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5 BRASIL, 1930: O FORTALECIMENTO DA MÁQUINA ESTATAL

5.1 O ano de 1938 em três imagens

À luz da validade de um modelo indiciário, como o formula Carlo Ginzburg (1990), fragmentos, pistas, pormenores irrelevantes podem vir a tornar-se instrumentos capazes de vislumbrar uma realidade mais profunda. Sob essa inspiração, apresento algumas imagens, que, pela sua expressividade, podem, quando interpretadas em conjunto, ser consideradas sinais de processos mais amplos, pontos de partida para que se revelem fatos que levam a apreender uma realidade mais profunda, qual seja a reorganização do Estado brasileiro na década de 1930.

A primeira ilustração consta da edição do dia 11 de dezembro de 1929 do Jornal "A Noite"24, do Rio de Janeiro, e mostra Virgulino Ferreira e parte de seu grupo, perfilado com altivez e confiança no Largo da Matriz de Santa Tereza, na cidade de Pombal, no norte da Bahia (Figura 30). "Lampeão na Bahia – O seu

Figura 30– "A photographia representa Lampeão(sic) da esquerda para direita, e a seguir Ponto-Fino, Moderno, Esperança, Pernambuco, Curisco(sic), Mergulhão e Arvoredo".

Fonte:http://memoria.bn.br/DocReader/cache/5128102069361/I00272936Alt=001339 Lar=000860LargOri=004588AltOri=007141.JPG

Estado-maior": a frase, em letras grandes, é destacada no final da página. A matéria

informa que a figura do "bandoleiro Lampeão" ainda continuava em forte evidência:

"Agora, é o próprio Lampeão que se faz photographar, mandando espalhar as photographias, com prazer nisso, gosando [sic] a popularidade". O texto finaliza

destacando as insígnias exibidas pelos cangaceiros:

O posto de confiança de cada um dos membros do estado maior de Lampeão é assignalado logo pelos número de moedas de ouro encrustadas nas suas armas de fogo e pelo número de pedras preciosas que eles trazem nos seus anneis.

Em 1938, transcorrida uma década da publicação do antológico poema "No meio do Caminho", de Carlos Drummond de Andrade, Virgulino e seu grupo são dizimados por homens de outras patentes. Lampião tornara-se uma pedra do projeto de modernização do país, que, então, alcançava o semiárido nordestino, numa demonstração do braço forte do Estado que se fazia ecoar sertão afora. Nesse ano seguinte à decretação do Estado Novo, Azevedo Amaral, expoente do pensamento conservador modernizante no Brasil, publicou "O Estado Autoritário e a Realidade Nacional", apresentando, como será visto, argumento justificador do Estado centralizador e autoritário.

Ano fatídico para Lampião, 1938 foi auspicioso para Pombal, não o município baiano, visitado por Virgulino, mas a cidade homônima, no alto sertão da Paraíba. Diversas obras começaram a ser implantadas na cidade, destacando-se a Coluna da Hora (Figuras 31 e 32) erguida a poucos metros da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída quando a cidade ainda era denominada Arraial de Nossa Senhora de Bom Sucesso de Piancó, no início do século XVIII. Concebida em traço barroco, a edificação foi tombada pelo Instituto Histórico e Artístico do Estado da Paraíba. O outro templo antigo da cidade, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, mais alta e mais ampla, não teve a mesma distinção.

A larga avenida da cidade, à maneira de uma via processional, interligava Figura 31 – Cidade de Pombal, na Paraíba: casario

original, a Praça linear, a Coluna da Hora e o perfil barroco do templo.

Fonte:http://2.bp.blogspot.com/Yko9eZn3_NM/UAA8cxyjOkI/AAA AAAAAFkY/t1lMnGSABS4/s1600/Pra%C3%A7a+Get%C3%BAlio +Vargas.jpg

Figura 32 - A setecentista Igreja de Nossa Senhora do Rosário,

apequenada diante do novo marco da cidade.

Fonte:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/co mmons/c/c1/Torre_de_Pombal.jpg

significativamente denominada Getúlio Vargas, de formato linear, mais assemelhada a um canteiro central do que a uma praça, marcada por uma sequência de postes de iluminação, ladeados simetricamente por árvores implantadas equidistantes uma da outra, em rígido desenho (Figura 31). Ao fundo, fechando a perspectiva, a Coluna destaca-se por suas proporções, em franco contraste com a harmoniosa escala da pequena Igreja do Rosário, até então principal marco referencial da cidade paraibana. Dezenas de outras torres da hora foram erguidas nas décadas de 1930 e 1940, em capitais de Estados e em tantas outras cidades, algumas quase isoladas. Como torres de vigiar o tempo, essas colunas pareciam também sentinelas do território. Como o sugere Paul Claval (1979, p. 188):

A eficiência do regime autoritário baseia-se, portanto, numa ambiguidade: só consegue controlar efetivamente o espaço que procura dominar e transformar se for considerado legítimo por uma parte da população que lhe dá sua colaboração e assegura, para ajudá-lo, uma vigilância efetiva do espaço.

O ano da morte de Lampião e da construção da coluna da cidade de Pombal foi, também, o ano da criação do Departamento de Administração do Serviço Público – DASP, subordinado diretamente à presidência da República. O decreto-lei de 30 de julho de 1938, que instituiu o DASP (Figura 33), estabeleceu atribuições muito amplas a esse órgão encarregado da modernização da administração pública no país "do ponto de vista da economia e eficiência", conforme disposto no primeiro capítulo do dispositivo legal. O Estado Novo, segundo seus idealizadores, realizaria esse ideário assentado em critérios de racionalidade, conforme as palavras de Getúlio Vargas:

Na época em que os fins sociais são preponderantemente econômicos, em que se organiza de maneira científica a produção e o pragmatismo industrial é elevado a índices extremos, assinala-se a função do Estado, antes e acima de tudo, como elemento coordenador desses múltiplos esforços, devendo sofrer, por isso, modificações decisivas (...) No domínio da administração, apontando o caminho das sistematizações, afastemo-nos, para sempre, das soluções de emergência e dos paliativos de efeitos apenas protelatórios (apud SCHWARTZMAN, 1983, p. 49).

O referido decreto estabelecia, dentre outras determinações, a criação de "comissões de eficiência" em cada ministério, compostas, cada uma, por três membros escolhidos diretamente pelo Presidente da República: "Racionalizar os serviços públicos, mas racionalizá-los no mais amplo sentido, desde a aplicação de normas e métodos científicos, na sua organização, até o amparo social aos servidores", explicava documento produzido pelo DASP (apud SCHWARTZMAN, 1983, p. 46, 47). No sertão da Paraíba ou da Bahia, e em cada oficial administrativo admitido no serviço público, disciplinando o quadro de servidores, ressoava, por diferentes métodos, a pretendida eficiência, que tinha na reorganização do Estado tinha uma face visível.