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Subjetividade-corpo-terra-território: os impactos psicossociais e a resistência das mulheres atingidas pelo rompimento da barragem da mineração na bacia do rio Doce em Minas Gerais

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Academic year: 2023

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FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA TRABALHO E AÇÃO SOCIAL

CAMILLA VERAS PESSOA DA SILVA

Subjetividade-corpo-terra-território:

Os impactos psicossociais e a resistência das mulheres atingidas pelo rompimento da barragem da mineração na bacia do rio Doce

em Minas Gerais

São Paulo

2022

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Subjetividade-corpo-terra-território:

Os impactos psicossociais e a resistência das mulheres atingidas pelo rompimento da barragem da mineração na bacia do rio Doce

em Minas Gerais

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Núcleo de Estudos e Pesquisa Trabalho e Ação Social, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito para obtenção do grau de Doutora em Psicologia Social.

Orientador: Prof. Dr. Odair Furtado

São Paulo

2022

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Subjetividade-corpo-terra-território:

Os impactos psicossociais e a resistência das mulheres atingidas pelo rompimento da barragem da mineração na bacia do rio Doce

em Minas Gerais

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Núcleo de Estudos e Pesquisa Trabalho e Ação Social, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito para obtenção do grau de Doutora em Psicologia Social.

São Paulo, ___ de ______________________ de 2022.

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Odair Furtado – Orientador______________________________________

Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Prof.ª. Dra. Beatriz Borges Brambilla_______________________________________

Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Prof.ª. Dra. Elisa Zaneratto Rosa__________________________________________

Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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Coordenadora Geral de Pesquisa do Instituto Terroá

Prof.ª. Dra. Maria da Graça Silveira Gomes da Costa__________________________

Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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Nada do que acontece a um território deixa de ser sentido pelo corpo de uma mulher que faz daquele lugar morada.

As mulheres sentem de forma particular as lutas territoriais, pois além dos impactos gerais, vivenciam a opressão estrutural do patriarcado sobre suas vidas. Em muitos casos, dentro das suas próprias organizações, comunidades e casas. Diante de todos os impactos e violações, as mulheres necessitam (re) existir. Desde os seus territórios e encorpamentos coletivos, elas se juntam e ganham força e, em estado de permanente alertas, seus corpos se unem e enfrentam as arbitrariedades de um modelo que não foi feito por nós e nem para nós. Nas suas formas de (re) existências, arrumam alternativas para dar conta das negações e violências vividas. Nas lutas por sobrevivência, mesmo vivendo às margens e atravessadas pelos megaprojetos, elas constroem suas histórias, fazem sua ciência, criam seus cotidianos coletivos de manutenção das formas de viver. É a criação da vida nos ambientes marcados pelas empresas transnacionais e megaprojetos de morte. As (re) existências são estratégias vivas para visibilizar contextos de expropriação e exploração buscando a redefinição da vida, a partir das brechas, dos atalhos, dos escapes, das potências imateriais, das forças vindas dos mistérios, construindo territórios de dignidade e autodeterminação.

Esses corpos coletivos femininos desde os sentidos trazem consigo a experiência inventiva como enfrentamento da materialidade dos conflitos. Na contracorrente das temporalidades, das relações e da organização do modelo de desenvolvimento hegemônico, as mulheres protagonizam a defesa dos bens comuns e da vida. Através da mobilização de suas comunidades, do diálogo com a juventude, da ação direta territorial e da auto-organização, as mulheres têm conquistado espaço e visibilidade nos enfrentamentos aos megaprojetos e na resistência por seus territórios. (QUEIROZ;

PRAÇA, 2021, p. 6-7)

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Estamos chamando por justiça para todo o povo atingido da Bacia do Rio Doce, de todo Brasil. É inadmissível que a mineração continue do jeito que está. Nós atingidos não somos contra a mineração. Somos contra a forma como ela é feita. Somos contra essa mineração que mata, que destrói, que expulsa as pessoas de seus territórios. Quantas mais terão que morrer? [Simone Silva – Comissão municipal de atingidos de Barra Longa – MG em Medeiros (2020, s/p)]

O que eu tenho a dizer para elas é que admiro a mulher que luta.

Nunca percam essa força porque é lutando que nós vamos vencer, que vamos conquistar o nosso objetivo. Para todas as mulheres atingidas: permaneçam fortes, firmes e, se Deus quiser, nós vamos vencer. [Vera Lúcia Aleixo, moradora de Gesteira em Jornal A Sirene (2019, s/p)]

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Em memória de Berta Cáceres (ativista ambiental, liderança do povo indígena Henca em Honduras), Nilce de Souza Magalhães – Nicinha (Pescadora e militante do Movimento de Atingidos por Barragens em Porto Velho-RO) e tantas outras lideranças que tombaram em defesa da vida, dos bens comuns, territórios e direitos humanos.

Em memória das vítimas dos rompimentos de barragem da mineração na bacia do rio Doce e em Brumadinho-MG.

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Ninguém faz nada sozinha(o). Ninguém está sozinha(o) no mundo.

Agradeço a Fundação CAPES pela bolsa que possibilitou esta pesquisa.

Ao meu querido mestre e orientador, professor Dr. Odair Furtado, sempre amigo, paciente e acolhedor em todos esses anos de trabalho.

A minha família, Elvira, Marcos e Carolina, raiz originária e nutridora que permitiu minha existência, crescimento e florescimento. Os frutos são nossos.

As mais velhas, e os mestres e mestras, de dentro e fora das universidades, que atravessaram meu caminho e instigaram a sede pelo saber, a curiosidade por atravessar fronteiras e territórios, além de plantarem os sonhos e ideais de que é possível criar realidades mais justas.

As(os) militantes e companheiras(os) da Consulta Popular, Movimento Brasil Popular, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento dos Atingidos por Barragens, Rede de Médicos e Médicas Populares, Movimento pela Soberania Popular na Mineração, Marcha Mundial de Mulheres, Levante Popular da Juventude, Centro Popular de Mídias e Jornal Brasil de Fato, organizações e movimentos populares que me ensinaram quase tudo do pouco do que sei e me incentivaram a ser sujeito coletivo e colocar a minha existência e profissão em defesa da vida e dos direitos dos povos.

Aos meus amigos, amigas, amores, em especial a Raíssa, Mariana, Sophia, André, Keila Cuca, Pedro, Allana, Oaiana, Marcelle, Rodrigo, Martinha, Itana, Emilly, Júlia, Kleybson, Bia, Tereza, Taise, Débora, Tércio, Flávia e Hugo. As profissionais que me cuidam, Samira e Aninha, e todas as pessoas que aos longos desses anos de percurso acadêmico foram presença, colo, suporte e rede de apoio. Gratidão pela existência de vocês na minha vida!

(10)

da PUC-SP. Foi grandiosa a oportunidade de conviver e conhecer cada um de vocês que estão na construção diária da psicologia implicada com a transformação da realidade.

As pacientes e mulheres que cruzaram meu caminho nas vivências, círculos, retiros e formações. Conhecê-las fez com que eu pudesse resgatar um pouco daquilo que sou, além de compreender o que quero ser nessa vida. Quando acolho as dores que são coletivas, acendo minha chama de esperança e inspiração na construção de um mundo baseado no cuidado, no respeito as formas de vida, na solidariedade, horizontalidade para que sejamos finalmente livres da opressão colonial, racista, patriarcal e capitalista.

Aos antigos e atingidas pela mineração que abriram suas casas, suas histórias e suas vidas para que nos limites do meu trabalho pudesse ajudar a contá-las.

