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História do conceito

No documento O perigo do silêncio (páginas 48-52)

4.1 PSICOPATIA

4.1.1 História do conceito

É de Giordano Cardamo, professor de medicina da Universidade de Pavia, uma das primeiras descrições sobre Personalidade Psicopática como “improbidade”; referindo-se a um quadro em que não é alcançada a insanidade total, tendo em vista que essas pessoas mantêm a aptidão para dirigir sua vontade. (CARDAMO apud BALLONE, 2011).

Pablo Zacchia descreve em Questões Médico Legais concepções notáveis, que logo dariam significação às "psicopatias" e aos "transtornos de personalidade." (ZACHIA apud BALLONE, 2011).

Philippe Pinel, médico e filósofo, publica em 1801 seu Tratado sobre a alienação mental e fala de pessoas nas quais embora haja ausência do delírio, têm todas as características da mania, que chamava de “estados de furor persistente e

comportamento florido, distinto do conceito atual de mania.” (BERRIOS, 1993 apud BALLONE, 2011):

Dizia, no tratado, que se admirava de ver muitos loucos que, em nenhum momento, apresentavam prejuízo algum do entendimento, e que estavam sempre dominados por uma espécie de furor instintivo, como se o único dano fossem em suas faculdades instintivas. A falta de educação, uma educação mal dirigida ou traços perversos e indômitos naturais, podem ser as causas desta espécie de alteração. (PINEL, 1988 apud BALLONE, 2011).

No entanto John Locke asseverava que não poderia haver mania sem prejuízo do intelecto, o comprometimento intelectual manifestado normalmente através do delírio era condição para que os juízes dessa época declarassem a insanidade do indivíduo. Essa idéia era contraposta por Prichard e Pinel, pois para eles a insanidade poderia existir sem o comprometimento intelectual sugerindo ainda o adoecimento independente de mais duas funções mentais, a afetividade e a vontade. (BALLONE, 2011).

James Cowles Prichard publica em 1835 o Tratado Sobre a Loucura e Outros Distúrbios que Afetam a Mente3, referindo-se a Insanidade Moral. “A partir dessa obra, o historiador G. Berrios (1993) discute o conceito da Insanidade Moral como o equivalente ao nosso atual conceito de psicopatia.”(PRICHARD apud BALLONE, 2011).

Bénédict Augustin Morel elabora em 1857 sua teoria da degeneração a partir da concepção religiosa da criação do ser humano “segundo um tipo primitivo perfeito” em que sua essência, isto é, a natureza humana, é a contínua supremacia à “dominação do moral sobre o físico e todo desvio desse tipo perfeito, seria uma degeneração”, hierarquicamente o corpo não é mais que "o instrumento da inteligência". Esta hierarquia seria invertida pela doença mental que é a “expressão sintomática das relações anormais que se estabelecem entre a inteligência e seu instrumento doente, o corpo”, pois transformaria o ser humano “em besta”. (MOREL apud BALLONE, 2011).

Esse elemento religioso de Morel foi suprimido por alguns autores e foram acentuados os aspectos neurobiológicos. “A degeneração de um indivíduo se transmite e se agrava ao longo das gerações, até chegar à decadência completa.”

(BERCHERIE apud BALLONE, 2011) Sendo assim, a ideologia da hereditariedade e da predisposição foram afirmadas por outras teorias sobre as doenças mentais.

Relacionado a defeito de caráter, pela falta de empatia e responsabilidade ética, o termo psicopatia foi usado inicialmente por Kraepelin que afirmou em 1904: “possuem personalidade psicopática aqueles que não se adaptam à sociedade e sentem necessidade de ser diferentes”; corroboraram com a assertiva Morel, Schneider, Mira y López, Cleckley, Hare, entre outros. (FRANÇA, 2004):

Emil Kraepelin (1856-1925), expoente da escola psiquiátrica alemã, empreendeu um trabalho de classificação e organização das formas de descrever a doença mental. Na sétima edição de seu Tratado de psiquiatria, de 1904 o termo “personalidade psicopática” aparece para referir-se a um tipo de pessoas que não são nem neuróticas nem psicóticas, considerando que seus defeitos se limitam à vida afetiva e à vontade (SHINE, 2000 apud CASTRO; CAMPOS, 2011).

