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3 ARQUITETURA, ARTE DE ESTADO

3.2 Arquiteturas da modernidade

3.2.2 Arquitetura Funcionalista ou a Arquitetura da Sociedade

“A vanguarda modernista traduziu em suas obras a transformação da linguagem necessária a uma interação comunicativa entre o meio popular e o campo artístico. (...) A arquitetura produzida a partir dessa vanguarda é o que se denomina arquitetura moderna, a qual está intimamente vinculada à política de massas nos contextos nacionais.”

(Silva Neto) Na década de 1920, foram estabelecidos os princípios que orientariam a arquitetura moderna até a Segunda Guerra Mundial. O quadro foi impulsionado em decorrência da guerra, do desenvolvimento da indústria e das crescentes demandas populares. No campo da arquitetura, o período foi marcado por uma interpenetração de tendências e uma polarização de posições no seio da vanguarda arquitetônica,

Figura 13 – Sede AEG, Henningsdorf/Alemanha – Peter Behrens (1910). Estética claramente industrial.

especialmente os últimos anos do decênio, pois, conforme Dennis Sharp (1972, p. 69): “Se habia ganado la vieja batalla de los estilos, la nueva arquitetectura se habia consolidado y los 'radicales' eran ja profesionales que habian alcanzado el éxito ”. Entretanto, como será visto, essa batalha continuaria na década seguinte.

Foram diversas as correntes que irrigaram a complexa conformação da arquitetura moderna, amalgamadas em contextos nacionais distintos. Como afirmou Hobsbawm (1995, p.184), “a vanguarda intelectual de cada país reescreveu ou revalorizou o passado para encaixá-lo nas exigências contemporâneas”. As diferentes correntes serão analisadas segundo a conhecida divisão de Argan:

1) um racionalismo formal, que possui seu centro na França e tem à frente Le Corbusier; 2) um racionalismo metodológico-didático, que possui seu centro na Alemanha, na Bauhaus, e tem à frente W. Gropius; 3) um racionalismo ideológico, o do Construtivismo soviético; 4) um racionalismo formalista, o do Neoplasticismo holandês; 5) um racionalismo empírico dos países escandinavos, que tem seu máximo expoente em A. Aalto; 6) um racionalismo orgânico americano, com a personalidade dominante de F. L. Wright (ARGAN, 1992, p. 264).

Na França, Le Corbusier, que atuou em diversos domínios da arte, manifestou seu ideal, no campo da arquitetura e do urbanismo, fundamentado na herança clássica:

O fundamento do racionalismo de Le Corbusier é cartesiano, ele próprio o declara; seu desenvolvimento é iluminista, de tipo rousseuaniano. O horizonte é o mundo, mas o centro da cultura mundial continua a ser a França. Considera a cidade fundamentalmente sadia, e sua ligação com a natureza originária e ineliminável; o urbanista-arquiteto tem o dever de fornecer à sociedade uma condição natural e ao mesmo tempo racional da existência, mas sem deter o desenvolvimento tecnológico, pois o destino natural da sociedade é o progresso (ARGAN, 1992, p. 265).

O arquiteto divulgou os princípios do L’Esprit Nouveau e o Plan Voisin na

Exposição de Artes Decorativas de Paris, em 1925, mesmo evento que, paradoxalmente, consagraria a estética que viria a ser conhecida como Art Déco. Nessa época, Le Corbusier estabeleceu a ordem mecânica de sua arquitetura, mediante os seus “cinco pontos de uma nova arquitetura”, quais sejam o pilotis, a

fachada livre, o terraço-jardim, a planta livre e as janelas em fita10 (Figura 14).

10 O ferro e o concreto armado permitiram uma dissociação entre as paredes e a função estrutural. Em decorrência, houve extraordinária liberdade na concepção dos edifícios: a criação do pilotis, no pavimento térreo, formado pelo conjunto de pilares que suportam as cargas; a planta e fachadas livres, pois as paredes poderiam servir apenas de elemento divisório e vedação; o terraço-jardim, possibilitado pelas lajes em concreto, substituíram o milenar telhado.

