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Anatomia cerebral

No documento O perigo do silêncio (páginas 52-60)

4.1 PSICOPATIA

4.1.2 Anatomia cerebral

Tendo a atividade cerebral como foco principal, a neurociência se ocupa do estudo do sistema nervoso relacionando-o a áreas do conhecimento que envolvam a cognição, desenvolvendo teses que elucidem a base biológica do comportamento violento (neurobiologia) relacionada aos fatores socioeconômicos e ambientais. (GUERRA, 2011).

Contrapondo criminosos comuns que anseiam por poder, riquezas, prestígio, os psicopatas não possuem estruturas mentais adequadas às funções de sociabilidade, por manifestarem uma maldade gratuita. (FIORELLI; MANGINI, 2002, p. 108).

Dessa forma, neurocientistas concluem que o cérebro de um psicopata e de uma pessoa comum é diferente. Sendo indivíduos desprovidos de emoção, os psicopatas têm sua área central do cérebro, o sistema límbico (sede das emoções), quase que totalmente desativada, assim como há o comprometimento da região das amígdalas, local onde são identificados medo e ansiedade quando há perigo.

Ballone conclui que:

O estímulo elétrico agindo nas Amígdalas provoca crises de violenta agressividade. Em humanos, a lesão da Amígdala faz, entre outras coisas, com que o indivíduo perca o sentido afetivo da percepção de uma informação vinda de fora, como a visão de uma pessoa conhecida ou querida. Ele sabe quem está vendo, mas não sabe se gosta ou desgosta da pessoa que vê. (BALLONE, 2011).

Conforme demonstrada na figura 1: Figura 1 - Sistema Límbico

Fonte: DONNER, 2013.

O lobo frontal, responsável pela razão, trabalha junto com o sistema límbico em pessoas normais, fazendo o equilíbrio entre a razão e a emoção.

No entanto, os psicopatas, além dessa carência de funcionamento do sistema límbico, têm a funcionalidade do lobo frontal trabalhando acima do normal, fazendo com que eles sejam 100% (cem por cento) razão e, por conseguinte, sejam desprovidos de emoção. Contudo aprendem rapidamente a ler as emoções alheias e conseguem dissimular suas próprias emoções no intuito de sensibilizar as pessoas e conseguir o que desejam. Segue figura 2.

Figura 2 – Lobo frontal

Fonte: BALLONE, 2011.

Estudos apontam que as disfunções neuropsicológicas relacionam-se ao comportamento violento presente no lobo frontal, onde reside a inibição e a verificação do comportamento complexo, suas alterações como dificuldades de atenção, concentração, motivação, a formação de intenções, aumento da impulsividade e desinibições, perda do autocontrole, assim como a dificuldade de reconhecimento da culpa e de avaliação das consequências, aumento do comportamento agressivo, sintomas esses correlacionados ao comportamento criminoso. (BALLONE, 2011):

Os Lobos Temporais regulam a vida emocional, sentimentos, instintos, comandam as respostas viscerais às alterações ambientais. Alterações nesses lobos resultam em inúmeras consequências comportamentais, das quais se destacam a dificuldade de experimentar algumas emoções, tais como o medo e outras emoções negativas e, conseqüentemente, uma incapacidade em desenvolver sentimentos de medo das sanções, postura esta freqüente em criminosos. Esses estudos procuram associar o crime com alterações cerebrais específicas. (QUEIRÓS apud BALLONE, 2011, grifo do autor).

Como região mais anterior ao cérebro, o córtex frontal subdivide-se em: córtex motor, responsável pelo movimento; córtex pré-motor, envolvido na sequência

de integração dos atos do movimento e o córtex pré-frontal responsável pelo pensamento abstrato, raciocínio e emoções. (SALLES, 2011).

Mesmo sendo verdade que o aprendizado e a cultura alteram a expressão das emoções e lhes conferem novos significados, as emoções são processos determinados biologicamente, e dependem de mecanismos cerebrais estabelecidos de modo inato, assentados em uma longa história evolutiva. (DAMÁSIO, 2000, p.75).

O caso mais conhecido de lesão na região pré-frontal é o caso marcante no século XIX de Phineas Gage; 25 anos, 1metro e 70 centímetros, atlético, capataz da construção civil, tinha a função de coordenar a tarefa de assentar os trilhos da ferrovia através de Vermont, explodindo as rochas para abrir um caminho mais reto e nivelado. Seus superiores definem-no como o homem “mais eficiente e capaz” sob suas ordens, detentor de uma concentração apurada e destreza física, metódico no momento de preparar as detonações. (DAMÁSIO, 1996).

