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anos, entre os anos de 1975 e 2002, o país viveu sob intensa guerra

3.1 Construção de presença do programa e do destinador

Por 27 anos, entre os anos de 1975 e 2002, o país viveu sob intensa guerra

civil que provocou mais de 500 mil mortos e que ainda hoje gera inúmeros problemas, como as minas terrestres que mutilam e matam, principalmente crianças.

A quantidade de anos em guerra somada ao seu recente fim (2002) reiteram uma condição de país ainda em construção. Os problemas estão no tempo agora – colocado por meio da locução adverbial temporal ainda hoje. É possível depreender que esses problemas do passado – as guerras civis – trazem consequências que permanecem no presente e também comprometem um tempo do então – futuro do país, já que as minas terrestres ainda mutilam e matam, principalmente crianças. O discurso aqui presente evidencia uma condição durativa de problema.

Nos planos visual e sonoro a condição disfórica dos problemas angolanos é reiterada no tom de voz da apresentadora e na sua expressão facial. Ao narrar o trecho acima em destaque, a apresentadora muda o tom de voz de empolgado e exclamativo para um tom sereno e sério. Além disso, sua expressão facial muda totalmente, o tom cordial e sorridente da face é substituído por tom sisudo e sério, quase fúnebre.

Não existe equidade entre Brasil e Angola, portanto. O Brasil é mostrado como soberano nessas relações, mas Angola e Moçambique não podem ser equiparados. Assim, cria-se uma pirâmide hierárquica de poder, na qual o

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Brasil está no topo da pirâmide, mas Angola e Moçambique não estão em posição comum. Consequentemente, as relações Brasil-Angola e as relações Brasil-Moçambique apresentam evidentes particularidades.

Figura 50 – Pirâmide das relações hierarquizadas

3.2.1 - Diferenças nas relações Brasil-Angola e Brasil-Moçambique

Nesse contexto observamos que na pirâmide hierárquica Angola está em posição mais próxima, embora abaixo, do Brasil; e, Moçambique em posição mais distante do Brasil. Nos cortes que vão ao ar essas proximidades e afastamentos são reiterados, mostrando como essas relações ocorrem e nos são dadas a ver.

Nos vídeos que cobrem a visita a Moçambique é possível depreender um certo distanciamento entre Dilma e as autoridades locais durante a cerimônia de oferenda floral a Samora Michel. A presidenta permanece em um lugar e as autoridades locais vêm ao seu encontro, cumprimentam-na e retiram-se logo em seguida. Durante o evento Dilma permanece na parte externa do tapete que leva ao monumento, ficando ao lado de outras autoridades. Não há interação face-a-face entre eles. Durante a entrega da oferenda floral a presidenta permanece como mais um membro da plateia do evento que ocorre. Aqui ela é sujeito de estado. Nesse evento Dilma acompanha a cerimônia enquanto protocolo presidencial, instaurando-se, assim, o regime da programação. É uma forma de regularidade cujo princípio deriva de uma coerção social17. Um protocolo político, então, estabelece

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relações entre pessoas que nascem de coerções sociais do mundo político. Landowski afirma que

A programação preside, em primeiro lugar, as atividades do tipo tecnológica, no que se refere às nossas relações com as coisas. Mas, pode também manter um modo de organização social e política, do tipo tecnocrático, no que diz respeito às relações entre as pessoas. Entretanto, quanto melhor a combinação desses dois aspectos que bem podem caminhar em conjunto mais próximo se está de um regime perfeitamente seguro, sem acidentes nem desvios de nenhum tipo. Sua aliança culmina na organização de sociedades totalitárias, do tipo burocrática, espécies de máquinas humanas a serviço da produção18 (LANDOWSKI, 2009, p.30, tradução nossa).

Dilma acompanha a cerimônia e quem cumpre o ritual político é o presidente moçambicano Armando Guebuza. Ele caminha sobre o tapete que leva ao monumento e ele ajusta as faixas da oferenda floral após esta ser posicionada aos pés do monumento por duas oficiais militares.