Desenvolvendo seus conceitos em várias escalas, desde o design de objetos até os projetos urbanísticos, foi neste campo que o arquiteto suscitou polêmicas com a adoção dos princípios constantes da Carta de Atenas de 1933 para o desenho das novas aglomerações urbanas: habitar, trabalhar, recrear-se e circular. O arquiteto elaborou projetos para grandes cidades, mas foram poucas as realizações. Messiânico, produtor de soluções originais problemas diversos, Le Corbusier não pressentiu, entretanto, as grandes transformações político- econômicas que se prenunciavam, principalmente no final da Segunda Guerra Mundial:

(...) no entre guerras e com a evidente tendência do capitalismo mundial em se transformar de sistema econômico em sistema de poder, a humanidade não precisava de um São Jorge que lutasse com um dragão, mas de alguém que a ajudasse a tomar consciência de seus dilaceramentos, de seus males internos, e a encontrar em si mesma a força e a vontade de resolvê-los. Não precisava, em suma, que lhe dissessem "não se mexa, eu cuido disso", e sim "vamos, cuide de suas coisas” (ARGAN, 1992, p. 268). Ao final da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha encontrava-se destroçada política, social e economicamente, quadro diverso daquele em que a República de Weimar, na passagem do século XIX para o XX, suplantara a Inglaterra na atividade industrial. Por essa época, a produção industrializada havia inspirado as autoridades prussianas à criação de ateliês de artes e ofícios específicos:

Num clima fortemente marcado pelo nacionalismo, procurava-se uma Figura 14 - Residência Savoye, Poissy/França – Le Corbusier (1928).

Fonte: http://www.ville-poissy.fr/fr/decouvrir-poissy/sites-and-monuments/the-savoye- villa.html

industrial mundial da Alemanha. Esta supremacia econômica, nacional e cultural conduziu, em 1907, à criação da Werkbund alemã (Associação de Artes e Ofícios - DWB), que se tornou a associação artística e econômica mais importante e de maior sucesso antes da Primeira Guerra Mundial (DROSTE, 2006, p.11 e 12).

Naquele momento, contudo, o panorama era bem diverso. Os militares e os grandes capitalistas, em defesa de seus interesses, advogavam um Estado forte e um novo conflito como revanche. O povo arcava com os reveses do fracasso, e os intelectuais, por sua vez, realizavam uma rigorosa autocrítica da sociedade e da cultura alemãs, exorcizando o irracionalismo político e valorizando a lógica racional como saída.

Walter Gropius criou a Bauhaus, em 1919, tendo como base para seu funcionamento uma ideia, um programa e um método. De corte social-democrata, a escola reuniu em torno do seu fundador artistas de grande expressão na Europa. Gropius estabeleceu claramente seu intento:

A finalidade imediata é a de recompor entre a arte e a indústria produtiva o vínculo que unia a arte ao artesanato; a arte, portanto, constituiu um dos dois lados do problema, e não é absolutamente abstrata, mas isso apenas no que se refere àquela arte realizada pelos artistas mais avançados, cuja presença e dedicação, por conseguinte, são indispensáveis à escola (ARGAN, 1992, p. 269).

Enfrentando os problemas de desenho em diferentes escalas, abrangendo desde a produção de objetos do cotidiano às intervenções urbanas e as relações com a indústria como pontos chaves do seu programa, a Bauhaus priorizou o dinamismo da função como elemento definidor não só da forma, como também da tipologia dos espaços, sejam eles arquitetônicos ou urbanísticos. Este conceito animou o projeto de sua sede em Dessau (Figura 15), um dos mais eloquentes monumentos do funcionalismo na Europa. Após a saída de Gropius, a Bauhaus foi dirigida por Hannes Meyer, posteriormente substituído por Ludwig Mies Van der Rohe, àquela altura já famoso por seus arranha-céus de vidro e pelo Pavilhão de Barcelona (Figura 16). A Bauhaus, de essência democrática, existiu até 1933, quando o nazismo chegou ao poder na Alemanha:

(...) Além de ser uma escola democrática, era uma escola de democracia: a sociedade democrática (isto é, funcional e não hierárquica) era entendida como uma sociedade que se autodetermina, isto é, forma-se e se desenvolve por si, organiza e orienta seu próprio progresso. Progresso é educação, e o instrumento da educação é a escola; portanto, a escola é a semente da sociedade democrática (ARGAN, 1992, p. 269).