Aos guias espirituais, seres invisíveis e encantados que me acompanham, me protegem, abrem meus caminhos, me orientam, me ofertam alimento, ouro, espada, espelho e flecha para que eu possa caminhar a(r)mada e realizar o meu propósito nessa existência.

A minha filha Janaina, que literalmente foi feita e nascida através do meu corpo que me ensina todo dia a ser mãe, mulher e resistência.

Ao meu corpo que é território de produção de vida, ao meu corpo é território de luta.

(11)

301 f. il. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022.

RESUMO

Os rompimentos das barragens que ocorreram no Brasil nos últimos anos desvelaram a falta de segurança dessas grandes estruturas construídas ao redor de territórios e comunidades. A mineração em grande escala gera diversos impactos socioambientais que atingem as mulheres de forma particular, devido a desigualdade entre os gêneros. Os consequentes desastres-crimes provocados pelos rompimentos das barragens da mineração acarretaram em deslocamento compulsório, destruição de comunidades, enfraquecimento dos laços sociais, precarização das condições de vida e violações sistemáticas de direitos das populações atingidas. O presente estudo visou conhecer os sentidos atribuídos a vivência das mulheres atingidas pelo desastre decorrente do colapso das barragens da mineração na região da bacia do rio Doce, na região de Mariana-MG. Através das narrativas produzidas pelas mulheres almejou- se identificar e analisar os impactos psicossociais e as estratégias de resistência que acontecem historicamente em seus territórios. Para compreensão da dimensão subjetiva e dos impactos psicossociais, esta investigação baseou-se na formulação teórica a respeito da subjetividade e sua relação com o conceito de corpo-terra- território elaborado pelas autoras do feminismo comunitário latino-americano. A pesquisa possui caráter bibliográfico e utilizou como fonte de dados, os relatos e entrevistas das mulheres atingidas presentes em relatórios técnicos, livros, obras audiovisuais e matérias jornalísticas divulgadas nos meios de comunicação. Também foram realizadas três entrevistas abertas com mulheres negras oriundas de territórios próximos a região do “epicentro” da lama. O procedimento metodológico de apreensão da realidade está ancorado no método materialista-histórico-dialético adotado pela Psicologia Sócio-Histórica. As narrativas foram organizadas em núcleos de significações que reúnem o conjunto de sentidos e significados decompostos em unidades que demonstraram que os impactos psicossociais vivenciados pelas mulheres são referentes a perda do território, moradia e do modo de vida, a sobrecarga de trabalho doméstico, a maior vulnerabilidade ao adoecimento físico e sofrimento psíquico, a exposição a violência doméstica e gênero e a exclusão e dificuldade de acesso à as medidas de reparação integral. As mulheres ainda figuram como protagonistas dos espaços de mobilização comunitária e participação social em prol dos direitos e justiça nos seus territórios, o que reafirma que nos territórios em que há espoliação e extração capitalista, as mulheres estão na linha de frente da luta pelos direitos e da defesa da natureza.

Palavras chaves: Psicologia Social. Conflitos socioambientais. Saúde mental e gênero. Desastre-crime da mineração.

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(Doutorado em Psicologia Social) – Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022.

ABSTRACT

The dam bursts that have occurred in Brazil in recent years have revealed the lack of safety of these large structures built around territories and communities. Large-scale mining generates several socio-environmental impacts that affect women in a particular way, due to gender inequality. The consequent disasters caused by mining dam bursts have resulted in compulsory displacement, destruction of communities, weakening of social ties, precarious living conditions, and systematic violations of the rights of the affected populations. The present study aimed to understand the meanings attributed to the experience of the women affected by the disaster resulting from the collapse of mining dams in the Doce River basin, in the region of Mariana- MG. Through the narratives produced by the women, we aimed to identify and analyze the psychosocial impacts and resistance strategies that historically occur in their territories. To understand the subjective dimension and the psychosocial impacts, this research was based on the theoretical formulation about subjectivity and its relation to the concept of body-land-territory elaborated by the authors of Latin American community feminism. The research has a bibliographical character and used as a source of data, the reports and interviews of the affected women present in technical reports, books, audiovisual works and journalistic articles published in the media.

Three open interviews were also conducted with black women from territories near the

"epicenter" of the mud. The methodological procedure for apprehending reality is anchored in the materialist-historical-dialectical method adopted by Socio-Historical Psychology. The narratives were organized in nuclei of meanings that gather the set of senses and meanings broken down into units that showed that the psychosocial impacts experienced by the women refer to the loss of territory, housing and way of life, the overload of domestic work, the greater vulnerability to physical illness and psychological suffering, the exposure to domestic and gender violence and the exclusion and difficulty of access to the measures of integral reparation. Women still figure as protagonists of community mobilization and social participation spaces in favor of rights and justice in their territories, which reaffirms that in the territories where there is spoliation and capitalist extraction, women are in the front line of the fight for rights and the defense of nature.

Keywords: Social Psychology. Socio-environmental conflicts. Mental health and gender. Mining crime disaster.

(13)

f. il. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022.

RESUMEN

Las roturas de represas que se han producido en Brasil en los últimos años han puesto de manifiesto la falta de seguridad de estas grandes estructuras construidas alrededor de los territorios y las comunidades. La minería a gran escala genera varios impactos socioambientales que afectan de manera particular a las mujeres, debido a la desigualdad de género. Los consiguientes desastres provocados por la rotura de represas mineras han provocado desplazamientos forzosos, la destrucción de comunidades, el debilitamiento de los vínculos sociales, la precariedad de las condiciones de vida y la violación sistemática de los derechos de las poblaciones afectadas. Este estudio tuvo como objetivo comprender los significados atribuidos a la experiencia de las mujeres afectadas por el desastre resultante del colapso de las presas mineras en la cuenca del río Doce, en la región de Mariana-MG. A través de las narrativas producidas por las mujeres, se pretendía identificar y analizar los impactos psicosociales y las estrategias de resistencia que históricamente se dan en sus territorios. Para comprender la dimensión subjetiva y los impactos psicosociales, esta investigación se basó en la formulación teórica sobre la subjetividad y su relación con el concepto de cuerpo-tierra-territorio elaborada por las autoras del feminismo comunitario latinoamericano. La investigación tiene carácter bibliográfico y utilizó como fuente de datos, los informes y entrevistas de las mujeres afectadas, presentes en informes técnicos, libros, obras audiovisuales y artículos periodísticos publicados en los medios de comunicación. También se realizaron tres entrevistas abiertas a mujeres negras de territorios cercanos al "epicentro" del barro. El procedimiento metodológico de aprehensión de la realidad está anclado en el método materialista- histórico-dialéctico adoptado por la Psicología Socio-Histórica. Las narrativas se organizaron en núcleos de significados que reúnen el conjunto de sentidos y significados desglosados en unidades que demostraron que los impactos psicosociales experimentados por las mujeres se refieren a la pérdida de territorio, vivienda y modo de vida, la sobrecarga de trabajo doméstico, la mayor vulnerabilidad a las enfermedades físicas y al sufrimiento psicológico, la exposición a la violencia doméstica y de género y la exclusión y dificultad de acceso a las medidas de reparación integral. Las mujeres siguen figurando como protagonistas de los espacios de movilización comunitaria y de participación social a favor de los derechos y la justicia en sus territorios, lo que reafirma que en los territorios donde hay expoliación y extracción capitalista, las mujeres están en primera línea de la lucha por los derechos y la defensa de la naturaleza.

Palabras clave: Psicología Social. Conflictos socio-ambientales. Salud mental y género. Catástrofe-crimen minera.

