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5 BRASIL, 1930: O FORTALECIMENTO DA MÁQUINA ESTATAL

5.3 A Participação dos Militares

“É evidente o peso dos oficiais entre os que conduzem as iniciativas modernizadoras verificadas desde [o movimento de 1930] (...) Frente a civis que tomam como incapazes de empreender mudanças que julgam necessárias, assumem a missão: a seu modo, a pranchadas, diria Euclides da Cunha, promovem a modernidade”.

(Manuel Domingos Neto) Na década de 1920, o Exército brasileiro se modernizou. Mudanças de largo alcance, introduzidas sob orientação de militares franceses, distanciaram a instituição, no período entre guerras, da antiga corporação profissional, caracterizada pelo "despreparo técnico de oficiais (...) a falta de unidade de doutrina

(...) as instalações precárias, os armamentos obsoletos, os efetivos sempre incompletos, as unidades fantasmas (...) a disciplina à base da chibata" (DOMINGOS NETO, 2005, p. 33). Em uma época em que ainda não havia uma universidade no Brasil, foi implantada a pós-graduação militar, obedecendo ao critério de formação continuada:

Militares franceses introduzem renovações na medicina e na veterinária; formam geógrafos e cartógrafos, unificando os trabalhos nessas especialidades; revelam a importância dos estudos demográficos e do planejamento da infraestrutura de transporte; desenvolvem o interesse pela química e pela metalurgia visando à produção de armamento e munição; introduzem os procedimentos estatísticos, sem os quais o serviço militar obrigatório seria inviável ; organizam a aviação do exército e orientam as primeiras regulamentações da aviação civil; ensinam os serviços administrativos modernos e interferem no envio de acadêmicos franceses fundamentais à criação da Universidade de São Paulo (DOMINGOS NETO, 2005, p. 34, 35).

Ao final daquela década, os militares tiveram uma clara compreensão dos liames entre as fragilidades socioeconômicas do país – carência de metalurgia, estradas, pontes, ferrovias, energia elétrica, escolas, universidades, centros de pesquisa, estatísticas e mapas –, a necessidade de eficiência militar, a formação de um sentimento patriótico e o fortalecimento do poder de Estado. Na visão desses oficiais, impunha-se diminuir o fosso entre aquelas condições de infraestrutura e a permanente exigência de renovação de material bélico pela moderna corporação militar, que se tornara "uma força capaz de pensar políticas públicas, redesenhar o aparelho de Estado e exercer o seu controle" (DOMINGOS NETO, 2005, p. 40).27

Sintetiza Faoro (2001, p. 77) sobre a Revolução de outubro de 1930: "A espinha dorsal do novo modelo será o elemento militar, com o setor dos tenentes de tenentes a generais, todos tenentes historicamente(...)". Apesar de todo o esforço modernizador iniciado na década de 1920, persistiam, no Exército, antigas demandas não contempladas, ainda que, entre os anos de 1931 e 1938, tenha se ampliado a participação no orçamento militar, passando de 19,4% para 30,4%. "O Brasil é um Estado desarmado (...) Faltam-nos capitães, não temos bastantes técnicos", afirmava, em 1936, o general Eurico Gaspar Dutra, que se manteve à

27 Detentora desse conhecimento especializado, a serviço da indústria civil, a corporação militar acentuava sua imagem como agente modernizador, atualizando outra imagem, a do engenheiro militar no Brasil colônia, quando este foi "a um só tempo, o guerreiro, o construtor, o demarcador, o

frente do Ministério da Guerra até 1945 (apud DOMINGOS NETO & MOREIRA, 2010, p. 77).

Sob o Estado Novo, os militares empenharam-se em fortalecer as bases para o desenvolvimento capitalista, essencial para esse contínuo aperfeiçoamento da corporação. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, Dutra defendia que o desenvolvimento autônomo da indústria bélica favoreceria a economia nacional, sobretudo fomentando o estabelecimento de uma indústria de base: "É mister aproveitar ao máximo, em nossos estabelecimentos fabris, a matéria-prima nacional. Enquanto não houver solução ao nosso problema siderúrgico, ficará a nossa indústria bélica à mercê do comércio alienígena". (apud DOMINGOS NETO & MOREIRA, 2010, p. 77).

Em consonância com os esforços de afirmação da nacionalidade, intensificaram-se as relações entre as Forças Armadas e a indústria civil no período estadonovista. Nas décadas de 1930 e 1940, além do crescimento qualitativo das fábricas militares, verificaram-se avanços tecnológicos na indústria civil, propiciados pela colaboração do Exército, que, além de incentivar o consumo de artigos nacionais, estimulava a melhoria desses produtos. Domingos Neto e Moreira (2010) assinalam, ainda, a qualificação de pessoal, a exemplo de engenheiros, eletrotécnicos, químicos, entre outros profissionais, formados pela Escola Técnica do Exército, no período do Estado Novo, quando o ensino técnico praticamente não existia no país.

A dependência em relação ao fornecimento estrangeiro, entretanto, feria a soberania nacional. A necessidade da instalação de uma siderúrgica no Brasil já havia sido assinalada na campanha do então candidato Getúlio Vargas, em discurso proferido na Esplanada do Castelo, em janeiro de 1930, quando defendeu que a segurança nacional "não deve ficar à mercê de estranhos, na constituição dos seus mais rudimentares elementos de defesa" (VARGAS, 2011, p. 294). No ano seguinte, Getúlio iria proclamar, em Belo Horizonte, o problema siderúrgico como a questão máxima da economia: "A fonte de inspiração parte do Exército, então em processo de tomada de poder, preocupado com a nacionalização, de dispor de fontes autônomas dos meios de defesa" (FAORO, 2001, p. 810). Estreitavam-se, assim, as vinculações entre as forças armadas e a indústria de base, questão sempre presente no curso da década.