No momento da detonação, era necessário primeiramente fazer um buraco na rocha enchendo-o até a metade com pólvora, adicionar o rastilho e cobrir a pólvora com areia, que numa cuidadosa sequência de pancadas é calcada com uma barra de ferro. O rastilho é então acendido e a pólvora explode dentro da rocha. A forma do ferro e o seu manuseamento também são importantes; Gage mandou fabricar uma barra de acordo com as suas próprias indicações. (DAMÁSIO, 1996).

É agora que tudo vai se desenrolar. São 4h30 de uma tarde escaldante. Gage acabou de colocar a pólvora e o rastilho num buraco e disse ao homem que o estava ajudando para colocar a areia. Alguém atrás dele o chama e, por um breve instante, Gage olha para trás, por cima do ombro direito. Distraído, e antes de o seu ajudante introduzir a areia, Gage começa a calcar a pólvora diretamente com a barra de ferro. Num átimo, provoca uma faísca na rocha e a carga explosiva rebenta-lhe diretamente no rosto. [...] O ferro entra pela face esquerda de Gage, trespassa a base do crânio, atravessa a parte anterior do cérebro e sai a alta velocidade pelo topo da cabeça. Cai a mais de trinta metros de distância, envolto em sangue e cérebro. (DAMÁSIO, 1996, p. 24).

Gage sobrevive e é levado sentado em um carro de boi, de onde sai “sozinho do carro com uma pequena ajuda de seus homens” até a estalagem de Joseph Adams, juiz de paz da cidade que manda chamar o médico, doutor Harlow. Já passada uma hora desde a explosão, chega a estalagem um colega mais novo do doutor Harlow, o doutor Edward Williams que anos mais tarde descreve a cena. (DAMÁSIO, 1996):

[...] antes mesmo de descer da minha carruagem, sendo as pulsações do cérebro claramente visíveis; a ferida tinha também um aspecto que, antes de eu ter examinado a cabeça, não consegui compreender de imediato: o topo da cabeça assemelhava-se, em certa medida, a um funil invertido. [...] O Sr. Gage, durante o tempo em que estive a examinar o ferimento, ia descrevendo aos circunstantes o modo como havia sido ferido [...] (DAMÁSIO, 1996, p. 26).

Gage sobreviveu e em menos de dois meses foi dado como são, recuperou-se sem prejuízo da linguagem, memória ou movimentos, no entanto, “sua disposição, seus gostos e aversões, seus sonhos e aspirações”, seu comportamento, foi modificado. (DAMÁSIO, 1996, p. 27).

Antes considerado um trabalhador responsável, habilidoso, equilibrado, cortês, passa a ser rude, agressivo, indisciplinado instável e impaciente com baixa tolerância às frustrações, tornando-se desrespeitoso e incapaz de adequar-se às normas sociais ou estabelecer vínculos afetivos durante os 13 (treze) anos seguintes anteriores a sua morte, “o corpo de Gage pode estar vivo e são, mas tem um novo espírito a animá-lo.” (FUMAGALLI, 2012; DAMÁSIO, 1996, p. 27). Segue figura 4.

Figura 4

Fato semelhante ocorreu com um operário brasileiro, de 24 anos que sobreviveu após um vergalhão de 2 metros cair do quinto andar de uma obra onde o operário trabalhava, no Rio de Janeiro, perfurando o lobo parietal (parte posterior da cabeça) e saindo por entre os olhos, atingindo a parte do lado direito do cérebro. (ALVES, 2012).

O operário usava capacete no momento do acidente. Chegou consciente no Hospital Miguel Couto e passou por uma cirurgia de 5 horas em que foi reconstituída a região perfurada e rasgada do cérebro. Segundo os médicos o operário passa bem, apresenta lucidez, não sofreu dano nos olhos e não deverá ter sequelas. A parte do cérebro atingida é a responsável pelo comportamento e por três centímetros a região do cérebro responsável pela coordenação motora, não foi afetada (ALVES, 2012). A figura 5 demonstra o dano.

Figura 5

Fonte: ELIZARDO, 2012.

Diante dos casos relatados conclui-se que os sintomas da psicopatia podem ser adquiridos através de traumas causados na região do córtex frontal, sede das emoções, que ocasionariam as características determinantes das personalidades psicopáticas.

Estudos realizados nos cérebros de presos diagnosticados como psicopatas e aqueles que não são, mostraram diferenças importantes. Os psicopatas tem a conectividade entre a área do córtex pré-frontal e a amígdala, reduzida. Conforme imagem à direita que segue na figura 3:

Figura 3

Fonte: ROMANZOTI, 2011.

