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TERRITÓRIOS LUSÓFONOS E OS SIMULACROS DE BRASIL NA TVNBR : atualizações de relações coloniais

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC| SP

Maria Anderlina Antonio

TERRITÓRIOS LUSÓFONOS E OS SIMULACROS DE BRASIL

NA

TVNBR

: atualizações de relações coloniais

Mestrado em Comunicação e Semiótica

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Professora Dra Ana Claudia Mei Alves de Oliveira.

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Ana Claudia Mei de Oliveira pelo olhar doce e o falar firme, pelas sabias palavras ao longo

do caminho

À Cida Bueno pelo profissionalismo e pela sua forma direta e prática na condução da secretaria do COS, o que facilita a nossa vida acadêmica em meio a tanta

burocracia

À CAPES pela bolsa que tornou o projeto possível de desenvolvimento

A todos os colegas que dividiram sala nas disciplinas que cursamos juntos pelas trocas de ideias e pelos

comentários que muito iluminaram essa pesquisa Um agradecimento especial à colega Mariana Albuquerque pelas horas que estudamos juntas e pelas

boas risadas que demos tomando café nos intervalos À minha mãe que tanto me ajudou e me incentivou em

minha busca

À Monique, babá de meus filhos, que tantas horas extras fez para que eu pudesse me dedicar mais aos estudos À equipe médica e à equipe de enfermagem da UTI do Hospital da Luz, que da internação de meu filho tão bem

cuidaram dele me ajudando a não desistir desse projeto no meio do caminho

Aos meus filhos que iluminam minha vida e me fazem acreditar que tudo vale muito a pena

Aos mestres que passaram por minha vida e deixaram, cada um, as sementes da contribuição e da inquietação

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RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo delinear os simulacros de Brasil, no que tange suas relações com os países lusófonos – Angola e Moçambique – edificados no programa Atividades da Presidenta, da TVNBR. O corpus da investigação é composto por quatro audiovisuais que fazem a cobertura da visita da representante do Brasil à África em outubro de 2011. A partir da política do Brasil na África e da investigação desses enunciados, buscou-se compreender como os enunciados em análise constroem as representações de Brasil na imprensa. Para isso foram estudados: 1) as figuratividades que configuram os simulacros de ação do Brasil nesses territórios; 2) os papéis temáticos que o Brasil assume dentro desses veículos de comunicação; 3) os valores em circulação no nível axiológico desses discursos; 4) o modo pelo qual é sancionado o fazer de Brasil nos textos da mídia em análise; 5) o modo pelo qual estão postos os processos de convencimento que se dão entre enunciador e enunciatário desses discursos; 6) como esses discursos são construídos no sentido de criarem os efeitos de veridicção; 7) o modo pelo qual as projeções da enunciação desses discursos contribuem para o efeito de sentido que neles se apresentam. Baseamo-nos em Pimentel, Saraiva, Visentini & Pereira quando afirmam que a política de Brasil em África se faz sob fortes interesses econômicos, mostrando-se, logo, uma estratégia política bastante polêmica, que destoa dos discursos que geralmente circulam sobre as relações que permeiam a lusofonia, os quais mais evidentemente apontam aproximações culturais e língua comum. Faz-se, assim, hipótese de nossa pesquisa que uma análise dos textos que são componentes do corpus possa trazer construções de representações de Brasil que permitam legitimar as atuações de Brasil nesses territórios. Como base teórica de nossa análise temos a teoria semiótica edificada por Algirdas Julien Greimas e Eric Landowski. Ainda, por serem nossos textos enunciados sincréticos, tomaremos como referencial para a investigação Jean Marie-Floch e Ana Claudia de Oliveira, dentre outros.

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ABSTRACT

This research aims to delineate the Brazil simulacruns, regarding its relations with Portuguese-speaking countries - Angola and Mozambique - built in the program Activities of the President , the TVNBR . The research corpus is composed of four audiovisual who cover the visit of the representative of Brazil to Africa in October 2011. From Brazil 's policy in Africa and the investigation of these findings, we sought to understand how the statements in question construct representations of Brazil in the press . Stops were studied : 1 ) the figurativities that configure the simulacrum of Brazil action in these territories ; 2) thematic roles that Brazil takes within these communication vehicles , 3) axiological level and the values in circulation in these discourses ; 4 ) how is sanctioned the making of Brazil by the media texts under review ; 5 ) the way in which jobs are the processes of persuasion that occur between enunciator and enunciatee of these discourses ; 6 ) how these discourses are constructed in order to create the effects of veridiction ; 7 ) the manner in which the projections of these discourses enunciation contribute to the effect of meaning that is present in them . We rely on Pimentel , Saraiva , & Pereira Visentini when they claim that the policy of Brazil in Africa is done under heavy economic interests , being thus a highly controversial political strategy , which clashes with the discourses that often circulate about the relationships permeate the Lusophone, which more clearly indicate approaches and cultural common language. It is thus our research hypothesis that an analysis of the texts that are components of the corpus can bring constructs representations of Brazil allowing legitimize the actions of Brazil in these territories. Theoretical basis of our analysis is semiotic theory built by Algirdas Julien Greimas and Eric Landowski . Still, for being our texts listed syncretic , we will take as a reference for research Jean - Marie Floch and Ana Claudia de Oliveira , among others .

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Sumário

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Da Motivação da pesquisa ... 10

Da problemática e das hipóteses ... 12

Da seleção do corpus e dos objetivos que se propõem ... 17

Da fundamentação teórico-metodológica e da organização da dissertação ... 20

CAPÍTULO 1- UMA LÍNGUA, VÁRIOS ESPAÇOS ... 24

1.1 - Relações Brasil-África na Política Externa Brasileira ... 25

1.1.1- Relações Brasil-colônia e África-colônia ... 26

1.1.2- Relações Brasil-independente e África-colônia...30

1.1.3- Relações Brasil-independente e África-independente... 33

1.2 - CPLP: a representatividade de Comunidade nas relações Brasil-África ... 39

1.2.1- Língua Portuguesa: afastamentos e aproximações ... 40

1.2.2- CPLP: formação e importância nas relações políticas, econômicas e culturais entre o Brasil e a África lusófona ... 48

CAPÍTULO 2- A COBERTURA DA VISITA DE DILMA ROUSSEFF PELA TVNBR .. 59

2.1- Entre estudo de gênero e de discurso ... 60

2.2- Fundamentos semióticos na abordagem do discurso ... 65

2.3 - O programa na programação ... 66

2.4 - O sincretismo no corpus ... 69

2.5 - A viagem viajada na abertura do programa ... 72

2.5.1- O verbal, o movimento e o ritmo ... 72

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CAPÍTULO 3- O CONTEÚDO NOTICIOSO... 92

