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Dir-se-á porventura que se verifica uma disparidade entre o tratamento dado às leis da natureza no TTP e o estilo pouco eminente como estas surgem no TP, não representando a subtileza desta variação senão uma espécie de progressão depurativa do pensar de Spinoza sobre o natural. Seguindo este raciocínio, Spinoza abordara a lei no TTP sobretudo num sentido prescritivo, o qual, no rescaldo da construção metafísica da natureza operada na Ética, perde toda a validade no concernente à ontologia da necessidade que permite aceder à compreensão da essência do político. Desta feita, a lei da natureza no TP assinalaria a formação das consequências da definição de uma coisa ou da simples disposição da sua

leis enquanto “inscritas” na essência da coisa como as menciona “seguindo necessariamente” (secundum) da essência da coisa. Mas isto não significa que haja disparidade entre as duas maneiras de percepcionar a relação da coisa com a lei da sua natureza: pelo contrário, inscription e entailment são mais complementares e cumulativos que contraditórios, pois a inscrição sendo causal, ela não pode ser senão “sequência necessária”, uma vez que não é outra coisa a própria causalidade: a inscrição é dinâmica necessária de causalidade na natureza, e ocorre também nas modificações singulares, pelo que é despicienda a distinção entre naturans e naturata.

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Ao contrário do que muitos fazem aparentar (por exemplo, A. Koyré, Traité de la Reforme de l’entendement et de la meilleure voie à suivre pour parvenir à la vraie connaissance des choses [1951], p. 113 ; A. Matheron, Individu et communauté chez Spinoza [1969], p. 348; D. P. Aurélio, Imaginação e Poder, 2000, p. 205; J. Blanco-Echauri, “Las concepciones del Ius Naturale o los fundamentos de la politica en Grocio, Hobbes y Espinosa”, 2003, pp. 128-9; R. Ciccarelli, Potenza e beatitudine. Il diritto nel pensiero di Baruch Spinoza, 2003, p. 23, que chega até a identificar três regras físicas do movimento com as regulae naturae), a lei num sentido não prescritivo não se refere apenas à lei física. É verdade que Spinoza exemplifica sempre as leis do direito de natureza por meio de leis físicas, mas não passam disso mesmo: exemplos. As leis físicas, obviamente, devem ser incluídas num sentido pouco prescritivo de lei, mas a ausência do prescritivo de uma lei não designa um seu remontar necessário para o plano físico: basta pensar nas regras gramaticais, que para Spinoza não são propriamente físicas nem tão pouco prescritivas. Z. Levy, in “The problem of normativity in Spinoza’s Hebrew Grammar”, 1985, pp. 356-7, elimina aliás a prescrição da gramática de Spinoza pois não reconhece nesta qualquer ausência de necessidade, qualquer excepção, entendendo ainda as regras de cada idioma como as regras da natureza desse mesmo idioma.

natureza, pelo que a menção a leis em matéria política nunca se reportaria ao seu significado mais tradicional. Ademais, o que é próprio da definição de uma coisa ou da sua natureza que ocasiona um sucedâneo necessário é a própria essência enquanto potência, noção que mais se aproximará da subjectividade da facultas jurídica de Grotius e do ius naturale de Hobbes do que da discursividade mais ou menos objectiva que frequentemente se associa à noção de lei. Assim se explicaria com facilidade por que motivo o TP seja pouco um tratado de leis e sobretudo um tratado de ius. O desvanecer da lei no TP não seria senão o aniquilar da prescrição e um reemerger definitivo do ius enquanto potência.123