(14)

Figura 1 O trajeto da lama... 25

Figura 2 Bento Rodrigues antes e depois do rompimento... 28

Figura 3 Jesus ama o povo de Bento Rodrigues... 28

Figura 4 Ruínas de Bento Rodrigues... 29

Figura 5 O Rio Gualaxo do Norte contaminado e impróprio para consumo... 29

Figura 6 Rio Carmo em Barra Longa (MG)... 30

Figura 7 Brumadinho... 33

Figura 8 Arpillera Vale Assassina. Autoria: Mulheres atingidas de Satélite e Juatuba, Minas Gerais... 34

Figura 9 Arpillera 25 de janeiro. Autoria: Mulheres atingidas de Brumadinho... 35

Quadro 1 Mulheres entrevistadas pela pesquisadora... 55

Quadro 2 Entrevistas de mulheres disponíveis em outros veículos de comunicação referenciados na pesquisa... 56

Quadro 3 Núcleos de significação... 60

Figura 10 Mapa de barragens produzido pelo Relatório de Segurança de Barragens da ANA (2021)... 69

Quadro 4 Lutas anti-extrativistas na América Latina... 125

Figura 11 8 de março de 2016 – Mulheres do MST ocupam a ferrovia da Vale em Minas Gerais... 130

Figura 12 Participação política das mulheres... 136

Quadro 5 Análise dos núcleos de significação... 182

Figura 13 Objetos de uso doméstico em ruínas... 184

(15)

Figura 16 Crime continuado... 195

Figura 17 Escola em Paracatu de Baixo... 197

Figura 18 Praça de Barra Longa... 197

Figura 19 Mulheres do Rio Doce em Luta por Direitos... 202

Figura 20 Mulheres atingidas na Luta contra a Sobrecarga de Trabalho na Pandemia... 204

Figura 21 A mulher e o lar... 209

Figura 22 Arpillera Mulheres na Luta contra a Violência... 217

Figura 23 Água de rejeitos... 222

Figura 24 Contaminação pelos rejeitos... 224

Figura 25 Obras e poeira em Barra Longa... 224

Figura 26 Vale mata rio, mata peixe e mata gente... 244

Figura 27 Roupas de lama... 257

Figura 28 Resistência feminina... 270

Figura 29 Arpillera Mulheres em Luta... 271

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AFE Auxílio Financeiro Emergencial

ANA Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico

APP Áreas de Preservação Permanente

ATI Assessoria técnica independente CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEDOC-CPT Centro de Documentação da Comissão Pastoral da Terra CFEM Compensação Financeira pela Exploração de Recursos

Minerais

CNDSS Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde

DPA Dano Potencial Associado

DSS Determinantes Sociais da Saúde

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBRAM Instituto Brasileiro de mineração

FUNAI Fundação Nacional do Índio

MAB Movimento dos Atingidos por Barragens

MAM Movimento pela Soberania Popular na Mineração MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

NUTAS Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trabalho e Ação Social PMB Produção mineral brasileira

PNSB Política Nacional de Segurança para Barragens

PNAD CONTÍNUA Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua ( SEDEC Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil

SOF Sempreviva Organização Feminista

SUDEC Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia

SUS Sistema Único de Saúde

SUAS Sistema Único de Assistência Social

(17)

TEPT Transtorno de estresse pós-traumático

(18)

Tecendo aproximações: Meu corpo-território e o corpo-território das

mulheres atingidas pelas barragens da mineração... 19

1. INTRODUÇÃO, OBJETIVOS E REFERENCIAL TEÓRICO- METODOLÓGICO... 24

1.1 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO... 43

1.1.1 Procedimento de coleta de dados... 51

1.1.1.1 A dimensão ética... 54

1.1.2 Participantes... 55

1.1.3 Análise dos dados... 57

2. O NEOEXTRATIVISMO MINERAL E O COLAPSO DAS BARRAGENS... 61

2.1 RACISMO AMBIENTAL E REPATRIARCALIZAÇÃO DOS TERRITÓRIOS... 81

3. A ENCRUZILHADA DO COLONIALISMO, PATRIARCADO, RACISMO E CAPITALISMO NO CORPO E NA VIDA DAS MULHERES... 90

3.1 O PATRIARCADO OCIDENTAL E A EXPLORAÇÃO DO CORPO E DO TRABALHO DAS MULHERES... 95

3.1.1 A divisão sexual e racial do trabalho no capitalismo e a violência: estratégias de controle patriarcais... 101

3.2 MULHERES ATINGIDAS POR BARRAGENS E MEGAPROJETOS EXTRATIVISTAS... 113

3.3 A LUTA E ORGANIZAÇÃO DAS MULHERES ATINGIDAS NOS SEUS TERRITÓRIOS... 120

3.3.1 Arpilleras: bordando a resistência das mulheres atingidas por barragens... 128

4. SUBJETIVIDADE-CORPO-TERRA-TERRITÓRIO: A DIALÉTICA DA SAÚDE E DO SOFRIMENTO PSICOSSOCIAL NO CONTEXTO DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DA SAMARCO (VALE E BHP BILLITON) NA BACIA DO RIO DOCE... 137

(19)

5. A ATENÇÃO PSICOSSOCIAL E OS IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DE DESASTRE-CRIME OCASIONADO POR ROMPIMENTO DE BARRAGENS... 166 6. ANÁLISE: OS IMPACTOS PSICOSSOCIAIS E A RESISTÊNCIA DAS MULHERES ATINGIDAS PELO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO DA SAMARCO (VALE E BHP BILLITON)... 180 6.1. “MAS E MINHA CASA? MINHA CASA CADÊ?”: CORPO DESTERRITORIALIZADO, PERDA DA MORADIA E COMUNIDADE... 183 6.2 “EU TOU CANSADA”: TRABALHO REPRODUTIVO, EXAUSTÃO E SOBRECARGA DOMÉSTICA... 203 6.3. “OS HOMENS ACHAM QUE ELES PODEM TUDO”: CONFLITOS, VIOLÊNCIA DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA... 213 6.4 “TODO MUNDO PERDEU O GOSTO PELA VIDA”: SOFRIMENTO PSÍQUICO E IMPACTOS NA SAÚDE FÍSICA... 221 6.5 “A FUNDAÇÃO RENOVA É OUTRO CÂNCER NA VIDA DOS ATINGIDOS.

ELA ADOECE AS PESSOAS MAIS DO QUE OS METAIS PESADOS”: O ENFRENTAMENTO E LUTA POR DIREITOS E JUSTIÇA... 235 6.6 “ELAS SEGUEM NA LINHA DE FRENTE NESSE COMBATE”: A PARTICIPAÇÃO FEMININA NOS PROCESSOS DE LUTA NO TERRITÓRIO... 257 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 272 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 278

(20)

Tecendo aproximações: Meu corpo-território e o corpo-território das mulheres atingidas pelas barragens da mineração

Isso me levou a sentir como minha avó maia queq'chi costumava dizer, que cada um nasce com seu próprio cha'ím, sua própria missão, sua própria estrela para o caminho da vida, escrever é rememorá-las e para mim é um reconhecimento também para as ancestrais indígenas que já faleceram, pensando que o mundo é assim, que nascemos mulheres para sofrer... É um reconhecimento das avós, mães, tias, irmãs e amigas transgressoras cuja energia ancestral e cotidiana, a cada dia e noite nos torna mais fortes, mais rebeldes e mais alegres!

(CABNAL, 2010, p. 24-25 [tradução nossa])

Eu me chamo Camilla Veras, filha de Elvira, neta de Estelita e Raimunda, bisneta de Elvira e Maria e mãe de Janaina. Originária de uma linhagem de mulheres racializadas de descendência negra e indígena, trabalhadoras, mães de muitos filhos e habitantes de comunidades tradicionais pesqueiras e marisqueiras localizadas no interior dos estados da Bahia e do Ceará.