18 Original na obra de tradução peruana, publicada pela Universidade de Lima: “ La programación preside, em primer lugar, las atividades de tipo tecnológico, referente a nuestras relaciones con las cosas. Pero puede sostener también um modo de organización social y política, de tipo tecnocrático, em lo que concierne a las relaciones entre las personas. Mientras mejor se logran conjugar estos dos aspectos que bien pueden ir em pareja, más cerca se está de un régimen perfectamente seguro, si acidentes ni desviaciones de ningún tipo. Su alianza culmina em la organización de sociedades totalitarias, de tipo burocrático, espécies de máquinas humanas al serviço de la máquina de la produción” (LANDOWSKI, 2009, p.30).

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Figura 51a – Dilma lado a lado com outras autoridades presentes na cerimônia a

Samora Michel

Figura 51b – Na cerimônia a Samora Michel Dilma permanece em um lugar fixo e as

autoridades vêm cumprimenta-la e, em seguida, afastam-se

Figura 51c – Na cerimônia a Samora Michel duas oficiais militares levam a oferenda

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Figura 51d – O presidente Armando Guebuza é quem ajusta as faixas da oferenda

floral e cumpre o ritual político

Em Angola Dilma também participa de uma cerimônia de oferenda floral ao primeiro presidente angolano Antonio Agostinho Neto. No entanto, nessa ocasião ela aparece como sujeito da ação. A chefe de estado, diferente da posição ocupada na cerimônia moçambicana, sai da posição de plateia e participa ativamente da cerimônia. Ela caminha sobre o tapete que leva ao monumento sendo a autoridade central do evento, acompanha a oferenda floral, coloca-a aos pés do monumento com ajuda dos militares e ajusta as faixas. A coroa de flores nas mãos de Dilma mostra o reconhecimento do governo angolano à nova República. Ao fundo a lente mostra o público que está na plateia, assistindo ao evento enquanto acompanha os passos de Dilma pela passarela vermelha.

Figura 52a – Em Angola, Dilma caminha sobre o tapete que leva ao monumento

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Figura 52b – Dilma ajuda os oficiais militares a colocar a oferenda floral aos pés do

monumento Agostinho Neto

Figura 52c – Dilma ajusta as faixas da oferenda e cumpre o ritual político como figura

política que é sujeito responsável pela ação

Figura 52d – Ao fundo pessoas que estão na plateia assistindo ao evento caminham

acompanhando os passos de Dilma até o monumento

Ao término da cerimônia a câmera continua a cobrir a cena: Dilma aparece dialogando com as autoridades locais e caminhando, distanciando-se do monumento. A representante do Brasil e as autoridades angolanas interagem de forma mais proximal. Ao fundo aparecem fotógrafos clicando Dilma, o que a coloca em posição de destaque. Na sequência, a câmera se

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abre e mostra o público angolano que acompanhava a cerimônia na rua, aplaudindo e cumprimentando a presidenta brasileira. A mesma acena para todos várias vezes, lembrando o ritual político de quem está em fase de candidatura às eleições e busca a aprovação de seus eleitores; claro que em território angolano Dilma não busca eleitores, mas busca a aprovação pela população local da presença brasileira no território estrangeiro. Embora se cumpra mais um protocolo político na participação da cerimônia, instaura-se aí um regime de ajuste entre as duas nações – Brasil e Angola. Trata-se de uma interação entre iguais, um fazer conjunto que contagia estesicamente. Sobre o regime de ajuste Landowski explica que se trata de

...uma interação entre iguais, onde as partes coordenam suas respectivas dinâmicas por meio de um fazer conjunto. E o que as permitem ajustar-se assim uma a outra é uma capacidade nova, ou ao menos uma competência particular que o modelo precedente não havia chegado a reconhecer: a capacidade de sentir-se reciprocamente. Para diferenciá-la da competência chamada modal, a batizaremos com o termo competência estésica19 (LANDOWSKI, 2009, p.48, tradução nossa).

Observamos, assim, o contágio entre o ato da presidenta em solo estrangeiro e as afetações desse ato na população local, que sanciona positivamente e manifesta-se sensivelmente pelos gritos, aplausos e acenos. A presidenta sorri e interactua com esse público também de forma sensível em seu tom cordial de sorriso, atenção e acenos.