Esta interpretação aparenta todavia assentar numa leitura pouco gratificante do próprio TTP. Desde logo, porque não é rigorosa a atribuição de maior relevância a um sentido prescritivo de lei nessa obra: embora no capítulo IV Spinoza afira como mais apropriada a associação de ius ao prescritivo, parece fazê-lo tal como afirma a associação por costume (communiter) da lex ao prescritivo,124 isto é, ao integrar ius e lex na prescrição, Spinoza parece somente estar a identificar ao seu leitor o campo de aplicação do prescritivo sem se preocupar sobremaneira com uma maior ou menor adequação dos conceitos utilizados, como se dissesse ao seu leitor: “tratarei agora da prescrição, aquilo que o leitor conhece com frequência pelos nomes de ius e de lex”.125 Aliás, é já nesse capítulo IV que Spinoza faz contrastar a especificidade humana da lei prescritiva com a universalidade da lei da ontologia da necessidade, tomando então aquela como explicada por esta, e sublinhando a não correspondência do prescritivo às “verdades eternas” da natureza, o que lhe permite apontar como fonte da prescrição uma “falta de conhecimento” (defectum cognitionis) superada pela imaginação. Por outro lado, embora não seja incorrecto dizer-se que no TP a ênfase conceptual encaminha-se toda para o ius em detrimento da lex, em rigor já tal ocorrera no próprio TTP: aquando do segmento argumentativo propriamente político, Spinoza assume como seu ponto de partida o ius naturae, que inclui na sua definição tanto uma herança da subjectividade, a potência do indivíduo, como uma herança da objectividade, as regras dessa

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Parece ser esta a ideia subjacente à análise de P.-F. Moreau, in “Jus et lex: Spinoza devant la tradition juridique, d’après le dépouillement informatique du Traité politique”, 1977, pp. 53-61. Também interpretando a posição das leis naturais no TTP e no TP de maneira díspar, embora aceitando que tal disparidade seja apenas por o TTP ser ainda muito influenciado pela linguagem jurídica sua contemporânea, v. J. Blanco-Echauri, “Las concepciones del Ius Naturale o los fundamentos de la politica en Grocio, Hobbes y Espinosa”, 2003, pp. 120-1.

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«Lex, quae […] ab hominum placito autem, et quae magis proprie Jus appellatur […]», TTP, IV, G III, p. 57; «communiter per legem nihil aliud intelligitur quam mandatum […]», TTP, IV, G III, p. 58.

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Este é um artifício parcialmente presente já em Grotius, que denomina as regras do direito natural (objectivo), nos Prolegomena ao seu De jure belli ac pacis, de “direito mais propriamente assim chamado” (eius iuris quod proprie tali nomine appellatur), quando mais tarde, pelo contrário, tal sentido do direito natural surge apenas como o seu terceiro e mais geral sentido, primazia sendo então dada porventura a um sentido mais subjectivo do direito natural. Cfr. De Jure Belli ac Pacis, Prolegomena, VIII, p. xliv.

potência do indivíduo, pelo que as leis da natureza no sentido da ontologia da necessidade, quando referentes ao humano (aquele indivíduo natural em torno do qual se forma a política), estão já integradas na noção de ius naturae. O discurso político desenrolando-se entre os capítulos XVI e XX do TTP é já um palco concedendo primazia ao ius e não à lex na abordagem à naturalidade do político. E o TP, não renegando mas assentando sobre o TTP e a Ética, não faz senão retomar esse trilho em que o ius naturae é começo feito de leis da natureza.126

A propriedade inscritiva das leis naturais está portanto toda contemplável já no interior do TTP, faltando-lhe tão só a integração plena no processo constitutivo da natureza, só atingível a partir do desenrolar explícito, operado na Ética, da auto-produtividade de Deus, que permitirá captar o que caracteriza a lei natural como oposta à prescrição. Eis então como Spinoza reverte o seu entendimento da lei ao ponto de ela não mais ser dotada de qualquer uma das características próprias da prescrição, mas sim em alguns casos dos seus completos opostos.

I. Desde logo, se a lei em Spinoza é indício da presença de direito, e ela respeita sempre à natureza daquela coisa portadora desse direito, então a lei será o registo do direito do ser da coisa, pois natureza e essência coincidem tanto quanto definição. É que a definição de uma coisa é a inscrição daquilo que ela é toda em si, a revelação demonstrativa da sua essência, a formulação daquilo que ela tem de real, de expressão da natureza. Mas, enquanto constitui direito, a lei da essência não é a mera indicação do estar de um ser encerrado em si, não se limita à mera descrição do que é distintivo numa essência concebida como estática na sua unicidade. Pelo contrário, a essência de Deus caracteriza-se pela omni-inclusividade do ser e do existir, pelo que tudo o que é ou pode ser concebido como sendo (toda a essência, enfim) está contido na essência mesma de Deus, a qual não pode ser entendida senão causal, causa de si causando o que é em si, dela seguindo-se infinitas coisas em infinitos modos. A essência de Deus coincide com a sua potência, dela sempre algo se segue nela, ela é constitutiva da sua constituição, e portanto nunca pode ser dita estática. Ora, se todas as essências se seguem em Deus da essência do próprio Deus, elas são expressões distintas dessa essência mesma, e como tal não podem também ser tidas como estáticas. Por outras palavras,

