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1. INTRODUÇÃO, OBJETIVOS E REFERENCIAL TEÓRICO-

1.1.1 Procedimento de coleta de dados

A metodologia para realização da pesquisa e da coleta de dados seguiu a orientação da pesquisa qualitativa, de forma conhecer as narrativas e acessar o universo de crenças, valores, aspirações, motivos, significações do universo mais profundo das relações e fenômenos presentes na fala das mulheres atingidas.

A história de vida como estratégia de compreensão da realidade permite retratar as experiências vivenciadas, bem como suas definições fornecidas por pessoas, grupos ou organizações. Ela pode ser escrita ou verbalizada e abrange os seguintes tipos: a história de vida completa, que retrata todo o conjunto da experiência vivida;

história de vida tópica, que focaliza uma etapa ou setor da experiência em questão. Esse relato fornece um material extremamente rico para análises do vivido. Nele podemos encontrar o reflexo da dimensão coletiva a partir da visão individual (MINAYO, 2001, p. 59)

As entrevistas coletadas e já disponibilizadas nos meios de comunicação constituem espaços para a produção de narrativas referentes as memórias da experiência do desastre-crime em seus territórios, e dos sentidos e significados atribuídos a vivência das mulheres. A memória é indispensável para produção do pensamento e a construção subjetiva, ela conecta a percepção do mundo externo, com a experiência passada, recordações, lembranças e identidade do que fomos e somos (ZILBERMAN, 2006). Através da narrativa baseada na oralidade, estas memórias são dirigidas a uma coletividade. A narrativa tem função de preservar a memória. (BENJAMIN, 1985; ZILBERMAN, 2006).

As entrevistas devem ser consistentes e suficientemente amplas, de modo a evitar inferências desnecessárias ou inadequadas; elas devem ser recorrentes, isto é, a cada entrevista, após uma primeira leitura, o informante deverá ser consultado no sentido de eliminar dúvidas, aprofundar colocações e reflexões e permitir uma quase análise conjunta do processo utilizado pelo sujeito para a produção de sentidos e significados; mesmo considerando que uma boa entrevista possa contemplar material suficiente para uma análise, se houver condições, alguns outros instrumentos podem permitir aprimoramento e refinamento analítico para captar indicadores não verbais como para complementar e parear discursos e ações que estejam nos objetivos da investigação. Outros instrumentos úteis e possíveis de utilização:

relatos escritos, narrativas, história de vida, frases incompletas, autoconfrontação, vídeo-gravação e, inclusive, questionários ou desenhos, desde que sejam complementados e aprofundados através de entrevistas. (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 229)

Presente em todos os grupos sociais, a narrativa possibilita contar histórias, ações, memórias e experiências vivenciadas em determinado sequenciamento, e possui a característica de ser uma ação simples que independe do grau de instrução do autor da narração. A narrativa apresenta o contexto, o tempo, lugar, motivações, ações e o universo simbólico e social de quem conta a história. As histórias narradas podem ou não apresentar uma ordem cronológica de fatos ou então um conjunto de acontecimentos que revelam uma totalidade. As histórias narradas ainda expressam fenômenos sócio-históricos e apresentam contextos sociais (JOVCHELOVITCH;

BAUER, 2008).

Na verdade, as narrativas são infinitas em sua variedade, e nós as encontramos em todo lugar. Parece existir em todas as formas de vida humana uma necessidade de contar; contar histórias é uma forma elementar de comunicação humana e, independentemente do

desempenho da linguagem estratificada, é uma capacidade universal.

Através da narrativa, as pessoas lembram o que aconteceu, colocam a experiência em uma sequência, encontram possíveis explicações para isso, e jogam com a cadeia de acontecimentos que constroem a vida individual e social. Contar histórias implica estados intencionais que aliviam, ou ao menos tornam familiares, acontecimentos e sentimentos que confrontam a vida cotidiana normal.