No processo de escrita dessa tese, descobri que Maria, a minha bisavó paterna, que não tive oportunidade de conhecer pessoalmente, vivenciou processos migratórios da região do Ceará para o Pará no contexto da exploração do ciclo da borracha. Minha bisavó, assim como milhares de mulheres, também possuiu o seu corpo espoliado e explorado para atender as demandas patriarcais do extrativismo local.

As minhas avós também migraram dos seus respectivos territórios para construir casamentos, parir filhos e nutrir famílias. O caminho percorrido pelas minhas ancestrais foi repleto de experiências de luto e resistência que estão atualizadas e relatadas nesse trabalho, a partir das vozes de diversas mulheres atingidas pela exploração extrativista, colonial, racista e patriarcal em seus territórios.

Nasci na cidade de Salvador, no estado da Bahia, no nordeste brasileiro. Ao longo da minha trajetória de vida, me tornei mãe, psicóloga, pesquisadora, escritora, trabalhadora e militante de organizações populares e feministas. Formei em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia no ano de 2014, e das diversas

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experiências de estágio, extensão, grupo de trabalho no campo social, destaco a vivência de intercâmbio na cidade de Buenos Aires e uma posterior viagem pelo Uruguai, norte da Argentina, Bolívia, Peru e Equador, em que estive imersa no conhecimento das medicinas da terra, da cultura e cosmologias dos povos originários destes territórios. Esta viagem tão transformadora só foi possível devido ao reconhecimento da monografia “Psicologia latino-americana: Desafios e possibilidades”, publicada e premiada em primeiro lugar na categoria estudante do prêmio César Ades, realizado pelo Conselho Federal de Psicologia no contexto da comemoração dos 50 anos da profissão.

O estudo da Psicologia Social latino-americana, da Psicologia Social Comunitária e o trabalho na perspectiva da defesa dos Direitos Humanos, me levou ao encontro das organizações políticas para além do espaço do movimento estudantil.

Fui organizada politicamente na Marcha Mundial de Mulheres, no Levante Popular da Juventude e na Consulta Popular, organizações que me inseriram no contexto da luta dos movimentos populares. Além dessas organizações, dediquei a minha prática profissional em integração com movimentos populares como a Rede de Médicos e Médicas Populares, o Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).

Minha história com o tema da mineração e dos desastres começou no ano de 2015, um dia antes do rompimento da barragem de Fundão em Mariana-MG, após conhecer Márcio Zonta, dirigente do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), que recém lançava um livro “A questão mineral vol.1”. Ele me presentou com a obra e comentou os impactos na saúde mental dos trabalhadores do setor mineral.

Fiquei interessada na temática e quinze dias após o rompimento da barragem de rejeitos em Mariana-MG integrei a Brigada de Solidariedade em Saúde da Rede de Médicos e Medicas Populares com o Movimento de Atingidos por Barragens para prestar apoio no território atingido.

Neste mesmo ano, morando em São Paulo no contexto da realização do mestrado em Psicologia Social da PUC-SP, estava motivada a pesquisar de que forma a participação política e a ação dos movimentos populares organizados em suas lutas históricas por direitos relacionavam-se com a práxis da psicologia comunitária, de forma a potencializar transformações objetivas e subjetivas na realidade. Afinal, toda psicologia é social (LANE, 2014). A concepção de sujeito, subjetividade, sofrimento e saúde não deve ser alheia aos determinantes sociais, políticos, econômicos e

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históricos e deve estar ancorada na compreensão das bases materiais de determinada realidade social.

Após a primeira imersão nos territórios atingidos pelo desastre-crime, retornei para Minas Gerais no ano de 2016, com o objetivo de realizar uma pesquisa através do método da observação participante. Fui acolhida por militantes do Movimento de Atingidos por Barragens que me introduziram no território em que pude desenvolver a investigação. Este trabalho se transformou na dissertação de mestrado defendida na PUC-SP no ano de 2017, que versou sobre o tema dos desastres da mineração e a resistência das comunidades através da atuação dos movimentos populares, sobretudo o Movimento de Atingidos por Barragens, e o enfoque nos impactos psicossociais, sobretudo na saúde mental da população atingida.

Tal produção acarretou na atual publicação do livro “Lama, Luto e Luta: os impactos psicossociais e o enfrentamento dos atingidos pelo rompimento da barragem da mineração em Mariana (MG)”, lançado pela editora Dialética, no ano de 2021. Ao longo desses seis anos, segui acompanhando a temática dos impactos da mineração e das barragens, aprofundei os estudos no campo dos desastres, psicologia ambiental e territórios extrativistas, contribui com capítulos de livros, entrevistas, palestras, aulas, relatórios técnicos e artigos. Atualmente, realizo acompanhamento psicossocial para mulheres lideranças comunitárias de um distrito atingido pela mineração em Ouro Preto-MG.

Após ingressar no doutorado, engravidei, pari, alimentei e criei minha filha Janaina. Essa imersão no meu próprio corpo como território capaz de gestar e nutrir uma vida para um mundo, foi extremamente fragmentadora, transformadora e amorosa. Esse mergulho e conhecimento do meu ser me trouxe a consciência do poder do feminino que resiste e é capaz de criar novas sementes mesmo em um contexto atravessado pelo patriarcado.

Escrevi essa tese ao mesmo tempo que tecia uma vida. Escrevia sobre mulheres atingidas pelos desastres da mineração ao mesmo tempo que mergulhava profundamente na minha experiência de ser casa e alimento para outro ser vivo, feito pedacinho por pedacinho longe do controle da minha mente. Essa tese que é tecida pelo meu intelecto, através de saberes técnicos, políticos, filosóficos e científicos é, sobretudo, fruto do meu corpo, dos meus sentidos, das minhas experiências e emoções.

(23)

Foi a partir dessa vivência que me aproximo mais visceralmente do conceito corpo-terra-território elaborado pelas feministas comunitárias de Abya Yala e que talvez tenha conseguido compreender minimamente o que significa sentir no próprio corpo a potência de vida e também os impactos da dor e do sofrimento coletivo.

Para ilustrar esse processo, gostaria de apresentar um relato referente a um caso do acompanhamento psicossocial. Acompanho uma mulher que neste trabalho chamarei de Carolina, atingida por uma barragem em risco de rompimento em Minas Gerais. Carolina possui uma hemorragia uterina que a faz sangrar de forma incessante. Após uma intensa peregrinação por diversos médicos, não foi identificada nenhuma causa orgânica para o seu adoecimento. O sangramento é de ordem emocional, assim dizia o seu diagnóstico.

Devido à hemorragia, houve uma a perda expressiva de ferritina no seu sangue, o que coloca para Carolina a possibilidade da realização de um procedimento de transfusão sanguínea. Além do sangramento, Carolina apresenta nódulos, fissuras na pele, dores de cabeça e uma série de sintomas físicos e psicológicos que denunciam a sua condição de saúde. A condição de saúde de uma mulher atingida pela Vale, a maior empresa mineradora localizada no Brasil atualmente.

Além de Carolina, outras mulheres que também acompanho sofrem com outras questões de saúde e chegam com diagnóstico e prescrição de medicação para depressão, ansiedade, insônia, transtorno de estresse pós-traumático e diversas outras expressões de sofrimento psíquico intenso.