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Não se poderá em rigor dizer que o TTP seja um “tratado de leis” e o TP um “tratado de ius”, pois mesmo o TTP contém a apresentação da lei natural como elemento da determinação interna do direito de uma coisa, e assim a apregoada influência da tradição conceptual jurídica, contemporânea de Spinoza, nessa obra, relativamente a esta matéria, não é tão notória quanto suscitará a sua estrutura retórica. Dir-se-ia até, seguindo neste aspecto A. Tosel, Spinoza ou le crépuscule de la servitude, pp. 171-2, que o TTP, logo desde o seu capítulo IV, concentra já em si todo o caminho de produtividade a desenrolar-se desde a parte primeira da Ética até à parte final, pois surge já aí a lei como regulação do agir de todo o indivíduo natural, enquanto imutável determinação interna.

se a essência acarreta um dinamismo de índole causal, então do seu posicionar-se algo se segue, e o ontológico funde-se com uma concepção de causalidade.127 A lei da essência da coisa terá por conseguinte de deixar transparecer a produção necessária das consequências emergentes da sua definição ou dos efeitos resultantes do seu mero posicionamento – ela comporta um traço inevitável de causalidade.

Nada manifesta mais esta característica que a menção por Spinoza da propensão determinativa das leis da natureza de cada coisa128: a lei é direito quando expressa uma essência em determinação. Ora, da perspectiva deste conceito a partir de um nível etimológico, segue-se tão só o surgimento imediato de uma dimensão negativa daquilo a que respeita, a propósito da qual não há provas de causalidade. Determinar é uma derivação de terminar, da imposição de um término, de um limite. E a vigência de um limite corresponde ao contorno no qual ocorrem as negações mútuas daquilo que é, aí sendo apenas na negação do que não é: esta é a marca da presença da alteridade, que não é senão consequência de uma instalação da finitude129. Nesta medida, a determinação envolve pelo menos uma dupla lateralidade, cuja negação mútua acarreta a identificação de cada e a respectiva diferenciação, pois se a essência nega o que não é, também é por sua vez negada pelo que não é: o contorno da negação distingue assim as essências e imprime nelas a identidade do único.130 É esta a dimensão que parece ser relevada por Spinoza na determinação quando a contextualiza na finitude, como sucede numa célebre carta a Jarig Jelles a propósito da noção de figura:

Como então a figura não é senão determinação, e a determinação é negação, não

poderá ser, como referido, outra coisa senão negação.131

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M. Lin, in “Teleology and Human Action in Spinoza”, pp. 28-30, traduz eficazmente esta fusão entre o ontológico e o causal por intermédio da fórmula CTE, “causation through essence”: «X is F essentially just in case there is some effect that x causes in virtue of being F. It follows from this that: if x is not F essentially, then there is nothing that x causes in virtue of being F.» (p. 28). O próprio M. Lin sustenta porém ser esta uma tese defeituosa, acusando de falácia a doutrina que não reconhece acidentes exteriores às essências das coisas, e muito menos poderes causais nesses mesmos acidentes.

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«Per Jus et Institutum Naturae nihil aliud intelligo, quam regulas naturae uniuscujusque individui, secundum quas unumquodque naturaliter determinatum concipimus ad certo modo existendum et operandum.», TTP, XVI, G III, p. 189 (DPA, p. 325) (o itálico é aqui acrescentado ao texto de Spinoza).

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«Ea res dicitur in suo genere finita, quae alia ejusdem naturae terminari potest.» [Diz-se finita no seu género aquela coisa que pode ser terminada por outra da mesma natureza.], E I Def II, G II, p. 45.