Em junho de 1941, ano de instalação da Companhia Siderúrgica Nacional, em entrevista ao jornal argentino La Nación, Getúlio Vargas afirmava seus esforços em ampliar a "capacidade dos nossos recursos e fortalecer a defesa nacional, e o estamos fazendo tanto no terreno industrial, como no tocante ao equipamento das forças militares" (VARGAS, 2011, p.442). Em visita às obras da siderúrgica, o pronunciamento de Getúlio Vargas atualizaria o discurso de forte colorido da presença militar, conjugando as infraestruturas de transportes, energia e comunicações "ao amplo e complexo problema da defesa nacional". No contexto da Segunda Guerra Mundial, siderurgia, indústria bélica e "indústrias da paz" são indissociáveis:

Mas, quando se trata da indústria de ferro, com a qual havemos de forjar toda a aparelhagem dos nossos transportes e da nossa defesa; do aproveitamento das quedas d’água, transformadas na energia que nos ilumina e alimenta as indústrias da paz e da guerra; das redes ferroviárias de comunicação interna, por onde se escoa a produção e se movimentam, em casos extremos, os nossos exércitos; quando se trata – repito – da exploração de serviços de tal natureza, de maneira tão íntima ligados ao amplo e complexo problema da defesa nacional, não podemos aliená-los, concedendo-os a estranhos, e cumpre-nos, previdentemente, manter sobre eles o direito de propriedade e de domínio (apud FAORO, 2001, p. 802 ) A contribuição dos militares para o desenvolvimento tecnológico e industrial do Brasil, sob o argumento do fortalecimento do Estado e da soberania nacional, consistiu, pois, em lastro sobre o qual "o país criaria os amparos necessários para modernizar sua economia: grandes empresas estratégicas, instituições financeiras e um sistema de produção de conhecimento científico e tecnológico" (DOMINGOS NETO & MOREIRA, 2010, p. 77).

O período assinala a construção de edifícios como os da Escola Naval e da Escola Militar (Resende – RJ) (Figura 34), além dos monumentais prédios da Escola de Estado Maior (Figura 35) e, de forma especial, do Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro, que contribuíam fortemente para a construção da imagem do Estado. Além desses imponentes edifícios, chama a atenção relatório, datado de 1943, informando impressionante volume de construções menores por todo o país, disseminando a face do poder. Não é necessário acrescentar outros comentários, pois a transcrição se basta:

A partir de 1937, quando verdadeiramente se iniciou a grande febre de construções no Ministério da Guerra, graças ao novo rumo tomado pela

reformando os já existentes, erguendo vilas militares, levantando paióis, instalando maquinaria, encanando águas, edificando hospitais. Por toda parte, nas mais próximas e nas mais longínquas guarnições, surgiram residências para oficiais e sargentos, enfermarias, linhas de tiro, alojamentos para praças, pavilhões de rancho, reservatórios d’água, depósitos de munição, oficinas, redes de transmissão, depósitos, garagens, picadeiros, baias, estrumeiras, tudo quanto é necessário à vida dos quartéis, dos estabelecimentos, das fábricas, dos depósitos, dos campos de aviação, das oficinas (apud SCHWARTZMAN,1983, p. 215).

Figura34 – Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende- RJ.

Fonte http://mlb-s2-p.mlstatic.com/carto-postal-antigo-escola-militar-de- resende-12788-MLB20065580463_032014-O.jpg

Figura 35 – Escola Técnica do Exército na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, entre 1938 e 1945.

Fonte: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil- CPDOC.

5.4 Ideário de unificação ou a crítica ao liberalismo

“O sentido do mundo, no terreno político- social, é para as soluções totalitárias. Não se compreendem mais as soluções para a esquerda e para a direita, sim para a frente. A liberal democracia agoniza."

(Gustavo Barroso) O regime tinha como meta modernizar o país e promover a integração nacional, seja no plano econômico, por meio da constituição de um mercado interno livre de barreiras, ou no âmbito político, promovendo a centralização do poder, em contraposição ao federalismo, que reforçava os potentados regionais. De forma complementar e indispensável, havia que intensificar os meios de legitimar simbolicamente a construção da nação.

A década de 1930 foi marcada pela ideia de construir a unidade nacional, como ilustra a preocupação do senador Gilberto Amado, em 1933, queixoso do que seria a fragmentação do país em decorrência da dispersão do poder, ao mesmo tempo em que conclama por solução de força:

Vejo processar-se (...) a desagregação do país, ou melhor, o enfraquecimento da esplêndida unidade nacional, mercê da hedionda prática de um regime superfederativo, em que a vida do país artificialmente se fragmenta em compartimentos estanques. Se um ditador fosse algum dia necessário, seria aquele que tivesse como programa recompor a unidade nacional, profundamente comprometida. Mas isso é hipótese impossível de verificar-se. Os ditadores vêm dos estados e preferem dominar em nome das suas convicções regionais.O problema da unidade nacional vai se apresentar. Era preciso que um homem de glória aparecesse com a força na mão, para o resolver (apud OLIVEIRA,1982, p. 272).

Quase dez anos após esse pronunciamento, Fernando Azevedo publicou

A Cultura Brasileira, obra concebida como texto introdutório ao Recenseamento

Geral de 1940, em que apresenta o país sob a égide da "impetuosidade dessa vaga uniformizadora que tomou corpo e se alterou, sobretudo depois do golpe de Estado de 1937, com o regime instituído pela nova Constituição” (AZEVEDO, 1964, p.156). Para comprovar a ideia de unidade nacional, o autor enalteceu o desenvolvimento