3.1- Construção de presença do programa e do destinador ... 98

3.2- Construção da presença brasileira na África lusófono ... 109

3.2.1- Diferenças nas relações Brasil-Angola e Brasil-Moçambique ... 118

3.3- Dilma chefe de Estado e Dilma mulher ... 129

3.4- Temas, figuras e axiologias do discurso: Brasil, país do agora; África, lugar do então ... 132

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 140

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[...] A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos,

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Da motivação da pesquisa

Esta pesquisa nasce de uma curiosidade que nos move desde um tempo vivido que não se é possível situar em uma régua cronológica. A

incoatividade dessa ânsia de saber algo mais foi perdida na duratividade de nossas vivências nos bancos escolares, porém o lugar em que nasce o amor e a vontade de querer saber mais ficou bem demarcado: na escola.

O primeiro contato “consciente” 1 com a Língua Portuguesa se deu naquele lugar. Até então, a língua era apenas um som sincronizado, ritmado e organizado que saía de dentro de nós para que pudéssemos falar uns com os outros. Talvez aquele primeiro contato que consideramos “consciente” não tenha sido o que nos despertou para as curiosidades que viriam a ser alimentadas em todo o processo ensino-aprendizagem dado na vida escolar, mas foi um início, pois, as metodologias didáticas de alfabetização da época faziam tamanha fragmentação com o código, que em meio aos ba-be-bi-bo-bu, na-ne-ni-no-nu, ca-co-cu vivíamos um longo período de apagão até um dia qualquer, como que em um estalo momentâneo, percebíamos que a junção de um com o outro poderia nos trazer de volta algo que já conhecíamos bem lá no início do percurso: bo-ne-ca.

Depois vieram as frases quase que sem sentido e descontextualizadas da nossa vivência de mundo, mas encantadoras por sua sonoridade: A bola é do bebê; Lalá leu o livro; Cacá caiu calado – não sabemos se eram bem essas frases, mas era algo bem próximo disso. O fato é que o nosso percurso enquanto sujeitos nos mostrou os valores eufóricos de cada etapa da aprendizagem e aprendemos a conviver com os valores de axiologia disfórica. Em algum momento – aquele que já citamos não saber pontuar com exatidão – despertamos para a língua enquanto elemento de comunicação e para o homem enquanto ser de linguagem. A língua não era mais apenas uma

1 O termo consciente foi empregado na tentativa de afirmar que foi o primeiro contato com o qual

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transcrição sobre o papel daquele “som sincronizado, ritmado e organizado que saía de dentro de nós”.

Entendemos, assim, que aquelas palavras impressas no papel poderiam ser sentidas e não apenas utilizadas para exercitarmos como usar as classificações morfológicas e sintáticas que aprendíamos. E quando nos deparamos com a informação de que o eixo paradigmático poderia fornecer combinações que resultariam em sintagmas absolutamente surpreendentes foi o êxtase. Descobrir que as mesmas palavras poderiam ser trabalhadas de forma a edificar um texto mais mimético ou mais poético foi a gota de água que se recusou a cair da clepsidra de Robinson2.

A essa altura já nos jogávamos nos braços de Fernando Pessoa e nos apaixonávamos por cada um de seus poemas – ou de seus pseudônimos – no deleite de quem entende (ou tenta entender) e sente; no trânsito entre o

inteligível e o sensível. Aquele som que saía de dentro de nós, que poderia ser transcrito e até classificado morfológica e sintaticamente também comunicava algo a alguém, comunicava pela inteligibilidade e pela sensibilidade. Mas esse contato com os termos inteligível e sensível ainda não nos eram “conscientes”, nos eram dados apenas por impressões.

A Língua Portuguesa tinha, então, papel temático do gosto: o gosto da gente, o gosto das coisas3. Mas não era a língua enquanto código linguístico apenas, era a língua enquanto meio de comunicação de uma determinada cultura. Os textos de Pessoa nos colocou uma outra ânsia: conhecer melhor o mundo português, porque bem sabemos que embora a Língua Portuguesa obedeça à regras similares de sintaxe tanto no Brasil quanto em Portugal, as culturas de referência são diferentes. Conforme íamos nos apropriando de conhecimentos vários que abarcavam o país que nos fez colônia por mais de três séculos, a curiosidade ia crescendo em direção a outros territórios que tinham a Língua Portuguesa como língua oficial.

A língua era elemento que comunicava, no entanto, não era a única forma de dizer. Na educação básica ou na universidade – não sabemos

2 Ver O Deslumbramento em GREIMAS, Algirdas Julien. Da Imperfeição, 2002.

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precisar onde - tomamos consciência de que outras manifestações de linguagem que não eram de natureza verbal também comunicavam. Existiam, logo, outras formas de ler o mundo e de senti-lo. Os formantes poderiam ser da ordem do cromático, do eidético , do matérico, do topológico e não apenas da ordem do verbo e do som. Então, não era mais só o gosto que nos era apresentado, e as nossas diversas ordem sensoriais eram convocadas: a visão, o olfato, a audição, o tato, o cinético. Às vezes cada ordem de uma vez, às vezes aos pares, às vezes todas juntas em sincronismo.

É nesse ponto que se manifesta o interesse em aprofundar estudos acerca dos temas que se articulam nessa pesquisa, temas esses que nos foram sendo apresentados ao longo de várias etapas de nossa trajetória e aqui se condensam: língua – linguagem – comunicação – lusofonia – semiótica. Portanto, as motivações dessa investigação nos acompanham por uma trajetória que não se inicia na matrícula do curso de mestrado ou pouco antes, mas se iniciaram em algum lugar ou tempo qualquer e permanecem no durativo de apreensões e inquietações de um processo que também não se finaliza aqui.

Da problemática e das hipóteses

Sabemos que os países de Língua Portuguesa têm laços com raízes históricas que remetem ao Imperialismo português e sua expansão territorial pelo mundo. É importante ressaltar que quando falamos em raízes históricas estamos fazendo menção única e exclusivamente às relações que moveram o mundo imperialista português: relações de metrópole e de colônias. Pois, as formas como essas interações se deram têm suas particularidades em cada porção territorial. Acrescenta-se a isso que cada um desses territórios tem sua cultura, sua identidade e sua forma única de ver e sentir o mundo.