Recordo que em nossos primeiros encontros, resgatamos o conceito teórico de Cruz (2015), que afirma que tudo que acontece na terra acontece no corpo-território das mulheres e que o corpo é o espaço da habitação, do sentir, da escuta, da luta e percepção do território. Dessa forma, a exploração mineral que atinge o solo, as águas e o ar, também atinge a matéria física e subjetiva dessas mulheres. Achei simbólico que Carolina sangrasse e expelisse todo seu ferro, toda sua vitalidade, assim como expele a mineração quando extrai da terra e das montanhas toneladas de minério de ferro, o chamado ouro negro para abastecimento do mercado internacional.

Nosso corpo materializa a experiência de estar vivo. É através dele que sentimos, percebemos, aprendemos, pensamos, criamos, gozamos, movemos, lutamos, transformamos e agimos na realidade. A classe, o gênero e a raça/etnia informam quais corpos territórios serão mais explorados ou violados.

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O capital aliena o corpo na sua dimensão socioespacial, material, imaginária, simbólica e afetiva e o transforma em mercadoria. Assim como o capitalismo se apropria das nossas terras e transforma bens comuns em commodities para exportação, a espoliação também se dá na nossa subjetividade. O corpo apropriado, automatizado, enrijecido, alienado, exausto e adoecido é produto dessa ordem que nos explora como um todo. Muitas vezes, só nos resta a transgressão do sintoma que grita que não somos máquina.

No contexto capitalista colonial nossos corpos também se tornam colônia, e vivenciamos a espoliação e extrativismo dos nossos recursos, das nossas potências, da nossa saúde, das nossas riquezas físicas e subjetivas. Contudo, nossos corpos, memoriosos e vibrantes também são territórios vivos de resistência e luta. Dessa forma, se somos corpo-natureza, como nos regeneramos? Se os nossos corpos são território, como ocupamos, resistimos e cultivamos a vida?

São questionamentos que atravessam meu corpo-território na construção do meu lugar no mundo, enquanto mulher, pesquisadora e profissional do campo da psicologia implicada com o compromisso social. Essa temática foi motivadora para que na elaboração desse trabalho me debruçasse sobre o sentir e o resistir das mulheres atingidas, a fim de compreender os impactos psicossociais na sua subjetividade e saúde e conhecer as estratégias milenares de resistências que perpassa pela perpetuação da vida, pela organização comunitária e ação coletiva e pela tessitura de bordados e trabalhos artísticos que contam suas histórias e narrativas.

As histórias das mulheres sãos os fios que conectados desenham traços, paisagens e expressam memórias e sentidos diversos do que é ser atingida pelo racismo, patriarcado, capitalismo, colonialismo e extrativismo nos seus territórios.

Dessa forma, este trabalho se coloca em prol da defesa da terra, do corpo das mulheres, da vida, do sentir e do cuidado com a natureza e o com o que realmente importa para nossa sobrevivência.

(25)

1.

INTRODUÇÃO, OBJETIVOS E REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

Fiquei pensando no destino trágico do território que carrega este nome, Minas Gerais. Diamantina também, com mineradores entrando lá para tirar diamante, pedras preciosas – essa obsessão por furar o chão. O lugar onde estou é chamado de Quadrilátero Ferrífero. É de um mau gosto enorme dar um nome desse a um lugar. O que ele quer dizer? Que estamos ferrados. Duas barragens, uma em Mariana e outra em Brumadinho, derramaram ferro em cima da gente. O longo processo de desenvolvimento dessas tecnologias que nos enchem de orgulho também encheu os rios de veneno. Eu falei de esquartejar a Terra, mas nem será preciso: a maquinaria que esses caras enfiam nas montanhas, o que ocorreu na bacia do rio Doce – esse rio cauterizado pela lama da mineração -, é uma sondagem tão invasiva da Terra que já a dilacerou. (KRENAK, 2021, p.27)

Sem sirene de aviso, aproximadamente às 15h30 da tarde, do dia 05 de novembro de 2015, estourou a barragem de rejeitos de minérios de Fundão, pertencente a mineradora Samarco S.A (VALE e BHP Billiton). O rompimento da barragem foi responsável pelo despejo de aproximadamente 62 milhões de metros cúbicos de lama ao longo de 663km da bacia do rio Doce. A primeira comunidade atingida foi o subdistrito de Bento Rodrigues, pertencente ao município de Mariana- MG e, na sequência, a avalanche de lama percorreu um largo percurso ao longo dos rios Gualaxo Norte, Carmo e Doce e deixou um extenso rastro de destruição por uma faixa territorial que abarca cerca de 40 distritos e municípios dos estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia.

O rastro da lama causou a destruição das comunidades de Pedras, Camargos, Borba, Ponte do Gama, Campinas, Paracatu de Cima, Paracatu de Baixo e Bento Rodrigues em Mariana. Atingiu a cidade de Barra Longa e seguindo o leito do Rio Doce, chegou às cidades de:

Sem Peixe; Rio Doce; Santa Cruz do Escalvado; Rio Casca; São Domingos da Prata; São José do Goiabal; São Pedro dos Ferros;

Dionísio; Raul Soares; Córrego Novo; Pingo D´Água; Mariléia; Bom Jesus do Galho; Caratinga; Timóteo; Santana do Paraíso; Bugre; Iapu;

Coronel Fabriciano; Ipaba; Ipatinga; Belo Oriente; Naque; Periquito;

Sobrália; Fernandes Tourinho; Alpercata; Tumiritinga; Galileia;

Conselheiro Pena; Resplendo; Itueta, Aimorés. Ainda, atingiu no Espírito Santo as cidades: Baixo Guandu, Colatina e Linhares, Serra, São Mateus, Aracruz até o litoral da Bahia. (BARRETO; ROSA;

MAYORGA, 2020, p. 2)

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Figura 1 – O trajeto da lama

Fonte: Museu virtual Mariana território atingido.

O desastre-crime sociotécnico acarretou na morte imediata de 19 pessoas1 e um abortamento, entre elas 4 moradores, 14 trabalhadores terceirizados e 1 trabalhador contratado da mineradora Samarco S.A. Destruiu moradias, escolas, equipamentos públicos, espaços comunitários, vilarejos, rios, aproximadamente 1,5 hectares de vegetação, além de Áreas de Preservação Permanente (APP) (FELIPPE et al., 2016; PoEMAS, 2015).

O volume de rejeitos liberado pelo rompimento da barragem fez surgir um fluxo de lama que rapidamente atingiu as artérias fluviais, causando distúrbios impensáveis na dinâmica dos rios, na sociedade e no meio ambiente. A cerca de 2,5 km do dique, a localidade de Bento Rodrigues foi atingida pela lama 15 minutos após o rompimento, tendo grande parte de sua estrutura urbana destruída. Segundo informações do Corpo de Bombeiros Militares de Minas Gerais, os depósitos de rejeitos atingiram mais de 10 metros de altura em alguns pontos do vilarejo. Outras localidades de Mariana também foram atingidas pela lama, com destaque para Paracatu de Baixo, que teve parte das casas soterrada. Aproximadamente 750 pessoas perderam suas casas e as mortes podem chegar a 19. Drenados pelo rio Gualaxo do Norte, parte

1 Perderam suas vidas no desastre-crime, Carlos Fiuza, de 40 anos; Sileno Narkievicius de Lima, de 47 anos; Waldemir Aparecido Leandro, de 48 anos; Emanuely Vitória, de 5 anos; Thiago Damasceno Santos, de 7 anos; Marcos Xavier, de 32 anos; Marcos Aurélio Pereira Moura, de 34 anos; Samuel Vieira Albino, de 34 anos; Mateus Márcio Fernades, de 29 anos; Edinaldo Oliveira de Assis; Daniel Altamiro de Carvalho, de 53 anos; Maria Elisa Lucas, de 60 anos; Maria das Graças Celestino, 64 anos ; Claudemir Santos, de 40 anos; Pedro Paulino Lopes, de 56 anos; Antônio Prisco de Souza, de 73 anos; Vando Maurílio dos Santos, de 37 anos; Ailton Martins dos Santos, de 55 anos e Edmirson José Pessoa, de 48 anos (G1 MG, 2015).