A revolução bolchevique, amparada por movimentos artísticos de vanguarda, conheceu fortes obstáculos ao pleno desenvolvimento de programas construtivos. As principais expressões foram produzidas pelos construtivistas (El Lissitsky, Gabo, Malevich, Melnikov, Pevsner eTatlin). A falta de recursos financeiros e humanos e de uma grande indústria que viabilizassem seus planos arrojados. De todos, seria Vladimir Tatlin, com seu Monumento à Terceira Internacional (1919) (Figura 17), o mais destacado:

Figura 15 - Sede Bauhaus, Dessau/Alemanha – Walter Gropius (1925).

Fonte: http://www.decohubs.com/the-westside-of-the- bauhaus-dessau/1341

Figura 16 - Pavilhão de Barcelona,

Barcelona/Espanha – Mies van der Rohe (1929).

Fonte:http://concursosdeprojeto.files.wordpress.com/20 09/05/pavilhao_barcelona.jpg?w=584

[A obra] contém todas as premissas do Construtivismo. Indistinção das artes: é arquitetura, estrutura provisória, escultura construtivista em escala gigantesca; funcionalidade técnica e sistema de comunicação; expressividade simbólica do dinamismo ascendente da espiral inclinada (...) (ARGAN, 1992, p. 284).

A essência conceitual do Construtivismo evidenciou sua materialização como expressão artística radical do regime bolchevique, como metáfora adequada da edificação do socialismo. Entretanto, tal abordagem, apesar da potência enquanto mensagem, apresentava grandes limites:

É esta a qualidade e é este o limite da vanguarda arquitetônica soviética. A qualidade: a arquitetura é concebida como comunicação em ato. O limite: ainda que em sentido funcional e não representativo, a arquitetura tende a se tornar cenográfica e formalista, a responder a funções mais ideais e imaginárias que reais (ARGAN, 1992, p.284).

A vanguarda russa teve o reconhecimento internacional mediante a conquista do grande prêmio da Exposição Internacional das Artes Decorativas, realizada em Paris em 1925, obtida pelo pavilhão soviético executado por Melnikov.

Figura 17 - Monumento à 3ª Internacional – Vladimir Tatlin (1920).

Fonte:https://en.wikipedia.org/wiki/ Tatlin's_Tower

Por sua vez, El Lissitsky e os arquitetos do grupo Asnova defenderam a realização de uma Internacional do Construtivismo, apoiados em preceitos claros preceitos:

Geometrismo, pois a geometria expressa o espírito racionalista da revolução; soluções formais extremamente ousadas (corpos salientes, estruturas à mostra, mecanismo estrutural a descoberto), pois a técnica que permite sua realização reflete a ética revolucionária; dinamismo e simbolismo formais, pois a construção deve ser a imagem-símbolo da sociedade socialista que se autoconstrói (ARGAN, 1992, p. 284).

A arquitetura produzida na União Soviética tornou-se um modelo a ser seguido no âmbito da vertente racionalista. Os concursos promovidos pelo governo, a partir de então, contaram com a participação dos principais nomes da arquitetura mundial. Entretanto, o ano de 1932 deixou como marca, de modo brutal, uma lamentável reversão de expectativas, devido à sufocação dos movimentos de vanguarda pelos burocratas stalinistas:

Mas, justamente quando a arquitetura soviética está prestes a assumir a liderança da arquitetura mundial, a burocracia do partido conquista a supremacia, contrapõe à vanguarda socialista oportunistas acadêmicos como Jofan e Fomin e consegue obter a condenação política da arte da revolução (ARGAN, 1992, p. 284).

No final da década de 1920, a Holanda possuía uma escola arquitetônica das mais evoluídas mundialmente. O período marcou também a fundação de um movimento de vanguarda artística, o Neoplasticismo (Figura 18), também conhecido como De Stijl, liderados por Theo Van Doesburg e Piet Mondrian. O movimento defendia a produção artística como uma atividade criativa, absolutamente livre de referências históricas, e o apagamento da distinção feita entre as expressões artísticas:

(...) A vanguarda holandesa não encontra paralelo senão na vanguarda russa; mas possui outras origens, e nasce da revolta moral contra a violência irracional da guerra que assolava a Europa. Dela se deriva um juízo negativo sobre a história: não a violência, e sim a razão é que deve determinar as transformações na vida da humanidade, e as transformações devem se dar nos diversos campos da atividade humana, através de uma revisão radical das premissas e das finalidades (ARGAN, 1992, p. 286).