As marcas do dominador, no entanto, são evidentes. Os próprios termos

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colonial foi tomada por processos de aculturações que culminaram em hibridações do mesmo idioma, dando voz a uma diversidade de culturas. Todavia, o nomear luso traz referências históricas do funcionamento da pirâmide dessas aculturações que inegavelmente não foram aleatórias nem acidentais.

Se a potência imperialista portuguesa ocupou lugar de soberana nação com a empresa colonial, dando peso à hegemonia europeia do período, nos incita investigar como se fazem as relações dos países do mundo lusófono em tempos de interações globais da atualidade, características de uma nova forma de supremacia instaurada pelo Império. Hardt e Negri (2001) explicam o Império como uma infraestrutura global que combina mecanismos democráticos e oligopolistas, um momento em que as redes de comunicação se fazem exercício de dominação. O que propomos, assim, é uma análise que leve em conta os contextos e as formas de supremacia do poder de um momento em que os paradigmas econômicos mudaram e em que a posição de uma nação em um sistema global não é mais classificada por expansões territoriais. Mais especificamente, interessa-nos saber como se dão as relações do Brasil com as suas nações irmanadas4nesse novo contexto.

Vamos investigar quais são os simulacros de presença do sujeito coletivo Brasil construídos na mídia televisiva brasileira – em recorte, TVNBR (Televisão Nacional Brasileira) – programa Atividades da Presidenta – no que tange as relações do Brasil com a África Lusófona (aqui, Angola e Moçambique). Buscamos depreender como os sentidos desse intercâmbio nos são dados a ver por um destinador que se apresenta como a “TV do Governo Federal”. Depreender esses simulacros de Brasil parece-nos interessante para entender melhor quem somos nós nesses espaços lusófonos com os quais inevitavelmente temos relações históricas e econômicas caminhando em paralelo.

Os discursos que permeiam as relações da lusofonia parecem estar mais calcados nas bases históricas e culturais. Acreditamos que um dos

4 Termo usado no próprio portal da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa CPLP para

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motivos para tal ocorrência possa ser proveniente de uma leitura que se faz da aliança desses países a partir dos princípios elencados na parceria denominada CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – criada em 1996. É de conhecimento comum que esses países que têm como língua oficial o português e que dividiram história nas relações coloniais em que Portugal fez-se metrópole fazem parte da aliança citada.

Conforme consulta feita ao portal oficial da CPLP5, pudemos constatar que a formação da comunidade tem como pilar o apoio à Língua Portuguesa. Além disso, o portal enfatiza o fato de os países serem “nações irmanadas por uma herança histórica”. O terceiro motivo para a formação da aliança aponta o fato de a reunião desses países ser “o processo mais adequado para tornar consistente e descentralizar o diálogo transcontinental dos sete países espalhados por África, Europa e América”. A formação da Comunidade contribui para dar visibilidade a essas nações, uma vez que esses países isolados não têm a força representativa que constroem juntos.

Dentre os pilares que envolvem a criação da comunidade não são evidenciadas as relações comerciais e financeiras dessas nações6. Talvez por esse motivo os discursos correntes que envolvem a lusofonia estejam em sua maioria pautados em relações culturais, ideológicas, passado histórico comum, no que tange as relações entre metrópole e colônia, e na Língua Portuguesa. Não descartamos a hipótese de que essas relações econômicas realmente não sejam objetivos centrais da aliança, mas é fato que essas relações existem e que, de alguma forma, interferem no fluxo de outros aspectos que envolvem a parceria. A cooperação do Brasil com a África em termos de saúde, educação e infraestrutura, por exemplo, envolve a instalação de empresas brasileiras em territórios lusófonos, quebra de patentes de medicamentos, instalação de laboratórios farmacêuticos nesses territórios, injeção de capital para subsidiar bolsas de estudos etc. Tais elementos nos permitem afirmar que mesmo sendo a aliança calçada em um discurso político, cultural e linguístico, o fluxo

5

Ver http://www.cplp.org/

6 Embora um dos objetivos cite a cooperação econômica, não são evidenciados nos documentos de

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econômico que se constrói a partir de elementos facilitadores provenientes dos discursos da cultura e da língua comum é inegável.

Dessa forma, parece-nos evidentemente que as relações que envolvem esses países vão além das citadas, tendo se destacado em torno de interesses comerciais e econômicos. Referimo-nos, especificamente, à política do Brasil em África. De acordo com Saraiva

A efervescência nas discussões das associações patronais,

dos setores mais ativos da burguesia nacional ou de setores

sindicais atentos aos impactos arrebatadores da economia

política global, fez o tema da inserção internacional do Brasil

um dos aspectos cruciais nos programas postulantes à

presidência da República na campanha de 2002 (SARAIVA,

2002, p.7).

Conforme afirmam Pimentel (2000), Saraiva (2002), Visentini & Pereira (2008) e outros, a política do Brasil na África trata-se de estratégia fundamental para sua inserção global. A força das relações políticas com fins financeiros podem ser observadas nas muitas empresas brasileiras instaladas em território africano. Visentini & Pereira afirmam que “as empresas brasileiras ganham espaço, consolidando sua presença” (VISESENTINI & PEREIRA, 2008, p.5), o que confirma a atuação comercial do Brasil nesses territórios. Embora essas empresas sejam do setor privado, elas recebem apoio do governo brasileiro para se instalarem nesses territórios. Como veremos na análise de nosso

corpus acerca do governo Dilma, a reunião do governo brasileiro com empresários desses setores faz parte da agenda dos chefes de estado, quando em visita oficial. Além das empresas do setor privado, a instalação da EMBRAPA e da FIOCRUZ na África evidenciam a ação do governo brasileiro na África. Acreditamos que tal estratégia política vise à constituição de uma figura de poder econômico e político capaz de dar uma inserção de relevo ao país da América, mostrando o seu poder e saber sobre os países africanos, o que o torna um país de visibilidade no panorama mundial.

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de ter razão também no que diz respeito ao encaminhamento da questão angolana. Angola é um país rico” (PIMENTEL, 2000, p.13). O que mostra que essas relações não têm como centro sanar a pobreza africana, como muitas vezes é veiculado nos discursos midiáticos brasileiros, deixando em evidência que interesses financeiros têm assumido o centro desses intercâmbios.