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significativa dos rejeitos chegou ao rio do Carmo e atingiu, posteriormente, o rio Doce, acompanhada por uma onda de cheia que promoveu inundações em diversos trechos, com destaque para a área urbana de Barra Longa-MG. No dia 21 de novembro, a água com os rejeitos alcançou o Oceano Atlântico e se espalhou por uma extensão superior a 10 quilômetros no litoral do Espírito Santo. Os rejeitos depositados agora vão sendo remobilizados paulatinamente pelos processos pluviais e fluviais, mantendo os sedimentos oriundos do rompimento da barragem nas águas do rio Doce por um período de tempo ainda inestimável (FELIPPE et al., 2016, p. 5).

A bacia do rio Doce, quinta maior bacia do país, foi atingida e o seu ecossistema destruído. A dinâmica de vida de mais de um milhão de pessoas, habitantes das cidades próximas aos rios, com destaque para trabalhadores agrícolas, pescadores, garimpeiros artesanais, comerciantes, comunidades indígenas e quilombolas, foi alterada de forma permanente (FELIPPE et al., 2016; PoEMAS, 2015). O rompimento da barragem de Fundão na região de Mariana-MG foi considerado o maior desastre socioambiental da história do Brasil e do mundo envolvendo barragens de rejeitos de mineração, tendo em vista o volume de rejeitos despejado, a extensão da lama e os prejuízos calculados (BOWKER ASSOCIATES, 2015).

Ao longo do caminho de destruição causado pela lama, verifica-se:

mortes de trabalhadores da empresa e habitantes das comunidades afetadas, sendo que uma pessoa ainda está desaparecida; despejo de populações; devastação de localidades e consequente desagregação dos laços sociais das comunidades; destruição de estruturas públicas e privadas (edifícios, pontes, ruas, etc.); destruição de áres agrícolas;

interrupção de energia elétrica pelas usinas hidrelétricas afetadas (Candonga, Aimorés e Mascarenhas); destruição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e vegetação nativa da Mata Atlântica; mortalidade da biodiversidade aquática e da fauna terrestre;

interrupção da pesca por um período indeterminado; interrupção do turismo; perda e fragmentação de habitats; restrição ou fragilidade dos serviços ambientais dos ecossistemas; alteração dos padrões de qualidade das águas frescas, marinhas e salgadas; sensação de perigo e desamparo da população. (BARRETO; ROSA; MAYORGA, 2020, p. 2-3)

O relatório técnico produzido por Felippe et al. (2016) apontou que os rejeitos de minérios eram compostos por elevados índices de metais pesados como alumínio, chumbo e arsênio. No que tange aos impactos ambientais, a lama provocou assoreamento dos rios, contaminação do solo e das águas, intoxicou e matou asfixiados cerca 40 toneladas de peixes, além do extermínio de mais de 80 espécies

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que viviam sob as margens da bacia do Rio Doce (IBAMA, 2015; CUNHA, 2015;

IGAM, 2015a; IGAM 2015b; PREFEITURA DE GOVERNADOR VALADARES, 2015).

A contaminação do rio e do solo com metais pesados inviabilizou as atividades pesqueiras, a criação de animais e agricultura realizada pelos núcleos familiares e afetou o fornecimento de água potável nas cidades que dependiam do rio para o seu abastecimento. Devido ao deslocamento das famílias para centros urbanos vizinhos as localidades atingidas, o plano das relações sociais e comunitárias nos territórios também foi alterado (FELIPPE et al., 2016; PoEMAS, 2015, ZHOURI et al., 2016;

BARRETO; ROSA; MAYORGA, 2020).

Bento Rodrigues2, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Barra Longa, entre outros territórios atingidos, eram habitados majoritariamente por pequenos produtores rurais, pescadores artesanais, pequenos comerciantes e trabalhadores do setor mineral, seja através do emprego nas empresas terceirizadas ou contratados diretamente pelas mineradoras da região. No geral, os habitantes dessas localidades possuíam em sua organização uma lógica de produção do trabalho diretamente ligado a terra e as águas. Prevalecia o modo de vida rural e ribeirinho, com sua principal atividade econômica baseada na produção agrícola e criação de animais.

Vale ressaltar, que a contaminação dos afluentes do rio Doce impactou as populações que viviam da pesca e atualmente, as cidades que dependiam dos rios para o seu abastecimento convivem com águas impróprias pra consumo, o que representa diversos impactos na saúde3 coletiva.

2 Bento Rodrigues possuía uma população estimada de 612 habitantes, desabrigados após o rompimento da barragem. Considerada uma localidade histórica, construída no contexto da garimpagem do ouro do século XVII, o vilarejo localizado na rota da estrada Real, possuía construções datadas do período colonial, a exemplo da Igreja de São Bento, construída no ano de 1718, completamente destruída pelos rejeitos.

3 Um grupo de pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) apresentou em 06\12\19, um estudo feito no solo, água e leite de vaca nas cidades atingidas pela lama do rompimento da barragem de Fundão, em 2015, da mineradora Samarco, Vale e BHP Billiton. O estudo, assim como uma dezena de levantamentos anteriores, mostra resultados extremamente preocupantes, que se juntam a uma realidade de doenças que já estão acontecendo na bacia. O resultado do Laboratório de Educação Ambiental, Arquitetura, Urbanismo, Engenharias e Pesquisa para a Sustentabilidade (LEA-AUEPAS) mostra níveis acima do permitido de chumbo no leite de vaca; arsênio, cromo e mercúrio no solo; e arsênio, chumbo, ferro, manganês, mercúrio e níquel na água. O caso mais discrepante é o arsênio, que está 32 mil vezes de vezes mais alto na água e dezessete vezes mais alto no solo. O estudo pode ser considerado complementar a outro levantamento, feito pela Ambios Engenharia e Processos ao longo de 2018 em oito distritos pertencentes a Mariana. A Ambios analisou solo, água e leite de vaca, mas também sedimentos e poeira domiciliar. As cidades foram classificadas como “Local de Perigo Categoria A: Perigo urgente para a Saúde Pública”. Isso significa, de acordo com o relatório, “que existe um perigo para a saúde das populações expostas aos contaminantes definidos através da ingestão, inalação ou absorção dérmica das partículas de solo superficial e/ou da poeira domiciliar contaminadas”

(CEE FIOCRUZ, 2020, s/p).

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Figura 2 – Bento Rodrigues antes e depois do rompimento

Fonte: PORTAL R7, 2015.

Figura 3 – Jesus ama o povo de Bento Rodrigues

Fotografia: Camilla Veras, 2016.

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Figura 4 – Ruínas de Bento Rodrigues

Fotografia: Isis Medeiros.

Figura 5 – O Rio Gualaxo do Norte contaminado e impróprio para consumo

Fotografia: Erasmo Ballot, Jornal A SIRENE

Os territórios organizados através do sistema produtivo da agricultura familiar possuem particularidades que envolve uma determinada dinâmica familiar de

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produção e apropriação do fruto do trabalho, ou seja, a produção e o consumo conformam uma única unidade produtiva. Nesses territórios, além de se configurar como espaço de produção e comercialização de mercadorias, a terra é patrimônio, transmitida de forma geracional e se configura como o espaço de organização da vida material, moral e simbólica da família, de perpetuação de crenças, costumes, valores e tradições de determinada comunidade (MOURA, 1988; WOORTMANN, 1990).