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M. Chaui, A nervura do real, pp. 274-5, menciona ainda um segundo sentido da negação, o da coexistência de singulares finitos, a negação aí interditando “que se possa compreender qualquer um deles sem referi-los a todos os outros com os quais mantém relações internas necessárias”. Mas em rigor esta coexistência não é senão um factor implícito dessa condição diferenciadora que coloca o limitado como único, pois uma coisa assume-se como única apenas quando coexiste com uma outra também ela mesma única. E por único entende-se aqui um apontamento quantitativo não múltiplo da essência. Em rigor, o uno é concebido como uno face ao duo, e portanto de Deus não se pode dizer rigorosamente ser “único” neste sentido. Cfr. CM, I, 6, G I, p. 246, e Ep. L, G IV, pp. 239-240.

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«Quia ergo figura non aliud quam determinatio, et determinatio negatio est; non poterit, ut dictum, aliud quid quam negatio esse.», Ep. L, G IV, p. 240.

Hegel, por seu turno, apreende esta negatividade da determinação em Spinoza como constituindo o seu sentido único, não havendo assim naquilo que envolve determinação, isto é, no particular e no individual, um factor positivo de peso ontológico. É que para Hegel o individual é todo em si apenas quando retorna a si movido pelo vislumbrar do outro, o que acarreta uma absolutização da afirmatividade do que é essencial no indivíduo através da necessidade de uma incidência negativa sobre a negação primeira: a verdadeira afirmação é a negação da negação, ausente em Spinoza pelo carácter somente negativo da sua determinação, esta não sendo por conseguinte primariamente afirmativa. Desta maneira, a finitude diferenciada em Spinoza é para Hegel um vácuo de realidade por nela não haver qualquer afirmação dos seus compósitos, e, por nela se integrarem estas “simples negações”, a essência mesma de Deus, a totalidade da substância que se pretende dinâmica, torna-se potência impotente encerrada na sua abstracção estática, nada sendo de afirmativo: o ontológico faz-se “abismo de negação” do qual nada emerge:

Todas as diferenças e determinações das coisas e da consciência remontam apenas à substância una; por isso, pode dizer-se que no sistema spinozista tudo é lançado para

este abismo de negação.132

Contudo, esta leitura de Hegel tende a negligenciar tanto as remissões da determinação em Spinoza para planos do ser não estruturado apenas pela finitude como também a importância da conexão entre o determinativo e uma certa categoria de desenvolvimento que permita conceber uma passagem de causa para efeito. Por um lado, a dimensão negativa atribuída por Spinoza à determinação na sua carta a Jarig Jelles encontra-se contextualizada na noção primariamente geométrica de figura, que não é indicadora da realidade de coisa alguma, mas tão só o delinear pela percepção do que cada coisa não é, ou seja, não expressa por si uma realidade da essência necessária de Deus, pelo que se constitui como mero indício abstracto de relatividade estabelecido pelo entendimento. A determinação da figura nada afirma dela mesma, não havendo portanto aí essência mas um constructo mais ou menos confuso do entendimento.133 Sucede ademais que a afirmatividade das essências afasta das

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«In die eine Substanz gehen alle Unterschiede und Bestimmungen der Dinge und des Bewußtseins nur zurück; so, kann man sagen, wird im Spinozistischen System alles nur in diesen Abgrund der Vernichtung hineingeworfen.», Hegel, Vörlesungen über die Geschichte der Philosophie, in Werke. In zwanzig Bänden, Bd. 20, p. 166. V. também pp. 164-7, 182-9.

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«Quantum ad hoc, quod figura negatio, non vero aliquid positivum est: manifestum est, integram materiam, indefinite consideratam, nullam posse habere figuram, figuramque in finitis ac determinatis corporibus locum tantum obtinere. Qui enim si figuram percipere ait, nil aliud eo indicat quam, se rem determinatam, et quo pacto ea sit determinata, concipere. Haec ergo determinatio ad rem juxta suum esse non pertinet: sed contra este jus non esse.» [Quanto a isto, que a figura é negação e não na verdade algo de positivo, é manifesto que a matéria inteira, considerada indefinidamente, nenhuma figura pode possuir, e que a figura só tem lugar nos corpos finitos