Junto com esse domínio comercial do Brasil não podemos deixar de citar a entrada de produtos culturais brasileiros em larga escala em território africano lusófono. Visentini & Pereira (2008) afirmam que a presença da televisão brasileira e das igrejas evangélicas na África vem crescendo desde 1980, acrescentam que “somente na África do Sul já existem quase 300 templos da Igreja Universal do Reino de Deus, onde pastores brasileiros conseguem até contar anedotas em zulu, mas o fenômeno é ainda mais intenso nos países de língua portuguesa” (VISENTINI & PEREIRA, 2008, p.4).

Um dado importante acerca da dimensão das relações econômicas do Brasil em Angola e em Moçambique é a quantidade de empresas brasileiras instaladas nesses territórios. De acordo com Visentini & Pereira (2008) há mais de 30 grandes empresas brasileiras só em Angola. Em pesquisa ao site da Câmara do Comércio Brasil-Moçambique – CCBM - observamos que “Moçambique representa um mercado muito atrativo para investimentos, o que atraiu várias empresas brasileiras a exemplo da Vale, Petrobrás, Camargo Correa, Odebrech, Cemig, Fiocruz, Copasa entre outras”. A instalação da Vale, por exemplo, no distrito de Moatize, província de Tete, foi um dos temas centrais das notícias do caderno de economia do jornal O País7. Dada a expressividade da atuação comercial do Brasil em Angola e em Moçambique é que nosso foco de análise está centrado nas interações do Brasil com esses países. Acrescentamos que foram selecionados dois países – Angola e Moçambique – para essa pesquisa porque é possível ter um melhor panorama de África lusófona, pois o recorte por um só país poderia gerar um estudo de caso isolado, o que não é nosso interesse nessa pesquisa.

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Dados os simulacros8 de Brasil que na mídia em análise são apresentados, quais seriam os papéis facilitadores ou dificultadores da imprensa para legitimar a atuação do nosso país nesses territórios? As respostas para os questionamentos que essa investigação se propõe a estudar só poderão ser respondidas após minuciosa investigação do corpus em recorte. Acreditamos que os discursos que circulam nos diferentes espaços trazem plasmados em si próprios o universo que compõe as relações que pretendemos abordar.

Da seleção do

corpus

e dos objetivos que se propõem

O corpus da análise é composto por quatro vídeos que foram veiculados na TVNBR – Televisão Nacional Brasileira – nos dias 19 e 20 de outubro de 2011 e que fazem a cobertura da primeira visita da presidenta Dilma Rousseff ao continente africano. A cobertura total dessa visita compreende os dias 18, 19 e 20 de outubro de 2011 e a presidenta visitou a África do Sul, Moçambique e Angola – nesta ordem. Por razões já expostas aqui, o nosso interesse recai sobre a África de Língua Portuguesa, são os audiovisuais que fazem essa cobertura que nos interessam, portanto.

Os audiovisuais são componentes do programa intitulado Atividades da Presidenta e que vai ao ar quando há algum evento considerado importante por parte do destinador na agenda da presidenta. Embora seja um programa que faça parte da programação geral da emissora, ele não ocupa um lugar ou um horário específico na programação diária da mesma, pois ele vai ao ar repentinamente durante a programação do dia que o evento ocorre – a qualquer momento. Dada a forma inusitada como o programa é transmitido – sem dia ou horário específico – a coleta do material só foi possível porque a TVNBR tem um canal no Youtube no qual deixa armazenados seus programas. Porém, enfatizamos que nossa pesquisa tem interesse em analisar o material enquanto conteúdo midiático televisivo. Não desprezamos que os conteúdos aqui expostos ganham outros contornos de análise quando observados

8 Tomamos simulacro na concepção de um modelo construído no texto (LANDOWSKI, Eric. Verbete

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enquanto conteúdos midiáticos provindos da internet, todavia o recorte que pretendemos dar leva em conta os audiovisuais enquanto programas televisivos, pois a construção do tempo no ambiente da internet já é ponto evidente das diferenças de interação que se estabelecem nesse outro ambiente: diferente da construção do tempo na televisão – que o programa é apresentado repentinamente, em um tempo pontual e imprevisível, na internet o destinatário tem acesso aos conteúdos quando quiser, basta acessá-los, o tempo é durativo e permanente. Logo, enfatizamos que analisar os mesmos audiovisuais em outras mídias tem suas evidentes particularidades.

O banco de dados dos audiovisuais arquivados no canal da TVNBR no

Youtube possui um total de nove vídeos da cobertura da visita. Do total, quatro vídeos são referentes à cobertura da visita de Dilma à África do Sul e, como nosso interesse de pesquisa centra-se na África lusófona, esses foram descartados. Além disso, um dos vídeos trazia apenas a transmissão via telefone do discurso da presidenta no congresso angolano e, como intencionamos analisar elementos da ordem do visual e da ordem do sonoro operando em interrelações, esse último vídeo também foi descartado por conter apenas elementos da ordem do sonoro e inserir esse enunciado no

corpus impossibilitaria uma comparação deste com os demais vídeos, dada a sua particularidade de não trazer aspectos relativos ao visual. Como Landowski, concordamos que “só se compara o que tem alguma semelhança e essa operação apenas tem sentido se os comparados tiverem alguma diferença” (LANDOWSKI, 1995, p.71). Portanto, compõe o corpus desse estudo os quatro audiovisuais restantes que fazem a cobertura da visita da chefe de estado à África lusófona – dois cobrem a visita à Angola e dois cobrem a visita à Moçambique.

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relações na mediação televisual. Procuramos depreender como o sujeito coletivo Brasil, representado pelo sujeito individual Dilma Rousseff, se apresenta ao enunciatário brasileiro em um programa que vai ao ar na televisão pública que tem por slogan “A TV do Governo Federal”.

Para depreender os simulacros a que nos propomos são objetivos da análise o seguinte elenco:

1- Fazer um levantamento das figuratividades que configuram os simulacros de ação do Brasil nesses territórios;

2- Elencar quais são os papéis temáticos que o Brasil assume dentro do veículo de comunicação em análise;

3- Analisar quais são os valores em circulação no nível axiológico desses discursos;

4- Verificar como é sancionado o fazer do Brasil nos textos da mídia em análise;

5- Observar como estão postos os processos de convencimento que se dão entre enunciador e enunciatário desses discursos;

6- Analisar como esses discursos são construídos no sentido de criarem os efeitos de veridicção;

7- Analisar como as projeções da enunciação desses discursos contribuem para os efeitos de sentido que neles se apresentam.

