• Nenhum resultado encontrado

3 A TRAJETÓRIA TEÓRICO-METODOLÓGICA

3.4 Análise dos dados

“... saber ouvir o mato crescer, isto é, estar atento a coisas simples e pequenas. Gerir o saber estabelecido e atinar com o que está prestes a nascer...”

64

A análise de dados foi feita com base no referencial de Bardin (2008), utilizando-se a técnica do emprego da Análise de Conteúdo Temática, ou seja, uma análise dos “significados”.

Segundo Bardin (2008, p. 44), Análise do Conteúdo é

um conjunto de técnicas de análise das comunicações que visa, através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores, quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. O objeto da Análise de Conteúdo é a fala, isto é, o aspecto individual e atual da linguagem. Ao trabalhar a fala, quer dizer, a prática da língua realizada por emissores identificáveis, o pesquisador/intérprete procura conhecer aquilo que está atrás das palavras sobre as quais se debruça. A análise de conteúdo é uma busca de outras realidades mediante mensagens (BARDIN, 2008).

As fases da realização da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2008) adotadas neste estudo são:

1ª fase – A Pré-Análise

a) A preparação do material: O diário de campo onde as notas foram efetuadas diariamente pela pesquisadora, após o período da observação. As 35 entrevistas gravadas foram transcritas na íntegra pela pesquisadora, exceto sete, que foram conferidas pela pesquisadora mediante a leitura confrontada à gravação. As gravações foram conservadas para informações paralinguísticas – informações de qualquer som ou qualidade de voz que acompanha a fala e revela a situação em que o falante se encontra: se ele está bem, mal, alegre, triste, cansado etc. A entrevista transcrita foi levada ao participante para leitura e avaliação de sua integridade; todas as folhas foram rubricadas e datadas pelo informante, conferindo-lhe validação. As 230 páginas do diário de campo e as 35 entrevistas transcritas em 100 páginas constituem “o corpus da pesquisa que é o conjunto dos documentos tidos para serem submetidos aos procedimentos analíticos” (2008, p. 122).

b) Leitura flutuante e globalizada dos dados: por meio da qual o conteúdo vai se tornando mais claro. Corresponde a um período de intuições e tem por objetivo tornar operacional e sistematizar as ideias iniciais, direcionando o desenvolvimento das operações sucessivas, tendo em vista a análise. É o momento de “conhecer o texto deixando-se invadir por impressões e orientações. Pouco a pouco, a leitura vai se tornando mais precisa, em função de hipóteses emergentes, da projeção de teorias adaptadas sobre o material” (2008, p. 122).

2ª fase – A exploração do material

1) A Codificação: “tratar um material é codificá-lo. A codificação corresponde a uma transformação – efetuada sobre regras precisas – dos dados brutos do texto”, transformação realizada por “recorte, agregação e enumeração, permitindo atingir uma representação do conteúdo, ou de sua expressão” (2008, p. 129). Após a leitura globalizada, realiza-se um recorte do texto em suas partes, para serem categorizadas e classificadas com vistas a uma decodificação do significado das partes em relação com o todo. Trabalha-se com a elaboração e a seleção de um ou vários temas ou itens de significação em uma unidade de codificação: a) A Unidade de Registro é “a unidade de significação a codificar e corresponde ao segmento de conteúdo a considerar como unidade de base, visando a categorização” (2008, p. 130). Consiste em executar certos recortes em nível semântico – isto é, significativo – o “tema”.

O tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura. [...] Fazer uma análise temática consiste em descobrir os “núcleos de sentido” que compõem a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido (BARDIN, 2008, p. 131). b) A Unidade de Contexto,

serve de unidade de compreensão para codificar a unidade de registro e corresponde ao segmento da mensagem, cujas dimensões (superiores às da unidade de registro) são ótimas para que se possa compreender a significação exata da unidade de registro. Esta pode, por exemplo, ser a frase para a palavra e o parágrafo para o tema (BARDIN, 2008, p. 133).

Na Análise de Conteúdo a compreensão exata do significado é capital,

donde a importância do contexto. Contexto da mensagem, mas também contexto exterior a este: quais serão as condições de produção, ou seja, quem é que fala a quem e em que circunstâncias? Qual será o montante e o lugar da comunicação? Quais os acontecimentos anteriores ou paralelos? (BARDIN, 2008, p. 141).

Nesse sentido, afirmo a importância de minha inserção no campo de pesquisa, a convivência com os atores sociais e a aproximação com a realidade vivenciada por eles. A necessidade desse contexto exterior à mensagem, citado pela autora acima referenciada, denota a importância da observação como fonte de evidência para a triangulação dos dados neste estudo.

2) A Categorização é

uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com

66

os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão das características comuns destes elementos (BARDIN, 2008).

Neste estudo, o critério de categorização foi o semântico, ou seja, a significação. “O que caracteriza a análise de conteúdo qualitativa é o fato de a ‘inferência’ – sempre que realizada – ser fundada na presença do índice (tema, palavra, personagem, etc), e não sobre a frequência de sua aparição, em cada comunicação individual” (2008, p. 142). Inferir é deduzir, de maneira lógica, conhecimentos sobre o emissor da mensagem ou sobre seu meio, uma operação onde o analista admite uma proposição em virtude de sua ligação com outras proposições já aceitas como verdadeiras.

A “descrição, ou seja, a enumeração das características do texto, resumida após tratamento, é a primeira etapa necessária à análise de conteúdo”. A “interpretação, isto é, a significação concedida a essas características, é a última fase da análise de conteúdo”, portanto a “inferência é o procedimento intermediário que vem permitir a passagem, explícita e controlada, de uma a outra” (2008, p. 41).

