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1. INTRODUÇÃO, OBJETIVOS E REFERENCIAL TEÓRICO-

1.1.3 Análise dos dados

Para análise dos dados coletados, foi seguida a orientação de Vigotski, a partir da decomposição da totalidade do fenômeno em unidades complexas que expressem o movimento, tensões e as contradições do fenômeno. A decomposição em unidades de análise não representa uma fragmentação do todo. A unidade deverá carregar em si a dinâmica da totalidade do fenômeno, preservando, portanto, “todas as propriedades que são inerentes ao todo, e, concomitantemente, são partes vivas e indecomponíveis dessa unidade” (VIGOTSKI, 2000, p. 8).

Para Vigotski, a palavra é uma unidade de análise que carrega em si a dimensão subjetiva e a dimensão social da realidade. Ela expressa as emoções, o pensamento e a ação, que conformam os sentidos singulares e os significados compartilhados coletivamente.

A análise em unidades indica o caminho para a solução desses problemas de importância vital. Demonstra a existência de um sistema dinâmico de significados em que o afetivo e o intelectual se unem.

Mostra que cada ideia contém uma atitude afetiva transmutada com relação ao fragmento de realidade ao qual se refere. Permite-nos ainda seguir a trajetória que vai das necessidades e impulsos de uma pessoa até a direção específica tomada por seus pensamentos, e o

caminho inverso, a partir de seus pensamentos até o seu comportamento e a sua atividade. (VIGOTSKI, 1998, p. 9).

De acordo com Aguiar e Ozella (2006, 2013), os sentidos subjetivos se apresentam através da narrativa e do pensamento dos sujeitos, e expressam as contradições, a ideologia e uma perspectiva muitas vezes parciais de compreensão da realidade, além da personalidade, das crenças e biografia dos indivíduos. Os sentidos apreendidos na pesquisa não necessariamente são afirmações definidas, fechadas, coerentes, completas ou únicas, pois refletem os processos de subjetivação dos sujeitos. Através dos dados coletados nas entrevistas foram conformados núcleos de significação que expressassem o fenômeno em sua totalidade e movimento, além de permitir acessar o sistema dinâmico das significações, que compreende a unidade entre o intelectual e o afetivo.

Sabemos o quão difícil é sua apreensão; ele não se revela facilmente, não está na aparência; muitas vezes, o próprio sujeito o desconhece, não se apropria da totalidade de suas vivências, não as articula. Não podemos esquecer que o pensamento, sempre emocionado, não pode ser entendido como algo linear, fácil de ser captado; não é algo pronto, acabado. É interessante quando Vigotski afirma que o pensamento muitas vezes termina em fracasso, não se converte em palavras. Com essa afirmação, podemos entender que vivências ocorrem, que um processo está ocorrendo, mas que não se expressa claramente, ou nem é significado claramente, objetivamente, e, assim, podemos concluir que as vivências são muito mais complexas e ricas do que parecem. (AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 307)

O procedimento de análise de dados adotado neste estudo foi proposto por Aguiar e Ozella (2006, 2013). Após o levantamento dos sentidos coletados nas entrevistas, os mesmos foram organizados em núcleos de significação nomeados pelas falas das mulheres atingidas. Como indica os autores, a construção desses núcleos obedece determinada cronologia do processo de identificação das unidades de sentido. Primeiramente, se parte da palavra, é ela que se destaca com seu significado e conforma a primeira unidade de análise, que inicialmente apresenta o sujeito inserido no seu contexto social e histórico.

Através de leituras sistemáticas das entrevistas, foram elaborados múltiplos pré-indicadores, que organizaram temáticas que se repetiam e se reiteravam nas

narrativas das mulheres, além de apresentarem maior ênfase e carga emocional assim como as contradições. De forma a confluir com o objetivo da pesquisa, a etapa seguinte consistiu em aglutinar os pré-indicadores que se complementavam e apresentavam semelhanças ou contraposições relevantes na conformação de indicadores e conteúdos temáticos. Através da articulação dos indicadores foram apontados, organizados e nomeados os núcleos de significação (AGUIAR; OZELLA, 2006, 2013).

Os núcleos resultantes devem expressar os pontos centrais e fundamentais que trazem implicações para o sujeito, que o envolvam emocionalmente, que revelem as suas determinações constitutivas.

Uma sugestão para a nomeação dos núcleos é extrair da própria fala do informante uma ou mais de suas expressões, de modo a compor uma frase curta que reflita a articulação realizada na elaboração dos núcleos e que explicite o processo e o movimento do sujeito dentro dos objetivos do estudo. A análise se inicia por um processo intranúcleo, avançando para uma articulação internúcleos. Em geral, esse procedimento explicitará semelhanças e/ou contradições que vão novamente revelar o movimento do sujeito. Tais contradições não necessariamente estão manifestas na aparência do discurso, sendo apreendidas a partir da análise do pesquisador. Do mesmo modo, o processo de análise não deve ser restrito à fala do informante, ela deve ser articulada (e aqui se amplia o processo interpretativo do investigador) com o contexto social, político, econômico, em síntese, histórico, que permite acesso à compreensão do sujeito na sua totalidade. (AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 310)

Após a coleta dos dados, foram conformados os seguintes núcleos de significação apresentados no Quadro 3: 1) Mas e minha casa? Minha casa cadê?”:

Corpo desterritorializado, perda da moradia e comunidade; 2) “Eu tou cansada”:

Trabalho reprodutivo, exaustão e sobrecarga doméstica; 3) “Os homens acham que eles podem tudo”: conflitos, violência de gênero e violência doméstica; 4) “Todo mundo perdeu o gosto pela vida”: Sofrimento psíquico e impactos na saúde; 5) “A Fundação Renova é outro câncer na vida dos atingidos. Ela adoece as pessoas mais do que os metais pesados”: O enfrentamento e luta por direitos e justiça; 6) “Elas seguem na linha de frente nesse combate”: A participação feminina nos processos de luta no território.

Quadro 3 – Núcleos de significação

Quando articulados, os núcleos expressam a vivência, os impactos psicossociais e as estratégias de participação e enfrentamento adotadas pelas mulheres atingidas em sua realidade. Como afirma Aguiar e Ozella (2006), a análise dos núcleos é um movimento metodológico que parte do empírico para o interpretativo, da fala externalizada ao conteúdo do próprio pensamento. Deve ser realizada de forma complexa, integrada, sob à luz da teoria, dos determinantes que constituem a subjetividade, as emoções, o pensamento e as atividades dos sujeitos, e articulada com os determinantes materiais, balizadores dos processos históricos, culturais e sociais em que estão circunscritos os sentidos subjetivos relacionados ao fenômeno estudado.

Mas e minha casa? Minha casa cadê?”: Corpo

desterritorializado, perda da moradia e comunidade.

“Eu tou cansada”: Trabalho reprodutivo, exaustão e

sobrecarga doméstica.

“Os homens acham que eles podem tudo”: conflitos, violência de gênero e violência

doméstica.

“Todo mundo perdeu o gosto pela vida”: Sofrimento psíquico e impactos na saúde.

“A Fundação Renova é outro câncer na vida dos atingidos.

Ela adoece as pessoas mais do que os metais pesados”: O

enfrentamento e luta por direitos e justiça.

“Elas seguem na linha de frente nesse combate”: A participação feminina nos processos de luta no território.