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Da fundamentação teórico-metodológica e da organização da

dissertação

Esse trabalho se propõe a promover uma análise dos textos que constituem o corpus a partir dos elementos oferecidos pelos próprios enunciados e que atuam em correlação. Há, assim, a evidente necessidade do uso do referencial teórico da semiótica discursiva para tal. A observação dos audiovisuais e as inquietações que esses suscitam só podem ser respondidas com auxílio de uma teoria que se mostre enquanto um “paradigma que [pode] dar conta do espetáculo do homem no mundo por meio de sua representação no espetáculo dos textos” (TEIXEIRA, 1998, p.1).

Considerando, com Médola, que “comunicar não é apenas fazer conhecer, mas principalmente tentar persuadir o enunciatário a aceitar os valores contidos no texto, fica implícito, no processo comunicativo, a existência de um jogo de manipulação...” (MÉDOLA, 2004, p.4) procuramos estabelecer uma análise com base na semiótica discursiva tem sua grande relevância por mostrar como esse jogo de manipulação se processa. Acreditamos que os discursos aqui em análise trazem plasmados em si próprios o universo que compõe as relações que pretendemos abordar.

O corpus de observação é composto por enunciados sincréticos e, por isso, exige um estudo que leve em conta as interações resultantes de mais de um sistema de linguagem e que operam em articulação. Investigar o sincretismo da expressão permitirá depreender os mecanismos de construção do sentido desses enunciados. Oliveira afirma :

A postulação que fazemos é que o estudo semiótico do

sincretismo da expressão faz-se no âmbito do por em

discurso com uma dada escolha organizadora do plano da

expressão, sendo seu lugar teórico os estudos da

enunciação global, que permitem dar conta dos processos

de escolha e usos do enunciador, caracterizando-o ao

mesmo tempo que edificam os seus regimes de interação

com o enunciatário, bem como o configurar desses

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simulacros do destinador e do destinatário no contexto

situacional de sua ocorrência sócio-histórico-político-cultural

(OLIVEIRA, 2009, p.85).

As escolhas do destinador - investido na figura do enunciador - na composição do enunciado desembocam em diferentes formas de construção do sentido enunciado. Para compreendermos como o sentido é posto no trânsito entre o inteligível e o sensível, contamos com o aparato teórico de Eric Landowski e Ana Cláudia de Oliveira – a partir das reflexões que foram iniciadas por Algirdas Julien Greimas, em Da Imperfeição – que trata acerca do

sentido sentido.

As interações que nos são dadas entre enunciador e enunciatário (na enunciação enunciada) e entre os actantes do discurso (no enunciado) terão a nossa atenção por poderem responder como se constroem as diferentes formas de presença e de visibilidade do sujeito Brasil, além de operarem como fortes elementos para os efeitos de sentido de veridicção instaurados no discurso. Para essa investigação a sociossemiótica de Eric Landowski se faz basilar.

Buscar uma análise que estivesse fundada nos princípios semióticos foi nossa preocupação, assim, optamos por classificar os audiovisuais estudados a partir da noção de formatos colocada por Yvana Fechine. O nosso estudo se debruça sobre os recursos discursivos que esse formatos se apropriam na construção do sentido. Desprezamos, portanto, classificações “engessadas” de gênero adotadas pelas emissoras de televisão para rotular e vender seus produtos ou para classificá-los em uma grade de programação.

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e da História. São presentes José Flávio Sombra Saraiva, Paulo Fagundes Visentini, Neusa Barbosa Bastos, Tânia Macedo, Rita Chaves e outros.

Esta escritura comporta três capítulos, além das considerações iniciais e das considerações finais. O primeiro capítulo busca traçar um percurso cronológico diacrônico das relações aqui em estudo. Como forma de organizar o compilado de informações dessa primeira parte optamos por dividi-la em três momentos: 1- momento em que tanto o Brasil quanto os países da África lusófona se configuravam colônia portuguesa; 2- momento em que o Brasil tornou-se independente e a África continuava na condição de dominado; e 3- momento em que tanto o Brasil quanto os países da África eram independentes. Essa divisão pareceu-nos interessante porque é possível ter uma ideia de como essas relações se davam tanto via Portugal quanto de forma direta entre Brasil e África. Além disso, podemos discutir como os processos de colonização e emancipação possuem particularidades relevantes em cada porção territorial.

Ainda neste primeiro capítulo discutimos a aliança formada pelos países que tem a Língua Portuguesa como língua oficial: a CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Trazemos os paradoxos de uma aliança que tem como pilar a língua que outrora fora a língua do dominador. Procuramos elencar também alguns pontos acerca dos aspectos políticos, culturais, linguísticos e econômicos da dada parceria.

No segundo capítulo explicitamos como classificamos o corpus do estudo quanto ao gênero. Seguimos com a análise da abertura do programa

Atividades da Presidenta argumentando sobre a necessidade do uso da semiótica sincrética e fazendo um estudo dos formantes topológicos, eidéticos e cromáticos, estabelecendo suas relações nos efeitos de sentido propiciados. Procuramos, ainda, estabelecer as isotopias suturadoras das diferentes linguagens que se articulam e se relacionam resultando na linguagem do audiovisual.

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de visibilidade do Brasil, as interações estabelecidas e as axiologias do discurso. É importante esclarecer que os capítulos 2 e 3 estão diretamente relacionados, mas a decoupagem dos audiovisuais, para finalidade exclusiva de análise, os dividiu em abertura e conteúdo noticioso. Assim, surgiram dois diferentes capítulos. No entanto, as bases metodológicas de análise são as mesmas para as duas sequências: uma análise do verbal, do sonoro, do movimento, do ritmo, dos formantes topológicos, eidéticos e cromáticos está presente tanto na abertura quanto no conteúdo noticioso e, portanto, são elementos comuns tanto ao segundo capítulo quanto ao terceiro.

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CAPÍTULO 1

UMA LÍNGUA, VÁRIOS ESPAÇOS

Neste capítulo busca-se delinear os simulacros de Brasil construídos em uma televisão pública brasileira - a TVNBR – no que tange as relações do Brasil com a África lusófona representados neste estudo por Angola e Moçambique.

Figura 1– Mapa de localização dos territórios de interesse desse estudo (Angola e Moçambique). Disponível em www.linguaportuguesa.ufrn.br. Acesso em 05 de junho

de 2013.

O corpus é composto por audiovisuais da cobertura da primeira viagem de Dilma Rousseff à África enquanto chefe de estado. Uma vez que o contexto acerca das relações do Brasil com a África é importante para que se possa entender o percurso desses intercâmbios sincrônica e diacronicamente e, por ser todo esse contexto o motivador da curiosidade que movimenta a análise que se segue nos capítulos 2 e 3, ele se faz presente na primeira parte da investigação.