19 Original na obra de tradução peruana, publicada pela Universidade de Lima: “...una interacción entre

iguales, donde las partes coordinan sus dinâmicas respectivas por meio de um hacer conjunto. Y lo que les permite ajustarse así uma a outra es uma capacidade nueva, o al menos una competência particular que el modelo precedente no había llegado a reconocerles: la capacidade de sentirse reciprocamente. Para diferenciarla de la competência llamada modal, la bautizaremos com el término de competência

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Figura 53a – Após cerimônia Dilma e George Chicote, ministro das Relações

Exteriores de Angola, continuam a conversar. Mostra-se uma relação política mais proximal entre o Brasil e Angola.

Figura 53b – Enquanto as autoridades conversam, fotógrafos clicam a cena

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Figura 53d – Saindo do espaço onde se deu a cerimônia, caminhando do lado

oposto ao monumento, porém ainda sobre o tapete vermelho, Dilma cumprimenta o povo angolano que acompanha a cerimônia da rua. Neste frame ainda não é possível

visualizar essas pessoas, mas o sonoro local é restaurado e já é possível ouvir os gritos e aplausos direcionados à chefe de estado brasileira. A lente se abre e mais

uma vez mostra outras lentes que captam a presidenta

Figura 53e – Dilma continua a cumprimentar com acenos o povo angolano que

está do outro lado da avenida posicionado a sua espera para saudá-la. Querem ver a presidenta do Brasil que os visita. Este é um dos raros momentos em que a câmera se

abre e mostra o espaço do entorno à cena em foco

Figura 53f – Embora ainda acenando ao povo angolano e sorrindo, a

presidenta está distante do povo que se aloca do outro lado da avenida, agora mostrado pela lente da câmera. A presidenta ocupa posição de destaque e esse corpo

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As cenas que nos são dadas a ver mostram um Brasil em forte sintonia com Angola. Ao mesmo tempo é dada ao nosso país notória visibilidade nesse país estrangeiro. A representante brasileira se configura como um sujeito que provoca empatia no povo angolano e assume uma certa posição de popstar, posição esta instaurada pelos clics das câmeras, pelo frenesi do povo angolano somado à distância que se estabelece entre a presidenta e esse “povo comum”. Porém, é importante evidenciar que a distância espacial desses corpos não significa um distanciamento relacional entre eles. A relação de ajustamento é clara quando esses corpos mostram-se estesicamente em parceria pelos movimentos, pelo sonoro, pelo olhar, pelo sorriso, pelas expressões faciais.

Essa relação de ajustamento entre Brasil e Angola é reiterada no desembarque da presidenta em Luanda e também no seu discurso junto às lideranças femininas angolanas. Embora saibamos que a espera do desembarque de um chefe de estado por autoridades seja um protocolo político, observamos Dilma em um programa de ajustamento com essas autoridades que a aguardam em Luanda. A presidenta sorri e todas às vezes utiliza o aperto de mão para o cumprimento, estabelecendo um contato corpo a corpo com o outro sujeito da interação. Mesmo quando se trata de oficiais militares, em que a prática é um cumprimento unilateral do militar para o chefe de estado, configurando um rígido regime de programação do mundo militar, Dilma quebra o protocolo e cumprimenta com o toque da mão. Seu corpo e sua cabeça curvam-se em direção ao sujeito da interação, seu olhar fixa a face desse sujeito outro e sorri cordialmente. Mais uma vez instaura-se uma interação sensível em um ritual protocolar.

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Figura 54a – Ao desembarcar em Angola, Dilma é cumprimentada por George

Chicote, ministro das Relações Exteriores. A presidenta sorri e seu corpo curva-se em direção ao outro corpo, as mãos de ambos se tocam num longo e vigoroso

cumprimento

Figura 54b – Ao receber flores, a chefe de estado curva-se e sorri cordialmente

Figura 54c- Dilma curva-se e sorri ao cumprimentar com aperto de mão todos

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Figura 54d - Dilma curva-se e sorri ao cumprimentar com aperto de mão todos

que a aguardavam

Figura 54e - Dilma curva-se e sorri ao cumprimentar com aperto de mão todos

que a aguardavam

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Figura 54g – Enquanto o cumprimento protocolar do oficial militar se conclui a

presidenta aguarda com o braço estendido para o aperto de mão

Figura 54h – Dilma cumprimenta o oficial militar com aperto de mão, curva seu

corpo em direção ao corpo dele e sorri