Os arquitetos escandinavos resolveram enfrentar o problema do racionalismo de modo distinto, resistindo ao emprego de fórmulas compositivas e de pressupostos teóricos e indicando pragmaticamente a realidade da vida como o elemento definidor da arquitetura:

(...) Antes de enfrentar a grande questão do destino da humanidade, é necessário resolver a da coexistência: dos homens entre si, dos homens com as coisas, com a natureza. Este problema não se resolve ditando regras e princípios, mesmo os mais liberais; resolve-se vivendo e interpretando a realidade. Isso não significa propor o programa da irracionalidade, como o racionalismo propusera o programa da racionalidade; significa apenas substituir o termo abstrato "racionalidade" pelo termo concreto “razão” (ARGAN, 1992, p. 292).

Os trabalhos de Gunnar Asplund, Sven Markelius e Alvar Aalto expressaram também, de forma essencial, a cultura local, o que iria inspirar mais tarde, nos anos de 1950, os modernistas dissidentes dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna – CIAMs, insatisfeitos com a rigidez do International Style e da Carta de Atenas de 1933.

Em contraposição ao ambiente europeu, marcado pela busca da integração do proletariado industrial à comunidade urbana, o que implicava a reforma da cidade e da própria sociedade e reclamava dos arquitetos uma abordagem da arquitetura como uma arte social, os Estados Unidos apresentavam peculiaridades fundadas na livre diligência individual do capitalismo empreendedor:

Figura 18 - Residência Schroeder, Utrecht/Holanda

– Gerrit Rietveld (1924).

Fonte:https://en.wikipedia.org/wiki/Rietveld_Schr%C3%B 6der_House

Não havia uma estratificação de classes antiga e sedimentada; o indivíduo possuía possibilidades ilimitadas, cada qual trazia para o novo empreendimento industrial o espírito de iniciativa e de aventura dos pioneiros que, até poucas décadas antes, haviam explorado e aprendido a utilizar o solo do continente (...) (ARGAN, 1992, p. 295).

Nesse contexto, imbuído do propósito de diferenciar a cultura norte- americana da europeia, Frank Lloyd Wright (Figura 19) defendeu a arquitetura como pura criação. Afirmando que só um povo como o seu, praticamente sem passado, poderia criar uma arte verdadeiramente criativa, seu racionalismo orgânico, bem diverso dos cinco pontos corbusianos, é comentado por Argan:

O contato direto do indivíduo com a realidade se lhe afigura antes como o princípio da democracia, no sentido próprio da máxima lincolniana: liberdade é a possibilidade reconhecida a cada indivíduo de definir de maneira direta e pessoal sua relação com o mundo. A casa não deve ser um espaço dado e rigidamente subdividido, que condiciona a existência; deve ser o meio de um contato com a realidade, onde cada qual realiza a si mesmo (ARGAN, 1992, p.296).

Foi, portanto, extensa, acidentada e complexa a inacabada aventura do Movimento Moderno. Expressa em racionalismos tão díspares quanto instigantes, relacionou-se de modo diverso com as culturas, os sistemas políticos e os modos de

Figura 19 - Residência Robbie, Chicago/EUA – Frank Lloyd Wright (1909). Fonte: http://www.kaidesing.com/wp- content/uploads/2014/07/simple-design-contemporary-frank-lloyd- wright-ranch-style-house-plans-frank-lloyd-wright-prairie-style- house-plans-frank-lloyd-wright-prairie-style-houses-frank-lloyd- wright-prairie-style-house-pla.jpg

O movimento moderno foi uma revolução com fins sociais, bem como de formas arquitetônicas. Ele buscou reconciliar industrialização, sociedade e natureza, lançando protótipos para habitação em série e planos ideais para cidades inteiras (...) Mas havia diversas raízes ideológicas nessas aspirações utópicas e nesses esforços reformistas, e elas, por sua vez, implicavam uma ampla gama de programas políticos (...) Os conflitos desse período constituem muito mais que uma batalha de estilos: o modernismo desafiou o status quo, articulou novas visões sociais e sugeriu estilos de vida alternativos, e desempenhou um papel importante no processo de modernização.

3.3 Oposições ao projeto da arquitetura moderna ou uma arte adequada para o