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2.4 O sincretismo no corpus

PLANO DO CONTEÚDO

EFEITO DE SENTIDO

vertical vs horizontal contenção vs distensão Preenchimento (ocupação da totalidade)

obscuro vs luminoso escuro vs claro (azul) (amarelo)

Preenchimento (ocupação a totalidade)

Figura 30 – Quadro P.E / P.C / Efeitos de sentido

A tarja branca da inscrição ORDEM E PROGRESSO, presente na bandeira nacional, é atualizada na nova bandeira na tarja branca que comporta a inscrição VIAGEM À ÁFRICA e que caminha em direção ao outro continente. O Brasil mostra-se, assim, como o país que pode levar à África a “receita” do progresso.

Figura 31 – Tarja da bandeira nacional

brasileira

Figura 32 – Tarja da bandeira

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O branco que faz o traçado tipográfico das letras do plano verbal não é considerado uma cor, para Pedrosa “em pigmento, o que se chama banco é a superfície capaz de refletir o maior número possível de raios luminosos contidos na luz branca” (PEDROSA, 2009, p.130). Há ainda de se complementar que “do ponto de vista físico, o branco é a soma das cores, psicologicamente, é a ausência delas” (PEDROSA, 2009, p.130). Se o branco é a soma do total ou a ausência total, podemos dizer que tal qualidade lhe confere um certo sentido de neutralidade.

O sujeito coletivo Brasil, aí representado pelo sujeito Dilma Rousseff se mostra elemento – enquanto inscrito no tipográfico verbal – representante de todas as cores, mas ao mesmo tempo ausência de todas elas. Poderíamos fazer uma analogia dessa certa posição de neutralidade com as palavras de Pedrosa sobre o maior significado do branco na atualidade: “como reflexo de uma aspiração dominante, o branco encontra seu maior significado no século XX, representando a paz, principalmente a paz entre os povos” (PEDROSA, 2009, p.131).

As novas formas de supremacia do poder unem poder econômico e poder político e redefinem hierarquias no mundo globalizado. Saímos de uma esfera que tinha a força como principal arma de conquista e ampliação de poder para uma esfera em que o poder supremo não vem só de voz de mando, mas sim de uma credulidade do outro. É o poder que Hardt & Negri (2001) classificam como biopoder e que está dentro do conceito de Império trazido pelos autores. Embora o conceito de Império não esteja aqui em discussão é relevante citar onde está sua correlação com o branco que escreve o verbal e que Pedrosa traz o significado da paz: “o conceito de Império é apresentado como um concerto global [...] um poder unitário que mantém a paz social e produz verdades éticas” [grifos nossos] (HARDT & NEGRI, 2001, p.28).

Essa nova forma de soberania, que vai em movimento inverso ao Imperialismo, com “descentralização e desterritorialização” (HARDT & NEGRI, 2001, p.15) do poder vem compondo uma nova forma de supremacia na atualidade. Ainda de acordo com Hardt & Negri

87 O Império não só administra um território com sua população, mas também cria o próprio mundo que habita. Não apenas regula as interações humanas como procura reger diretamente a natureza humana. O objeto do seu governo é a vida social como um todo... (HARDT & NEGRI, 2001, p.15)

Hardt & Negri classificam como biopoder “a forma de poder que regula a vida social por dentro, [pois] o poder só pode adquirir comando efetivo sobre a vida total da população quando se torna função integral, vital, que todos os indivíduos abraçam e reativam por sua vontade” (HARDT & NEGRI, 2001, p.43). Nesse comando de natureza biopolítica, o peso do poder sai do campo da intimidação e vai para o campo da manipulação. Somos seres de linguagem e, portanto, seres operados por valores, relações e afetos e operar sobre o outro pela manipulação evidencia-se mais eficiente no que tange a “ampliar o domínio dos consensos que dão apoio ao seu próprio poder” (HARDT & NEGRI, 2001, p.33).

A extensão do Brasil para além de seus territórios, procurando outros espaços de domínio não é algo do século XXI, pois a construção das estratégias de sua política externa em diferentes etapas da história mostraram essa preocupação em potencializar sua presença nas relações globais. De acordo com Saraiva, a inserção internacional da nação brasileira tem bases fortemente vincadas na “vocação para o uso do diálogo diplomático em detrimento do uso desmesurado da força como elemento de dissuasão...” (SARAIVA, 2005, p.67). Apresenta-se aí uma nação com fortes características do uso de um poder de natureza biopolítica e, que, portanto, ganha espaço com base no conhecimento do uso da linguagem para manipular e criar aliados.

Saraiva (2005) explica que o Brasil sempre fez forte uso da diplomacia para ganhar espaço no cenário internacional de forma gradual. Logo, é um país que se apresenta ao mundo como um líder capaz de intermediar conflitos e manter a paz. Rocha acrescenta que

88 Na esfera política, a tradicional posição brasileira de respeito às normas e ao Direito Internacional, sua secular ausência de conflitos com países vizinhos e seu permanente compromisso com a solução pacífica de controvérsias vêm sendo considerados ativos importantes nas relações exteriores do país... (ROCHA, 2005, p.101)

No branco dos elementos gráficos da abertura do programa esse sentido de paz como valor mundial é retomado, além de ser um valor que particulariza o Brasil e o diferencia de outras nações que fazem uso da força para alcançar determinado lugar na escala das supremacias mundiais. É pela política do ser e do poder-fazer que o Brasil se apresenta ao mundo. Tal política constitui-se porta de entrada para o desenvolvimento de uma economia do ter.