Este trabalho tem como foco uma análise semiótica do presente corpus

(25)

25

um percurso histórico das relações Brasil-África nos ajuda a compreender os diferentes momentos desse intercâmbio.

O capítulo situa os diferentes momentos dessas etapas das relações Brasil-África. Compilar informações acerca dessa relação é essencial para que mostremos como essa teia de aproximações e afastamentos entre Brasil e a África é complexa e, por isso, aguça a curiosidade motriz de nosso trabalho: depreender os simulacros de Brasil construídos por uma televisão pública nacional, um sujeito destinador comprometido com as imagens com que dá a ver o país.

Para dar conta desse apanhado histórico que se faz contextual dividimos o capítulo em dois tópicos principais: o primeiro traz um breve histórico da Política Externa Brasileira para com o continente africano; e, o segundo faz alguns apontamentos acerca do lugar da aliança denominada CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, criada em 1996 – no contexto das relações Brasil-África.

1.1- Relações Brasil-África na Política Externa Brasileira

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26 Figura 2 – Mapa do “mundo único” – a pangeia. Disponível em

www.soscuesta.org.br. Acesso em 05 de junho de 2013.

O presente tópico busca, assim, fazer um apanhado geral das aproximações e afastamentos entre o Brasil e a África no último meio século. Para efeitos de organização do tópico o dividimos em três momentos: 1- momento em que tanto Brasil quanto países da África são colonizados; 2- momento em que o Brasil torna-se independente, mas os países africanos ainda são colônias; e, 3- momento em que tanto países africanos quanto Brasil compõem nações independentes.

1.1.1- Relações Brasil-colônia e África-colônia

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27

temporal que nos fez ousar tal arranjo em dois blocos cujo eixo de comparação é temporal (colônia / independente).

Figura 3 – Quadro dos períodos de colonização africana e brasileira

Observar esses dois momentos é importante para compreender os diferentes ângulos em que se dão essa relação, pois, no momento África-colônia e Brasil-África-colônia tínhamos relações Brasil-África que não se davam de forma direta entre ambos, mas eram regidas pelo colonizador Portugal. Saraiva afirma que

Na formação do mundo moderno, entre os séculos XV e

XIX, os dois lados do “mar tenebroso” foram envolvidos na

lógica do comércio atlântico de escravos, bens e ideais. A

África passou a ocupar papel cêntrico na formação da

sociedade e da economia do Brasil. A escravidão de

africanos no Brasil, para a grande maioria dos historiadores

brasileiros, foi o coração que fez pulsar a organização social

da colônia portuguesa nos trópicos americanos e se tornou

o amálgama da organização do Estado Imperial no século

XIX (SARAIVA, 2000, p.1).

Portugal agia sobre África e Brasil por uma estratégia de intimidação. Essa ação da metrópole configura um de seus programas de uso que compõe o seu programa de base: alcançar o objeto de valor das grandes nações imperialistas – a supremacia.

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28

portanto, na exploração econômica e na imposição cultural. Assim, não é difícil perceber que as relações Brasil-África eram regidas sob o comando português. De acordo com Visentini e Pereira, “com a chegada ao Brasil da primeira leva de escravos africanos em 1538, inicia-se uma longa fase de íntima ligação, baseada principalmente no tráfico, que se estende até 1850, quando inicia-se seu declínio” (VISENTINI e PEREIRA, 2010, p. 2).

A relação entre a metrópole e suas colônias era, em sua totalidade, hierarquizada. Chaves (2005) enfatiza que embora uma colonização tenha como foco a exploração econômica faz-se necessário criar um ambiente favorável à dominação. Assim, as ações da metrópole estão revestidas de dimensões simbólicas ligadas aos cultos, à ideologia e às culturas.

A relação entre as colônias portuguesas dava-se basicamente por duas práticas: o tráfico de escravos e o degredo. O tráfico de escravos movimentava-se da África para o Brasil, enquanto o degredo era direcionado tanto no sentido África-Brasil quanto no sentido Brasil-África.

Macedo (2002) observa que o sistema típico de povoamento adotado pela Coroa portuguesa foi o do degredo. Eram diversos os crimes que o tinham como forma de punição de seus autores. A título de exemplo de implantação da prática, a pesquisadora cita crimes como os de lesa-majestade, falsificação de moedas, roubo ou invasão de domicílio.

O degredo apresenta-se como prática interessante e também vantajosa para Portugal, visto que além de punir os indivíduos que ameaçavam a ordem da metrópole tinha outras funções. Macedo (2002) aponta que além de pugnar, o degredo era uma maneira de ocupar territórios conquistados e impulsionar a busca de metais preciosos. As terras apontadas como locais da prática do degredo recebiam homens provenientes da metrópole e de qualquer outro lugar que estivesse sob o domínio português. A pesquisadora afirma ainda que eram muitos os degredados brasileiros chegados a Angola.

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enquanto tal, passagem e não fixação do homem branco” (MACEDO, 2002, p.18). Logo, podemos afirmar que as colônias portuguesas em território africano tiveram uma particularidade: a desterritorialização. Muitos desses desterritorializados tinham como destino o Brasil. Na África, durante o mercantilismo, “a presença europeia se limitava na maioria das circunstâncias, à costa...” (VENÂNCIO, 2009, p.53). Conforme o pesquisador, até a Conferência de Berlim (1884-1885) não houve ocupação efetiva dos territórios, por conseguinte, às sociedades africanas estava reservada apenas “o fornecimento de mão-de-obra às zonas periféricas da economia mundo europeia, localizadas na América Central e do Sul” (VENÂNCIO, 2009, p.53).

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30 1.1.2- Relações Brasil-independente e África-colônia

O Brasil tornou-se independente na primeira metade do século XIX, porém os países de colonização portuguesa na África permaneceram colônias por mais de um século ainda. Nessa nova configuração temos um novo momento para as relações aqui em discussão, pois esse descompasso cronológico entre as independências de um – Brasil - e de outro – países africanos - não pode ser ignorado por demarcar diferentes contornos da relação Brasil-África.

Enquanto o Brasil entrava em uma fase de constituição de seu território enquanto nação, em 1822, os países africanos lusófonos continuavam sob o domínio português por mais um século e meio. Os processos de independência dos países que continuavam sob custódia portuguesa na África só iniciar-se-ia em 1973 e seria concluído em 1975. Logo, é somente após 1975 que podemos falar de uma relação que tanto o Brasil quanto os países da África portuguesa se constituíam nações destinadoras de seu próprio percurso.