mesmas a necessidade de um constrangimento externo, a essência não envolvendo compulsão, mas não afasta, pela própria natureza de Deus, um seu estatuto de necessidade desenrolando-se em forma de determinação. Assim, determinação e compulsão não coincidem, mas há determinação sempre onde houver necessidade, pelo que até no infinito (absolutamente ou no seu género) a determinação demonstra a sua comparência. E se até o infinito absoluto, Deus, é em si necessariamente o que é em si, e nada havendo limitando-o ou impondo-lhe um exterior, então ele envolve também determinação despida já de negação, o que equivale ao reconhecimento de uma dimensão positiva da determinação.134 Para além disto, a necessidade do que é tido por finito está contida na própria necessidade de Deus, não constituindo uma sua mera derivação ou descendência, pois a essência de Deus é omni- inclusiva do ser e do existir, fazendo-se potência ao necessitar tudo o que se lhe segue como necessidade própria, ou seja, não há qualquer degradação entre a necessidade de Deus e a necessidade do que é tido por finito, esta sendo precisamente o explanar-se certo e específico daquela. O que há assim de positivo nas determinações encontradas no domínio da finitude é então o que releva desta necessidade das essências, as quais nada contêm de negativo ou de expressão de não ser, mas compreendem-se a partir do que é necessário na infinitude da qual dependem, cuja expressão incluem nos seus próprios conceitos. Esta positividade da determinação torna o domínio do confinável em singularidade ontológica, e não em recortes de finitude. E como uma negatividade da determinação em caso algum pode ser essencial, então o que há de real no determinativo é sobretudo positivo, e nesta medida também causal, em singular.135

e determinados. Quem portanto diz perceber uma figura nada mais indica senão que concebe uma coisa determinada, e por que maneira ela é determinada. Logo, esta determinação não pertence à coisa segundo o seu ser, mas pelo contrário, é o seu não ser.], Ep. L, G IV, p. 240.

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Note-se como a determinação assume toda a sua dimensão positiva ao conectar-se com a necessidade em E I Def VII, G II, p. 46: «Ea res libera dicitur, quae ex sola suae naturae necessitate existit, & a se sola ad agendum determinatur: Necessaria autem, vel potius coacta, quae ab alio determinatur ad existendum, & operandum certa, ac determinata ratione.» [Diz-se livre a coisa que existe pela necessidade de apenas a sua natureza, e que por si só é determinada a agir; e necessária, ou antes, coagida, a que é determinada por outra a existir e a operar de certa e determinada maneira.]. Tanto a importância da contextualização de uma dimensão negativa da determinação na noção de figura, operada na carta L, como a relevância da definição VII de E I na busca de uma dimensão positiva da determinação quando conectada com a ideia de necessidade, são devidas ambas a P. Macherey, Hegel ou Spinoza, pp. 158-160 e 178-180.

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Segundo P. Macherey, Hegel ou Spinoza, 1979, p. 180, a determinação é usada por Spinoza para indicar tanto a causalidade que se exerce a partir da substância como a causalidade finita que se executa nos modos, e portanto «si la notion de détermination peut être prise à la fois dans un sens positif et dans un sens négatif, c’est qu’elle recuse en elle-même l’opposition traditionnelle du positif et du négatif». Mas como a causalidade a partir do infinito e a causalidade entre os modos finitos não é senão uma mesma causalidade entendida em moldes distintos, a causalidade necessária de Deus, poder-se-á dizer que a determinação é toda positiva aí onde se encontrar. Num mesmo sentido, v. também L. Bove, La stratégie du conatus, 1996, p. 159.

Por outro lado, a determinação positiva de uma coisa é a sua concepção segundo a necessidade da substância que a engendra num desenvolvimento de causa para efeito similar àquele pelo qual a mesma substância se produz a si mesma, o que equivale a afirmar que a determinação divina nas essências é sempre indício de uma ininterrupta produtividade que pode ser traduzida num processo de causalidade. E se a essência de Deus coincide com a sua potência por apenas poder ser concebida como causal, toda a produção de um efeito deixa um rasto de perfeição, pelo que se as leis da natureza de cada coisa permitem concebê-la numa