(JOVCHELOVITCH; BAUER, 2008, p. 90)

De acordo com os autores, a partir da narrativa é possível reconstruir acontecimentos e contextos sociais através da perspectiva do sujeito que conta a história. Como método de pesquisa qualitativa, pode ser considerada um método que questiona o modelo de pergunta-resposta comum nas entrevistas e questionários estruturados. Pressupõe uma metodologia de entrevista não estruturada, profunda, com uma linguagem acessível, informal e cotidiana, em que o entrevistador exerce o mínimo de influência na condução da entrevista.

O esquema de narração substitui o esquema pergunta-reposta que define a maioria das situações de entrevista. O pressuposto subjacente é que a perspectiva do entrevistado se revela melhor nas histórias onde o informante está usando sua própria linguagem espontânea na narração dos acontecimentos. Seria, contudo, ingênuo, afirmar que a narração não possui estrutura. Uma narrativa está formalmente estruturada como apontamos acima, a narração segue um esquema autogerador. Todo aquele que conta uma boa história, satisfaz as regras básicas do contar histórias.

(JOVCHELOVITCH; BAUER, 2008, p. 95-96)

Tendo em vista o contexto sanitário vigente de pandemia da COVID-19, e os cuidados necessários para o combate a propagação do vírus e consequente contaminação, as visitas a campo foram suspensas, o que modificou o desenvolvimento, direcionamento e procedimentos metodológicos adotados neste trabalho de pesquisa. Inicialmente, havia uma expectativa de realizar uma imersão no campo de pesquisa para coletar entrevistas e vivenciar a dinâmica dos territórios atingidos, no entanto, devido às medidas sanitárias de proteção das pessoas que já se encontram em condição de vulnerabilidade, adotou-se para este trabalho um novo enfoque, baseado majoritariamente na literatura cientifica, na produção bibliográfica, técnica e jornalística existente a respeito da temática.

Para conhecer as histórias das mulheres atingidas foram analisadas as entrevistas disponíveis em veículos de comunicação, artigos, eventos públicos gravados, obras em audiovisual, como o documentário “9° PJJ – Documentário:

AtingidAs”, produzido pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e premiado pelo Instituto Vladimir Herzog, a série de reportagens “Marcas da Lama” produzida pelo Jornal Brasil de Fato, relatos e entrevistas publicadas no Jornal A Sirene e em outros veículos de comunicação, além das entrevistas concedidas a pesquisadora de forma virtual entre os anos de 2020 e 2021 e presencial no contexto da realização da pesquisa de mestrado no ano de 2016.

As entrevistas qualitativas permitem acessar a fala, os afetos e as ações presentes nas trajetórias das mulheres atingidas e suas formulações a respeito dos sentidos e significados que compõe a sua experiência de ser impactada pelo desastre da mineração. Uma das entrevistas ocorreu de forma presencial no contexto de imersão do território entre os anos de 2015-2016 e duas de forma virtual através de plataformas online Google Meet ou Zoom. As entrevistas foram gravadas e transcritas.

Além dos dados coletados através das entrevistas, a pesquisa contou com um extenso levantamento bibliográfico das produções científicas a respeito das temáticas estudadas, leitura de documentos técnicos e institucionais, além de notícias veiculadas nos meios de comunicação que contribuíram com informações relevantes para este estudo. A fim de agregar mais informações a respeito dos impactos psicossociais foram analisados também os relatos escritos em diário de campo elaborados no contexto da pesquisa acadêmica do mestrado realizada nos territórios atingidos pelas barragens entre os anos de 2015 e 2016. Em todo texto da tese serão apresentados trechos das narrativas das mulheres atingidas como forma de dialogar com o levantamento teórico apresentado.

1.1.1.1 A dimensão ética

No que tange às dimensões éticas, a pesquisa foi aprovada após submissão ao Comitê de Ética da PUC – SP. A investigação ocorreu principalmente através do levantamento bibliográfico, contudo também possuiu uma dimensão empírica a partir de entrevistas com as mulheres. Neste sentido, foram ser levados em consideração

os princípios éticos da pesquisa com seres humanos, cuidando para não os submeter a riscos materiais e psíquicos. As entrevistadas conheceram e assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) antes de participar das entrevistas.