Embora as relações Brasil-África tenha se dado via Portugal do século XV a meados do século XIX podemos afirmar que elas foram pulsantes e contínuas. No entanto, na primeira metade do século XX o Brasil investia na ideia de um desenvolvimento econômico que afastava a África de seu foco de interesse. Acerca das relações do Brasil com África no pós-independência brasileiro, Saraiva informa-nos que

A África curvou-se à colonização pelas metrópoles

europeias enquanto o Brasil voltava-se para os seus

projetos intestinos, incluindo a modernização conservadora

e a ideia de um desenvolvimento econômico que permitisse

superar o “problema negro” deixado pelos séculos de

escravidão (SARAIVA, 2000, p.1).

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31

2010, p.2), e nessa nossa fase o Brasil apoiava a condição da África-colônia frente aos interesses europeus.

Tais estratégias faziam parte de uma política que investia no princípio que o Brasil deveria manter boas relações com as grandes potências para sua afirmação no quadro mundial. Visentini e Pereira (2010) acrescentam que logo após a Segunda Guerra Mundial os governos brasileiros que vieram na sequência queriam o apoio da comunidade lusitana que compunha os imigrantes no Brasil; logo, em troca, o nosso país daria apoio à política colonialista portuguesa na África nos fóruns da ONU.

Entre os anos de 1950 e 1975 – ano em que os processos de emancipação dos países africanos de colonização portuguesa são concluídos – o quadro da perspectiva das políticas externas brasileiras para a África sofreu oscilações de aproximações e distanciamentos. De acordo com Saraiva, “a política exterior foi parte da formação da própria nacionalidade e do republicanismo renovado no Brasil na segunda metade do século XX” (SARAIVA, 2005, p.53). Assim, a política externa tinha suas estratégias traçadas de diferentes formas e de acordo com os interesses de cada governo na formação dessa nacionalidade brasileira.

Num primeiro momento pós Segunda Guerra Mundial, os interesses do Brasil sobre a África eram de fundo mais mercantilista. De acordo com Saraiva

A ruptura do silêncio herdado do século XIX pode ser

observado de maneira tímida no conjunto das novas

percepções dos dirigentes brasileiros, especialmente da

diplomacia profissional e dos homens de negócio, no final

dos anos 1940 e início dos anos 1950. As razões são

tributárias da competição entre produtos primários africanos

e brasileiros no mercado internacional e das relações

especiais entre Brasil e Portugal, diante da formulação da

Comunidade Luso-Brasileira das manifestações incipientes

do intrincado processo de descolonização da África

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32

Saraiva (2000) acrescenta que no governo que se estendeu de 1946 a 1951, o de Gaspar Dutra, o Brasil apoiava o processo colonial das metrópoles na África.

É no governo de Vargas – de 1951 a 1954 – que se dá algum avanço em termos de Política Externa Brasileira para a África. De acordo com Saraiva (2005), o governo de Vargas investe na industrialização como forma de colocar o Brasil em uma posição de modernidade e avanço em relação ao até então modelo vigente: o da agroexportação. O pesquisador acrescenta que Vargas criticou o posicionamento desfavorável do ambiente internacional em relação à descolonização africana.

No governo de Kubistchek houve uma nova fase de afastamento das relações Brasil-África. Uma mostra desse afastamento nos é dada por Visentini e Pereira, os pesquisadores informam que “as independências africanas que se iniciaram justamente durante o governo Kubistchek foram praticamente ignoradas” (VISENTINI e PEREIRA, 2010, p.2). Saraiva acrescenta que

A África, para Kubistchek, não tinha valor político. A

importância central era com as relações econômicas que se

desembaraçavam entre a Europa e a África, independente

da condição de superação ou não da situação colonial [...].

Para o Brasil, a formação de um mercado europeu que

implicasse a associação das economias africana e europeia,

por regras preferenciais de comércio, poderia afetar o

projeto de desenvolvimento brasileiro pelo cerceamento à

colocação do produto brasileiro na Europa (SARAIVA, 2000,

p.4).

Mais uma vez são as relações de cunho mercantilista que permeiam a ligação Brasil-África. Em contrapartida, no mesmo governo uma corrente de diplomatas que havia atuado na Era Vargas clamava por uma política africana mais efetiva, configurando o que Saraiva cita como “emergência de vozes dissonantes que se fizeram ouvir” (SARAIVA, 2000, p.4).

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33

Visenti e Pereira, “em 1961[...] o Brasil lançou uma política africana e tomou posição em favor do direito de autodeterminação dos povos coloniais, especialmente das colônias portuguesas, que iniciavam a luta armada” (VISENTINI e PEREIRA, 2010, p.2).

No governo de Jânio a estratégia discursiva de aproximação para com a África era montada a partir das relações que o Brasil manteve com o continente no período colonial. Saraiva afirma que “o presidente Quadros falava em ‘ponte’, ‘identidade cultural’ e insistiu que o Brasil era produto histórico de duas heranças, uma ocidental e outra africana” (SARAIVA, 2000, p.9). O pesquisador acrescenta que “a fórmula adotada por Quadros foi sistematicamente desenvolvida nas mensagens políticas, econômicas e culturais do Brasil no seu relacionamento com a África. Ela enfatiza ‘familiaridade’ e ‘história comum’ entre os dois lados do Atlântico” (SARAIVA, 2000, p.9).

No final de década de 1960 e início de 1970 observamos que o interesse pela África cresce gradualmente, mas ainda, como afirma Saraiva (2000), com um olhar de dimensão mais mercantilista do que política.

Até esse momento a política africana brasileira ainda não se apresentava muito bem definida e as oscilações de posicionamento brasileiro eram constantes. Embora as políticas de Vargas e de Jânio Quadros mostrem alguma preocupação no que diz respeito à política africana brasileira, parece-nos evidente que o relacionamento triangular África-Brasil-Portugal foi uma das forças motrizes dessas oscilações, pelo menos até esse momento da história em que Portugal ainda atuava como colonizador em território africano.