A psicopatia é um conceito forense que na área da saúde é definido como transtorno de conduta. As principais características que definem o transtorno, de acordo com o checklist de pontuação do protocolo Hare - Critérios para Pontuação de Psicopatia Revisados (PCL-R) são:

A loquacidade; charme superficial; superestima; estilo de vida parasitário; necessidade de estimulação; tendência ao tédio; mentira patológica; vigarice; manipulação; ausência de remorso ou culpa; insensibilidade afetivo-emocional; indiferença; falta de empatia; impulsividade; descontrole comportamentais; ausência de metas realistas a longo prazo; irresponsabilidade; incapacidade para aceitar responsabilidade pelos próprios atos; promiscuidade sexual; muitas relações conjugais de curta duração; transtornos de conduta na infância; delinquência juvenil; revogação de liberdade condicional; versatilidade criminal. (FIORELLI; MANGINI, 2002, p. 108).

O psicopata caracteriza-se pelo transtorno antissocial da personalidade, ele sabe exatamente o que faz e não tem empatia, “mesmo quando não matam possuem características que sempre os colocarão afastados da lei; exige-se, portanto a aplicação de uma medida diferenciada [...]”. Por outro lado, o doente mental psicótico possui reações impulsivas de extrema violência e sem consciência, com crimes imotivados pela ruptura com a realidade e delírios causados pela psicose como a esquizofrenia, vivendo uma realidade paralela (BORGES, 2010; SILVA, 2010, p. 37):

No caso psicótico, comumente não há dissimulação, fuga ou ocultação [...] pela convicção plena de legítima defesa. Já o psicopata aquele com transtorno antissocial da personalidade, apresenta-se primeiramente, como uma pessoa absolutamente normal, com boa memória, inteligente, porém com falta extremada de senso ético, moral, sem empatia, extremado de superego, mas com seu próprio código para convivência em sociedade, sua afetividade fraca, fria, perversa, destituída de sentimentos como remorso, arrependimento.Diferentemente dos psicóticos, ele dissimula, oculta, empreende fuga, por entender a ilicitude de seus atos, sente prazer na maldade, desejando, produzindo e executando toda a ação delituosa. É irrecuperável, portanto, nasce, vive e morre psicopata. (POSTERLI, 2001 p. 116-119).

No conceito introduzido pelo Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais, a psicopatia encontra-se da seguinte forma:

301.7 Transtorno da Personalidade Antissocial – Característica essencial: padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros, que inicia na infância ou começo da adolescência e continua na idade adulta. Sinônimos: psicopatia, sociopatia ou transtorno da personalidade dissocial. O indivíduo não se enquadra na categoria de portador de doença mental, porém encontra-se á margem da normalidade psicoemocional e comportamental. Requer dos profissionais de saúde e do direito, cautela e parcimônia na avaliação e características típicas. (BALLONE, 2011).

A psicopatia forense e a psiquiatria clínica dependem uma da outra no que se refere a diagnóstico e prognóstico, no entanto diferem entre si, pois enquanto a psiquiatria clínica se preocupa com o enfermo, determinando o diagnóstico e indicando seu tratamento; a psicopatia forense visa encaixar o enfermo mental nos dispositivos legais. “Acrescente-se a isso, conhecimentos de Criminologia e de legislação técnica pericial, para que se possam aquilatar a impossibilidade de adaptação do indivíduo ao meio social e o grau de perigo para a sociedade.” (FERREIRA, 1986, p. 57).

Como não sentem remorsos, tampouco medo de represálias, tornam a reiterar a prática da ação delituosa, por essa razão a reincidência é um fator preponderante na personalidade psicopática.

A psiquiatra forense brasileira Hilda Morana, com base nos estudos do americano Robert Hare, responsável pela validação no Brasil do PCL-R, afirma que é possível a previsão da reincidência criminal nos casos de psicopatia:

[...] a taxa de reincidência criminal é ao redor de 3 vezes maior para psicopatas do que para outros criminosos. Sendo que para crimes violentos a taxa é de 4 vezes maior para psicopatas quando comparados a não psicopatas”. [...] Não há exame padronizado para avaliação da

personalidade do preso e a previsibilidade de reincidência criminal. (MORANA, 2003).

Não é a violência do ato praticado que indica o transtorno, mas o comportamento frequente e habitual aliado a outros aspectos da personalidade, como a mentira, a promiscuidade, a impulsividade, a completa ausência de sentimento de culpa etc. ressalta-se que frequência e habitualidade são também elementos caracterizadores do assédio moral.

Estudos revelam que o cérebro do psicopata é diferente, pois a atividade nas áreas ligadas à razão é maior do que naquelas ligadas à emoção, ao contrário de um cérebro normal, o que caracteriza sua ausência de empatia.

No documento O perigo do silêncio (páginas 48-52)

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