3ª fase – O tratamento dos resultados obtidos e a interpretação: foram processados conforme os objetivos previstos ou os referentes a novos achados na pesquisa e a discussão com a literatura existente. “Os resultados em bruto foram tratados de maneira a serem significativos, ‘falantes’, e válidos” (2008, p. 127).

Os dados do diário de campo constituem um capítulo desta tese e foram utilizados também com o objetivo de corroborar com a análise das entrevistas da investigação. Segundo Minayo (2006), é exatamente esse acervo de impressões e notas sobre as diferenciações entre falas, comportamentos e relações que podem tornar mais verdadeira a pesquisa de campo. A triangulação de técnicas e instrumentos favorece a qualidade e a profundidade das análises. As descrições foram abordadas em momentos oportunos da análise e utilizadas como fundamentação dos dados empíricos registrados.

Após uma interpretação descritiva dos casos individuais, foram identificadas as linhas convergentes ou contrárias, ou seja, resultados similares ou contraditórios e, a partir dessas evidências, procedeu-se à análise dos casos múltiplos ou “comparativos” (YIN, 2005), para considerações finais pertinentes, como “conclusão” do estudo.

68

4 UM PASSEIO PELO VALE

“... o lugar tornando-se laço. Todos esses territórios, que é preciso compreender no sentido etológico, esses “pontos altos”, esses lugares e espaços de socialidade estão repletos de afetos e de emoções comuns, são consolidados pelo cimento cultural ou espiritual, em suma, são feitos por e para as tribos que aí escolheram domicílio. As comunidades que o habitam que fazem de um espaço físico, um espaço vivido”.

Michel Maffesoli

Convido o leitor a adentrar comigo nesse universo e conhecer um pouco desse cenário do estudo.

O Vale do Jequitinhonha situa-se na região nordeste do estado de Minas Gerais sendo banhado pelo rio Jequitinhonha e seus afluentes. O rio nasce no município de Serro, a uma altitude aproximada de 1260 m, atravessa o nordeste de Minas Gerais e deságua no Oceano Atlântico, em Belmonte, no estado da Bahia (BA). A bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha abrange grande parte do nordeste de Minas Gerais e pequena área do sudeste da Bahia totalizando uma área de 70.315 Km2. Dessa área, 66.319 Km2 situam-se em Minas Gerais, enquanto 3.996 Km2 pertencem à Bahia. A área compreende seis mesorregiões, subdivididas em onze microrregiões, com sessenta e três municípios, estando 41 totalmente incluídos na bacia e 22 parcialmente (GONÇALVES, 2008). O Vale do Jequitinhonha compreende três unidades geográficas: Alto Jequitinhonha, Médio Jequitinhonha e Baixo Jequitinhonha.

Figura 5- Localização do Vale do Jequitinhonha

O índice de pobreza ostentado pela região é elevado, ocasionando êxodo rural para os grandes centros urbanos e um esvaziamento demográfico persistente. Com mais de dois terços da população vivendo na zona rural, ela tem sido caracterizada, em vários estudos, como “região deprimida”, onde os índices de pobreza, miséria, desnutrição, mortalidade, analfabetismo, desemprego e infra-estrutura sócio-econômica imperam desfavoravelmente em grande parte dos municípios (GONÇALVES, 2008).

Vários diagnósticos convergem ao apontar as restrições hídricas e as secas periódicas como agentes relevantes para o baixo desempenho da agropecuária na bacia, que ainda responde por 30% do Produto Interno Bruto (PIB) regional. Esses fatores, somados à carência de investimentos públicos e privados, corroboram a tese de que a região é expulsora de população. Todavia, esse quadro depressivo vem sendo paulatinamente modificado para melhor pelos governos estaduais, que desenvolvem esforços no sentido de aperfeiçoar a malha viária e de distribuição de energia elétrica como forma de canalizar recursos para a implantação de indústrias e de melhorar o escoamento de produtos gerados na região, além de facilitar a entrada e a circulação de produtos vindos de outros mercados (GONÇALVES, 2008).

Figura 6- Paisagem do Jequitinhonha

Fonte: http://coraldaslavadeiras.com.br/website/index.php?option=com_content&task=view&id=12&Itemid=26

O Vale do Jequitinhonha, apesar de ser uma das regiões mais pobres do Brasil, abriga uma cultura peculiar que se revela nas manifestações populares únicas, ligadas aos mitos da natureza, à navegação e às lendas. Destaca-se o rico artesanato de barro, cerâmica, tecelagem, cestaria, madeira, couro, bordados, pintura, desenho. São ricas as expressões musicais e folclóricas. O nome do rio Jequitinhonha se originou do nome da cidade Jequitinhonha e o termo, na linguagem indígena, quer dizer: no Jequi tem onha (ou seja, no Jequi tem peixe), usados pelos índios Botocudos, que habitaram a região, na confluência com o rio São Miguel (NO).

70

Esse espaço geográfico, de riqueza natural e cultural, é alvo de ações para melhoria das condições sociais da população por ser conhecido como o Vale da Miséria devido ao baixo índice de desenvolvimento humano em muitos municípios. É o cenário onde ocorreu a coleta de dados para este estudo.

Figura 7- MUNICÍPIOS DO VALE DO JEQUITINHONHA

Município de Datas Município de Diamantina Município de Gouveia

Fonte: MINAS GERAIS/CEES/FJP, 2004