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3 ARQUITETURA, ARTE DE ESTADO

3.1 Arquitetura monumental do Estado: perspectiva histórica

3.1.1 Antecipações modernas

A ideia de uma arquitetura moderna remonta ao final do século XVIII, amparada na visão de progresso, de contínua expansão, de movimento, de uma concepção evolutiva da história humana, a qual tenderia ao aperfeiçoamento do indivíduo e da sociedade, coadunando-se com as novas forças da revolução econômica, social e política que estão em curso (ELIAS, 1990). Quanto a isso, é eloquente o espanto de Dr. Johnson, testemunha desses acontecimentos: "O século [XVIII] vai ficando cada vez mais desvairado à cata de inovações, todas as coisas

Figura 7 – Ordem, regularidade, formalística geometrização espacial.

Fonte:https://classconnection.s3.amazonaws.com/2 38/flashcards/1219238/jpg/avenue_de_l'opera13344 72801801.jpg

deste mundo estão sendo feitas de uma maneira nova; é preciso enforcar as pessoas de maneira nova..." (T. S. Ashton apud BENEVOLO, 1976, p. 22).

No século XVIII, as mudanças tecnológicas decorrentes da Revolução industrial em curso, os princípios racionalistas do Iluminismo europeu e a recuperação arqueológica da Antiguidade condicionaram o desenvolvimento do neoclássico. O estilo está na origem da arquitetura moderna, em seus pressupostos de conceber uma arquitetura nova, condizente com as novas forças sociais.

Uma visão idealizada sobre a antiguidade clássica foi substituída por uma atitude empírica, científica, que resultou, por exemplo, no surgimento da arqueologia como disciplina. Com essa mudança, considerada "a 'perda da autoridade absoluta' das normas da Renascença" (CURTIS, 2008, p. 21), o interesse se deslocava da simples cópia, da adesão mimética aos grandes estilos do passado para uma investigação acerca dos valores "essenciais", atemporais, da arquitetura antiga. Nesse contexto em que o Classicismo foi analisado cientificamente, sentencia Benévolo (1976, p. 29), "torna-se uma convenção arbitrária e transforma-se em neoclassicismo”.

Tratava-se de reinterpretar o legado greco-romano, com o objetivo de conceber uma nova arquitetura, conforme diz Argan: "La perfeccion a que aspiran

estos artistas es un concepto sin tiempo, con un carácter absoluto de no- historicidad" (apud PATETTA, 1987, p. 335), ou como se expõe nas palavras de dois

contemporâneos, os arquitetos Karl Friedrich Schinkel (Figura 8) e Johann Joachim Winckelmann, respectivamente:

Se pudéssemos preservar o princípio espiritual da arquitetura grega, [e] forçá-la a aceitar as condições de nosso próprio tempo... então poderíamos encontrar a resposta mais genuína para nossa discussão (SCHINKEL apud CURTIS, 2008, p. 24).

O único caminho que temos para chegarmos a ser grandes, e talvez inimitáveis, é a imitação do antigo (WINCKELMANN apud PEIXOTO, 2000).

A ascensão da sociedade urbano-industrial demandou, entretanto, soluções para os novos problemas urbanísticos e arquitetônicos em escala extraordinária. No âmbito da arquitetura e da cidade, houve uma transformação radical nas tipologias dos programas edilícios e urbanísticos, com a ampliação dos programas públicos e privados e a extensão das redes de infraestrutura urbana. Edifícios completamente novos, relacionados a programas edilícios inéditos, bem como novas formas de aglomeração urbana, tudo passou a corresponder a esse crescimento exponencial.

À rígida contenção formal da arquitetura neoclássica, legitimada pelas academias de belas artes e seu refinamento estético, sucedeu o ecletismo arquitetônico, baseado em uma grande liberdade de uso do vocabulário greco- romano e outros estilos. Essa corrente prevaleceu até os anos iniciais do século XX, tendo se manifestado de forma variada, fragmentária e muitas vezes em direções divergentes. Contrariando a célebre sentença proferida, em 1863, pelo arquiteto e teórico francês Violet-le-Duc –"a primeira lei da arte (...) é adequar-se às necessidades e aos costumes de sua época"– essa manifestação arquitetônica caracterizava-se pela estilização e simplificação dos estilos arquitetônicos do passado e sua tradução em uma redução moderna, numa tentativa de conciliação de velhas linguagens arquitetônicas com as novidades tecnológicas da época:

Figura 8 - Altes Museum, Berlim/Alemanha – Karl Friedrich Schinkel (1828).

Fonte: http://surveyofwesternart.tumblr.com/post/77393824747/karl- friedrich-schinkel-altes-museum-berlin

Pensemos na convicção de que era possível escolher entre elementos extraídos das antiguidades, concentrar o melhor deles, iludindo-se de que esse “encontrar e aplicar” pudesse comparar-se às experiências criativas do passado, baseadas, ao invés, no “buscar ex novo e renovar sempre" (...) a arquitetura não podia mais ser patrimônio de poucos “mestres”, devia ceder às novas exigências da produção de massa e à definição de uma nova figura de projetista: o profissional (PATETTA, 1987, p. 12).

Patetta enfatiza os progressos na técnica construtiva que permitiram refinamentos em edificações voltadas para uma clientela que "dava primazia ao conforto, amava o progresso (...) amava as novidades", associando a produção artística à moda e ao gosto: grandes hotéis, balneários, lojas, escritórios, bolsas, teatros. Outro aspecto refere-se ao entrelaçamento aos "ideais nacionais":

Estes revivals coincidiam com a busca do assim chamado 'estilo nacional ', que, na Itália, se expressou através do neorromântico ou do neorenascentista; na França e na Inglaterra, do neogótico; na Alemanha, do Rundbogenstil? Pelo menos, em parte, sim, principalmente se considerarmos que, entre todas as motivações ideais, as que obtiveram maior consenso foram o patriotismo e a busca das próprias raízes culturais

(PATETTA, 1987, p. 13).

Sob o primado da estandardização e do pragmatismo, essa nova maneira de produzir arquitetura, centrada na atenção às realizações do passado, caracterizou-se pela considerável produção de simulacros de prédios notáveis; o recato dos projetistas, submetidos à prudência acadêmica travestida de erudição; e os cuidados filológicos na abordagem das obras célebres, as quais serviram de base à elaboração de projetos e obras sem criatividade. Os novos programas edilícios, pensados para resolver os problemas levantados pelas emergentes necessidades arquitetônicas e urbanísticas, eram mais interessantes do que as edificações que os tentavam expressar fisicamente. Outra mudança ocorria no âmbito das construções e das relações profissionais entre engenheiros e arquitetos, aqueles na dianteira por sua relação aproximada com as novas técnicas construtivas. O ecletismo arquitetônico, apesar de ter rompido com a rigidez linguagem da arquitetura neoclássica, permaneceu, entretanto, baseado em códigos muito distantes de qualquer conteúdo popular, expressão de "uma cidade representativa da autoridade do Estado (ou da burocracia governamental)" (ARGAN, 1992, p. 187). Ao caráter oficial dos historicismos, o Modernismo contrapôs novas formas, condizente com "uma cidade viva", com as novas demandas e o dinamismo das condições da moderna sociedade que emergia.