Verifica-se na imagem à direita em vermelho o córtex pré-frontal (PFC), em azul está a Amygdala e a via de substância branca que liga as duas estruturas está em verde. (ROMANZOTI, 2011).

António Damásio em sua obra O Mistério da Consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si, revela que:

Uma série de estudos em meu laboratório mostrou que uma estrutura conhecida como amígdala, situada em regiões profundas de cada lobo temporal, é indispensável para reconhecer o medo em expressões faciais, para ser condicionado pelo medo e até mesmo para expressá-lo. (DAMÁSIO, 2000, p. 87).

Estudos nesta área vêm atraindo a atenção da Ética, da Psiquiatria, da Neurologia e do Direito. As emoções, mediadas pelo córtex pré-frontal são críticas para a moralidade humana. Por essa razão o córtex frontal é objeto de análise que, por meio de imagens, demonstram a importância dos estudos relacionados aos comportamentos criminosos:

A neuroimagem estrutural (ressonância magnética e tomografia computadorizada) é capaz de detectar lesões morfológicas no cérebro que

podem ser correlacionadas com determinados comportamentos e com a cognição. Lesões em regiões estratégicas do cérebro tem relação direta e causal com as disfunções observadas. (TABORDA, 2004, p. 70).

Imagens cerebrais de PET (Tomografia por emissão de pósitrons) foram utilizadas por Raine em sua pesquisa para verificar diferenças entre o cérebro dos psicopatas e de pessoas normais. A digitalização é um dos procedimentos de imagem molecular mais utilizada e um aspecto interessante dessa pesquisa é que ele correlacionou as imagens cerebrais de PET à história pessoal do assassino, no intuito de serem verificados se eles haviam sido submetidos a algum trauma prejudicial ao desenvolvimento de sua personalidade durante a infância. Entre os assassinos pesquisados, 12 tinham sofrido abuso significativo ou recebido maus tratos; aqueles provenientes de lares de privação tinham déficit muito maior na área órbito-frontal do cérebro (14% em média) do que pessoas normais e assassinos vindos de ambientes sem privação. (SABBATINI, 1998). Segue figura 6 para verificação:

Figura 6

Fonte: RAINE apud SABBATINI, 1998.

A imagem à esquerda representa o cérebro de uma pessoa normal, no centro um assassino com história de privação na infância e à direita a imagem do cérebro de um assassino sem privação na infância. As áreas em vermelho e amarelo mostram a atividade metabólica mais alta e em preto e azul uma atividade metabólica mais baixa. O cérebro do psicopata à direita, tem uma atividade muito baixa em muitas áreas, mas que é fortemente ausente na área frontal, parte superior das imagens. (SABBATINI, 1998).

O comprometimento do córtex pré-frontal prejudica a capacidade de avaliar as consequências, nos indivíduos acometidos por tal condição faltaria este mecanismo inibitório ou veto, ocasionando falhas na aprendizagem, nas escolhas e na conduta. “Assim, eles se mostram alheios às futuras consequências de seus atos e atuam segundo suas perspectivas imediatas.” (GOLDAR, 1979 apud BUTMANN; ALLEGRI, 2001):

O comportamento moral anormal favorece a quebra de normas e avança nos direitos civis utilizando-se da violência para a prática de atos criminosos. [...] é o produto de um processo complexo que, embora possa ser influenciado pela herança genética e/ou o ambiente é controlada em última instância pelo cérebro [...]. (FUMAGALLI 2012, p. 11).

Estudos e relatos de casos em veteranos de guerra mostraram relação entre lesão da região pré-frontal e a observação clínica de comportamentos agressivos e de inadequação social. (BROWER apud DEL BEM, 2005).

Essa condição de inadequação quando verificada no local de trabalho por indivíduos portadores da psicopatia pode trazer grandes preocupações pela gravidade das consequências geradas por seus atos.

Comportamentos agressivos de declarada perversão no ambiente laboral poderiam ser verificados com o mapeamento das emoções cerebrais de indivíduos que apresentem traços de comportamento comuns aos psicopatas, pois embora não seja um serial killer, causam estrago por onde passam. Num estudo emblemático, a autora do livro Mal-estar no trabalho, Marie France Hirigoyen, apresenta aspectos característicos da atuação do psicopata no ambiente laboral ressaltando que, “a piedade e a generosidade das pessoas podem se transformar em uma folha em branco assinada nas mãos de um psicopata” (SILVA, 2010, p. 70).

Por conseguinte, partindo das premissas dos estudiosos elencados e seguindo a perspectiva do presente compêndio, as delimitações da personalidade psicopática no ambiente laboral, seguem algumas características peculiares a seguir.

No documento O perigo do silêncio (páginas 52-60)

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