Após o rompimento, as populações que residiam em territórios próximos ao

“epicentro da lama”, assim referenciados, tendo em vista que são os territórios localizados nos arredores da barragem, foram removidas para pousadas e hotéis e posteriormente direcionadas para casas e apartamentos alugados no centro urbano de Mariana-MG, considerado por parte da população como “cidade grande”.

O deslocamento para o centro urbano de Mariana-MG acarretou no afastamento e enfraquecimento das relações de vizinhança vivenciadas nos territórios destruídos, gerou perda socioeconômica e modificou a atividade laboral dos atingidos, tendo em vista que, anteriormente ao rompimento, prevalecia o modo de subsistência rural, através da plantação, pesca, criação de animais, produção de ovos, leite e hortaliças. Com a perda do meio de subsistência, parte dos atingidos que viviam da produção agrícola e pesqueira passaram a depender financeiramente do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) fornecido pela mineradora.

Figura 6 – Rio Carmo em Barra Longa (MG)

Fotografia: Camilla Veras, 2016.

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A barragem de Fundão integra o Complexo da Alegria junto com as barragens de Santarém, Germano e Cava de Germano e pertencem a Samarco Mineração S.A.

empresa join-venture da VALE S.A. e da BHP Billiton Brasil Ltda. A Samarco S.A atua na extração de minério de ferro brasileiro desde o ano de 1973. A narrativa propagada pelas mineradoras de que o rompimento ocorreu como fruto de um abalo sísmico, um acidente, foi refutada, já que a investigação apontou negligência e omissão dos gestores da Samarco, tendo em vista que falhas da estrutura da barragem eram de conhecimento da mineradora desde o início da sua operação (PoEMAS, 2015;

GRISUL, 2018).

Segundo laudo da Polícia Civil de Minas Gerais, o rompimento ocorreu em razão da liquefação dos rejeitos arenosos que sustentavam as elevações da barragem. Além disso, um relatório do Ministério Público do Trabalho e da Previdência Social aponta que elementos da estrutura, do funcionamento e da manutenção da barragem, como falhas na drenagem, erosões, vazamentos, trincas, etc., também foram responsáveis pelo rompimento. O Ministério Público apresentou denúncia contra a Samarco, a Vale, a BHP Billiton e mais 23 pessoas, alegando responsabilidade por crimes ambientais e penais. Em momento posterior, ajuizou ação civil pública requerendo a reparação integral dos danos sociais, econômicos e ambientais causados pelo rompimento. (GRISUL, 2018, p. 14)

O rompimento da barragem de Fundão foi atribuído a falhas na sua estrutura e apesar de prévio conhecimento do Conselho de Administração da mineradora, não foram tomadas medidas cabíveis em prol da resolução do problema ou mesmo a prevenção dos danos. Tal fato corroborou para o entendimento jurídico de tragédia anunciada e crime socioambiental. Após o acontecimento, 21 executivos das mineradoras e o engenheiro da VogBR foram denunciados pelo Ministério Público Federal pelos crimes de homicídio qualificado, lesão corporal, desabamento, inundação e nove crimes ambientais (PIMENTEL, 2016; SILVA, 2017; PoEMAS, 2015;

ROSA, 2019).

Tendo em vista a disputa de narrativas vigente em que a mineradora utiliza da terminologia acidente para referir-se ao rompimento, a terminologia utilizada neste estudo segue a nomenclatura utilizada pelos pesquisadores da área atualmente. O rompimento da barragem de Fundão foi caracterizado inicialmente como desastre tecnológico (ZHOURI et al., 2016) e foi posteriormente atualizado para a nomenclatura desastre-crime sociotecnológico.

(33)

Toda tragédia que sucedeu em decorrência do rompimento da barragem teria outro desfecho caso as empresas envolvidas tivessem tomado medidas cabíveis de monitoramento e segurança. Além da elaboração de um plano de contingência que incluísse o aviso e preparação das comunidades de como proceder em uma situação de risco e emergência, à exemplo do funcionamento básico de uma sirene, do mapeamento das rotas de fuga em caso de necessidade de evacuação, ou até mesmo a remoção e o deslocamento prévio das famílias das zonas de salvamento e áreas de risco imediato.

Como Bento Rodrigues, inúmeras comunidades ribeirinhas na bacia do rio Doce constituíram historicamente os seus lugares e modos de vida em torno da dinâmica fluvial, e somente com a posterior inserção do mega empreendedor minerário no território é que seus respectivos lugares foram transformados em "áreas de risco", sujeitas a catástrofes. Índice significativo desse processo é a estimativa feita pela Fundação Estadual do Meio Ambiente de que, das 735 barragens existentes em Minas Gerais, 42 não apresentam garantia de estabilidade. Sabe-se que a barragem de Fundão tinha passado por auditoria e era considerada estável. No caso específico dos empreendimentos da Samarco (Vale/BHP Billiton), os riscos de um possível rompimento e as medidas que deveriam ter sido tomadas para evitá-lo já eram conhecidos pelas autoridades ambientais anteriormente ao evento. Em perícia realizada a pedido do MP de Minas Gerais, o Instituto Prístino alertara, ainda em 2013, para o risco de colapso da barragem de Fundão. O laudo recomendava o periódico monitoramento geotécnico e estrutural dos diques e da barragem; e destacava a necessidade de um plano de contingência para situações de risco ou acidentes. Tais recomendações contrastam com a real inexistência, na área do empreendimento, do mais elementar sistema de alarme sonoro, destinado ao alerta da população do entorno em casos de acidente ou agravamento dos riscos. (ZHOURI et al., 2016, p. 37)

A repetição dos desastres-crimes envolvendo barragens de mineração demonstra que pouco foi aprendido com a experiência do rompimento da barragem de Fundão em Mariana-MG. Em menos de quatro anos, no dia 25 de janeiro de 2019, a tragédia se repetiu no contexto do rompimento da barragem B1 na mina Córrego do Feijão da Vale S.A, localizada na cidade de Brumadinho-MG. Cerca de 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minérios foram despejados sob o rio Paraopeba, atingindo mais de 700 pessoas no local. Mais de 270 pessoas vieram a óbito e 4 pessoas ainda seguem desaparecidas. Diversas instalações da empresa próximas a barragem foram soterradas, como o refeitório, escritórios administrativos, o

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almoxarifado, vestiário, entre outros. No seu percurso, a lama de rejeitos soterrou ainda uma pousada, parte do distrito de Córrego do Feijão e pequenas propriedades rurais (FARIAS, 2020).

A lama chegou ao Rio Paraopeba, numa extensão de mais de 100 quilômetros, impactando o fornecimento de água para comunidades indígena e quilombola, e para as cidades de Brumadinho e Pará de Minas, que tiveram a captação de água do Rio Paraobeba interrompida. Também foram atingidas várias propriedades rurais nas margens do Córrego do Feijão e do Rio Paraopeba. As alterações na turbidez e nos níveis de metais na água ainda se fazem presentes e tem sido motivo de preocupação constante das autoridades. Também tem sido motivo de preocupação a saúde dos militares do corpo de bombeiros que autuaram e continuam atuando no resgate dos corpos.