A música presente na abertura do programa é suave e se homologa à imagem por meio das categorias audiovisuais resultantes do ritmo presente tanto no áudio quanto no vídeo: extensividade, continuidade e segmentação12.

CATEGORIA ÁUDIO (MÚSICA) VÍDEO (IMAGENS)

Extensividade

Discurso musical com maior atonia, menor pulsação, que tende à

duratividade.

Poucos cortes e maior duração dos planos em determinado intervalo de tempo. Emprego de

planos-sequências e tomadas panorâmicas com

movimentação suave e contínua

Continuidade

Discurso musical dotado de maior regularidade

no andamento e na duração do compasso.

Decomposição linear e gradual das cenas dos planos mais abertos aos mais fechados com

vistas à produção de um efeito de continuidade. Na ordenação

dos planos, partindo de uma gradação do mais aberto ao

12 Para essa análise utilizamos as categorias audiovisuais trazidas pela contribuição de Fechine (2009,

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mais fechado, produz-se também, do ponto de vista da

aspectualização espacial, o movimento de aproximação ou distanciamento. Segmentação Exploração na base instrumental de arranjos

mais melódicos que harmônicos orientados

por uma maior “economia” de elementos sonoros.

Combinação de elementos plásticos dentro do plano com base na sucessividade (um após

o outro).

Figura 33 – Quadro das categorias audiovisuais

Os audiovisuais vão ao ar repentinemente durante a programação diária e as categorias que se homologam tanto no plano sonoro quanto visual promovem um efeito de desaceleração que convida o enunciatário a relaxar. De acordo com Fechine

As categorias rítmicas produzem efeitos globais de aceleração e desaceleração, tensão e relaxamento, harmonia e desarmonia, entre outros. Incorporados aos demais procedimentos de textualização, tais efeitos participam da construção de uma dimensão mais sensível do sentido (FECHINE, 2009, p.359).

Embora o programa Atividades da Presidenta seja mais da ordem do inteligível – informar -, a sua abertura chama o enunciatário pela suavidade de seu ritmo sonoro e visual, arrebatando sua atenção pelos efeitos sensíveis que produz.

Em um canal de televisão que sua programação está voltada para informar, focando, portanto, a inteligibilidade de seus textos, uma abertura que convide as diversas ordens sensoriais, priorizando o sensível, funciona como uma ruptura dentro da programação. Hernandes (2009) explica que uma das

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funções do sonoro é criar rupturas para despertar a atenção. Assim, a abertura do programa Atividades da Presidenta funciona como o que o pesquisador chama de “estratégia de arrebatamento”, pois

Visa a instaurar o sujeito por meio de algum estímulo, uma descontinuidade, que motive ou reforce um engajamento perceptivo voluntário. É mais da ordem das sensações, portanto bastante ligada às estratégias do plano de expressão (HERNANDES, 2009, p.280).

Os elementos até aqui analisados constroem uma narratividade da ordem do cognitivo, que é dada pela totalidade de sentido produzida pela abertura presente no programa audiovisual. A análise das relações entre os feixes formantes e entre os sistemas sincréticos presentes nos permitiu observar as relações estabelecidas entre os diferentes sistemas. No entanto, não há como negar que as manifestações significantes da ordem do cognitivo caminham juntas com aquelas da ordem do sensível, pois ao assistir à abertura do programa os nossos vários sentidos são convocados a operar na construção da significação.

Seja no uso das cores, na cinética dos diferentes elementos, no ritmo do sonoro, do visual e do verbal somos convocados a sentir o sentido e não apenas a “lê-lo”. Nas articulações do qualitativo e do quantitativo das manifestações sincréticas é possível depreender o estésico dessas relações intersistêmicas. Oliveira afirma que

Em sua reunião, os formantes planares articulam-se aos formantes fônicos, sonoros, gráficos, cinéticos, montando nos tipos de associação a plástica da expressão sincrética. Articulação significante processada com elementos de mais de um sistema, a sua apreensão nos põe em presença de um espetáculo de propriedades sensíveis, que envolvem o corpo todo em uma vivência estésica dessa plástica sincrética que é inseparável das propriedades discursivas da dimensão figurativa. A dimensão plástica com a dimensão estésica de seu processamento sensível se correlacionam à dimensão figurativa. A figuratividade entreabre esses

91 caminhos para se entrever a processualidade da operação sensível da plástica sincrética (OLIVEIRA, 2009, p.92).

O enunciatário é convocado a seguir com o corpo o movimento das cores e das letras e nesse movimento é conduzido em uma viagem sobre o Atlântico até o solo africano. A sonoridade da música convoca a ordem visual a traçar um caminho que acompanhe seu ritmo.

Ao sentir o sentido por meio das cores, do ritmo, da música presentes na abertura do programa, o destinatário é manipulado por tentação a querer saber o que o audiovisual traz, ou seja, o seu conteúdo noticioso. Assim, manipulação e ajustamento são formas de interação presentes na abertura do programa. A seguir, partimos para a análise do conteúdo noticioso do material estudado.

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CAPÍTULO 3-