trabalhar com o que nos foi oferecido, mas, observando a tabela e o número de estudantes “entrevistados”, constatamos que não tínhamos todos os cartazes produzidos.

Consideramos que o momento se constituiu, para os estudantes da escola, numa tentativa, por parte da professora, de abordar o letramento conectado com o contexto esportivo e com as mudanças atuais, utilizando várias linguagens, na perspectiva dos multiletramentos.

Nossas discussões seguintes foram a respeito de como realizar um trabalho como esse, buscando formas de trabalhar melhor, ou seja, pensando num trabalho melhor com os estudantes, caminhando para o letramento estatístico, e em mudanças de práticas mais tradicionais com as quais tinham contato até então. Sugeri situações pedagógicas que pudessem oportunizar, principalmente, o envolvimento com pesquisa e leitura que nos auxiliasse em relação ao conhecimento da Estatística, porém de forma integrada com outras situações e não de modo isolado, pois, de acordo com Lopes (1998, 2008a), os

contextos interdisciplinares poderão proporcionar a aquisição de conhecimentos menos compartimentalizados.

Keli: Se eu fosse essa professora e tivesse trabalhando isso com as

crianças. Pesquisei o assunto preferido e acabou a história aí...

Silvana: Tinha que dar uma continuidade como a história dos animais

possíveis, né? Não seria legal?

Keli: O que ela poderia fazer?

Eduardo: Organizar um campeonato, por exemplo.

Keli: Ir assistir uma partida... de futebol, por exemplo. De repente,

fazer uma pesquisa sobre o futebol... É possível trabalhar com várias práticas que envolvem a leitura e a escrita. Então o trabalho com Estatística não morre com o gráfico, ele dá possibilidade para outras coisas. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:7:43

a 0:9:09).

Pensando na continuidade do trabalho com os estudantes, Eduardo sugeriu que eles poderiam anotar as conclusões sobre o gráfico no caderno, e Silvana indicou o papel quadriculado para a reprodução ou a construção dos gráficos. Cogitou também que poderiam ter escolhido um esporte para “conhecer melhor”, e, nesse caso, a professora poderia fazer pesquisas na internet, fora do bairro, para subsidiar o trabalho dos estudantes. Para finalizar, depois de conhecermos um pouco o contexto da escola, que é cercada de chácaras, discutimos se a pesquisa sobre esportes seria a melhor temática a ser trabalhada com os estudantes. Deixamos como perguntas finais: Será que a temática da pesquisa poderia ter sido escolhida por eles, os estudantes? Será que, dessa forma, poderia ter sido valorizado mais o contexto local?

Nossas discussões se centravam nos multiletramentos, buscando definir o que se constituiria como um letramento estatístico adequado ao contexto dessa escola. Tentamos, ainda, muito timidamente, pensar num novo design, que, segundo Bevilaqua (2013), é um eixo estruturador da teoria dos multiletramentos; ou seja, tentamos pensar numa nova forma de construção de significados pelos estudantes, dando continuidade ao ciclo explicitado a seguir. De acordo com Bevilaqua (2013), consideramos que partimos do design disponível (os cartazes), passamos para o próprio processo, ou seja, reconstruímos a partir do design disponível, gerando novas construções da

realidade, resultando num novo design disponível, fazendo surgir nova fonte de construção de sentido. E, a partir disso, a partir desse novo design, o ciclo se repetiria.