A economia da região foi duramente afetada e o município de Brumadinho perdeu cerca de 60% de sua renda, além de ter suas atividades de comércio e turismo seriamente afetadas. Seus impactos sócio-econômicos-ambientais para toda região ainda estão sendo mensurados. (FARIAS, 2020, p. 16-17)

Figura 7 – Brumadinho

Fotografia: Antonio Cruz/Agência Brasil.

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Figura 8 – Arpillera Vale Assassina. Autoria: Mulheres atingidas de Satélite e Juatuba, Minas Gerais

Fotografia: Marcelo Aguilar. Acervo MAB (2020).

O rompimento da barragem de Fundão em Mariana-MG e da barragem de Córrego do Feijão em Brumadinho-MG desvelaram o modus operandi das grandes mineradoras na operação e reparação dos danos dos seus empreendimentos. O modelo de extração mineral vigente no Brasil pautado na superprodução, intensificação da exploração de minérios e da mão-de-obra, se configura como um modelo predatório que gera diversos impactos socioambientais e violações de direitos humanos nos territórios atingidos. São diversos os impactos econômicos, psicossociais, culturais e ambientais que estão submetidas as populações ribeirinhas, tradicionais e campesinas, as mais atingidas com a construção de megaprojetos extrativistas e ameaças de rompimentos de grandes estruturas (COELHO, 2015;

PoEMAS, 2015;MACHADO ARÁOZ, 2020).

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Figura 9 – Arpillera 25 de janeiro. Autoria: Mulheres atingidas de Brumadinho

Fotografia: Marcelo Aguillar (MAB, 2020).

Os rompimentos de barragens da mineração estão incluídos em uma estrutura de aponta para um modo de exploração e espoliação dentro do contexto capitalista e neoliberal. O Brasil abastece o mercado mundial com bens primários a partir da exportação de commodities oriundas da produção do agronegócio e da extração mineral. A exploração mineral no Brasil datada desde o período colonial, possui Minas Gerais como um dos seus grandes polos extrativos. A região foi protagonista da exploração do ouro no primeiro ciclo de mineração e atualmente concentra uma das maiores jazidas de minério de ferro do mundo, matéria-prima fundamental para o desenvolvimento do aço, elemento constituinte para construção dos grandes centros urbanos.

Os desastres-crimes provocados pelos rompimentos de barragens de rejeitos não são fenômenos isolados e acidentais, se configuram como o trágico resultado da equação que envolve a exploração da natureza, a criação de superestruturas de engenharia em territórios vulneráveis que convivem diariamente com injustiças socioambientais e violações de direitos.

Diante da crise estrutural do capitalismo, com fins de manutenção das taxas de lucro dos acionistas, há um aumento significativo da extração de minérios para

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exportação e alimentação do mercado global, associado a redução de custos com segurança, monitoramento das barragens e contratação de trabalhadores. A intensificação da produção nessas condições transforma as barragens de rejeitos em imensas “bombas relógios” prestes a se romperem (COELHO, 2015; PoEMAS, 2015;

VIDAL, 2021).

O rompimento das barragens em Mariana-MG e Brumadinho-MG, não foram os primeiros incidentes envolvendo estruturas de barragens de minérios na região.

Anteriormente no estado de Minas Gerais ocorreram outros rompimentos, a exemplo da ruptura da barragem pertencente a mineradora Rio Verde no território de Macacos, distrito de Nova Lima-MG, no ano de 2001, da barragem da mineradora Rio Pomba Cataguases no território de Miraí no ano de 2007 e da barragem de Herculano em Itabirito, no ano de 2014 (SINDIELETRO-MG, 2019).

O ciclo de exploração dos bens da natureza presentes no contexto capitalista se relacionam com os desastres sistemáticos que acontecem em todo globo. Na periferia do sistema capitalista, o neoextrativismo é adotado como estratégia de desenvolvimento econômico pelos Estados nações e empresas transacionais. Apesar das mudanças e do avanço tecnológico, a herança colonial do enriquecimento e crescimento através da exploração e exaustão de recursos naturais persiste e dá sinais de esgotamento (SVAMPA, 2019; MACHADO ARAÓZ, 2020).

O tema das mudanças climáticas e consequentes catástrofes, a extinção e desmatamento de florestas tropicais, o aumento de lixo e poluentes, a contaminação dos lençóis freáticos, a propagação de epidemias e pandemias colocam na ordem do dia a discussão das pautas ambientais no centro do debate e da preocupação mundial com a sobrevivência humana no planeta. Como afirma Beltrán (2019, p. 138): “A direção que caminha a sociedade é de suicídio coletivo por não encarar de maneira coerente a crise climática”.

As atividades derivadas do extrativismo – sejam mediante a mineração, a exploração de petróleo ou a monocultura de produtos primários como a soja e a cana de açúcar –, ao não considerarem as técnicas e os limites dos recursos naturais, têm profundos impactos sobre o meio ambiente. Estes impactos se tornam especialmente visíveis quando acontecem “acidentes ambientais”, como o rompimento da barragem de Mariana em Minas Gerais, mas são constantes e contribuem para aumentar problemas como a contínua emissão de gás carbônico e o aquecimento global. Ao contaminar as águas, o ar e a terra, a destruição ecológica que estes projetos promovem é elevada e, em alguns casos, total. Como evidenciam os

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10 exemplos representados no mapa, os efeitos variam entre um projeto e outro, mas geralmente geram perda de biodiversidade, poluição do ambiente e de recursos vitais e vazamento de resíduos tóxicos com graves consequências sobre a saúde das comunidades atingidas. Estes efeitos são contrários à Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece que toda pessoa tem direito a uma qualidade de vida adequada para sua saúde. (GRISUL, 2018, p. 4)

A crise climática e a consequente produção de desastres são frutos do modelo de produção capitalista neoliberal que se baseia na exploração da natureza, na extração dos bens comuns como recursos finitos e espoliação dos territórios habitados por grupos populacionais socialmente marginalizados, como povos tradicionais, indígenas, quilombolas, camponeses, pescadores, entre outros territórios habitados majoritariamente pela população negra e indígena. Devido ao racismo ambiental e a repatriarcalização dos territórios explorados, são essas as populações, sobretudo as mulheres racializadas, as mais impactadas pela ocupação das empresas e pelas catástrofes aos quais esses territórios estão mais vulneráveis (GRISUL, 2018).

O início do ano de 2022, o Brasil vivenciou fortes chuvas que desencadearam alagamentos, inundações, deslizamentos de terra, aumento do nível de água dos rios, rompimentos de barragens, vias e estradas na região sul da Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. No contexto do sul da Bahia, de acordo com os dados da Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (SUDEC), as enchentes atingiram um total de 822.111 pessoas em 175 municípios da região. Esse contingente abarca o total de 27.205 pessoas desabrigadas, 69.132 desalojadas, 520 pessoas feridas, 26 óbitos e 2 desaparecimentos. (GOV BAHIA, 2022).

Na região de Minas Gerais, as fortes chuvas acarretaram em enchentes, alagamentos, destruição de estradas, riscos de rompimentos e o transbordamento do dique da barragem em Nova Lima (UOL, 2022a). Em São Paulo, diversos alagamentos e deslizamentos afetaram o município de Franco da Rocha (TAVARES, 2022). Já na região serrana do Rio de Janeiro, no município de Petrópolis, as fortes chuvas provocaram deslizamentos de terra, inundações e alagamentos, morreram 233 pessoas e mais de 1000 pessoas estão desabrigadas (TEIXEIRA; AUGUSTO, 2022). Em Pernambuco, na região metropolitana de Recife, em decorrência das enchentes, 129 pessoas foram a óbito, aproximadamente 120 mil pessoas desalojadas e 9 mil pessoas desabrigadas.

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