1.1.3- Relações Brasil-independente e África-independente

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34

Brasil em 1973 e 1979, que atuaram como impulsionador adicional para os novos percursos que tomam essas relações. Visentini e Pereira afirmam que

A crise do petróleo, em 1973, e o início do governo Geisel

(1974-1979), marcaram o aprofundamento da política

africana. Seis novas embaixadas foram abertas na África, e

o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo do

Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), de

viés marxista, em novembro de 1975 [...]. Ao mesmo tempo

em que o Brasil exportava bens de consumo, alimentos,

automóveis e a construção de infra-estruturas, importava

crescentes quantidades de petróleo (VISENTINI e

PEREIRA, 2010, p.3).

Acerca das décadas de 1970 e 1980 Saraiva acrescenta que

Aqueles foram os anos dourados da política africana no

Brasil. Ao traduzirem para a prática as formulações do início

das décadas de 1960, os animadores do relacionamento

Brasil-África das décadas de 1970 e 1980 criaram um

espaço atlântico otimista e carregado de significado. Aos

países da África Atlântica, que viviam relativa expansão

econômica advinda do boom do petróleo, convinha uma

parceria comercial e estratégica no outro lado do Atlântico

Sul com um país que oferecia tecnologia tropical adaptada

às circunstâncias africanas. Ao Brasil, convinha a parceria

comercial africana de consumo que se imaginava de alguma

relevância (SARAIVA, 2000, p.11).

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35

Assim, embora várias tenham sido as ocasiões de tentativas de aproximação brasileira com o continente africano, foi somente no governo de Figueiredo que houve a primeira visita oficial de um chefe de estado brasileiro à África. Visentini e Pereira (2010) afirmam que na ocasião o presidente passou por Nigéria, Senegal, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Argélia.

Sarney também visitou a África e “manteve um alto perfil na relação Brasil-África” (VISENTINI e PEREIRA, 2010, p.3). No entanto, no governo de Collor de Mello essa relação ganha dimensão secundária. Visentini e Pereira descrevem o período do governo como “uma nova fase de distanciamento em relação à África” (VISENTINI e PEREIRA, 2010, p.3). Saraiva acrescenta que

A política exterior engendrada por Collor de Mello e seguida

por Cardoso, apesar do interregno Itamar Franco, fez

regredir o espaço da gestão autônoma em política externa

para a diplomacia da submissão [...]. Abandonaram-se as

formas de negociação de defesa do interesse nacional em

favor de uma política de adesão automática à agenda

internacional construída de fora para dentro, arremedada

pela diplomacia e justificada ideologicamente pela abertura

econômica (SARAIVA, 2005, p.70).

Da década de 1970 ao governo de FHC é possível medir a intensidade das relações Brasil-África de acordo com o número de diplomatas brasileiros em solo africano, como segue:

ANO Nº DE DIPLOMATAS

BRASILEIROS NA ÁFRICA

1973 25

1988 34

1996 24

Figura 4 – Quadro da diplomacia brasileira até o governo FHC. Fonte: Visentini e

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36

No governo de Lula, iniciado em 2003 percebemos uma reaproximação do continente africano e um movimento de melhor delineamento da Política Externa Brasileira para a África. De acordo com Visentini e Pereira (2010) só no primeiro mandato Lula visitou a África quatro vezes e em seu governo dez novas embaixadas brasileiras foram instaladas na África. Não podemos deixar de mencionar que o contexto econômico em que Lula assume a presidência do Brasil deixado pelo governo FHC foi fator essencial para o alargamento mais satisfatório da política externa brasileira. A implementação da nova moeda – o real – e herança do governo que antecede Luiz Inácio Lula da Silva é fator decisivo para que o discurso da estabilidade econômica na pátria verde e amarela se consolide.

Almeida (2004), Rizzi et al (2011) argumentam que uma das principais características que da Política Externa do Brasil no governo Lula foi a opção de diversificar parcerias, aderindo assim a um multateralismo9. Almeida complementa que

O governo Fernando Henrique Cardoso foi caracterizado por

um multilateralismo moderado e atribuiu grande ênfase ao

direito internacional, mas também evidenciou uma aceitação

tácida do princípio dos “mais iguais”, isto é, a existência de

grandes potências e seu papel no sistema internacional. O

governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ostenta um

forte multilateralismo e defende a soberania e a igualdade

de todos os países com maior ênfase retórica do que tinha

sido o caso na anterior administração. (ALMEIDA, 2004,

p.166)

Sem dúvida, do ponto de vista da forma, a diplomacia do

governo Lula ostenta um ativismo exemplar, representado

por um intenso programa de diplomacia presidencial,

9

(37)

37

complementado por um ainda mais ativo circuito de

contatos, encontros, viagens de trabalho e conversações a

cargo do chanceler e, de maneira algo inédito para os

padrões do Itamaraty... (ALMEIDA, 2004, p.165)

Observamos, então, que o grande diferencial do governo Lula está na construção da presença brasileira nesses outros territórios estrangeiros que constituem pontos de interesse da política externa brasileira. Como veremos mais adiante, o governo de Dilma Rousseff segue a mesma estratégia. Em sua última visita à África, enquanto presidente brasileiro, Lula teve como companhia a sucessora de seu cargo, Dilma, dando, assim, marca à continuidade da forma de governar no que tange à nossa política externa nos dois governos.

Rizzi et al (2011) explicam que as crises econômicas da década de 1990 contribuíram para mudanças nas relações econômicas do Brasil e, logo, novos países passam a fazer parte de nossos interesse. Os autores afirmam que “nesse conjunto de espaços, pode-se incluir os países africanos com os quais o Brasil possui laços mais concretos, como é o caso dos Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP)...” (RIZZI et al, 2011, p.63). Acerca do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Almeida acrescenta que

O elemento da liderança proclamado pelo novo governo

também aparece como potencialmente implementável, por

exemplo, nas relações com os países africanos (em especial

lusófonos), terreno no qual o governo FHC limitava-se a

proclamar uma bem intencionada política de cooperação

(não imediatamente seguida de ações) (ALMEIDA, 2004, p.

173).

A atuação mais do governo Lula na política brasileira para África também se mostra visível no aumento das embaixadas brasileiras instaladas no continente no mandato do presidente. Rizzi et al afirmam que

Durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso

(1995-2002), fecharam-se seis embaixadas brasileiras no

continente, em países cujas relações com o Brasil eram

(38)

38

tal estrutura – reduzindo o número para vinte e uma

embaixadas brasileiras na África, no ano de 2002. Por outro

lado, durante o governo Lula da Silva foram reabertas as

embaixadas fechadas durante o governo Fernando

Henrique, e abriram-se nove adicionais...(RIZZI ET AL,

2011, p.67)

Figura 5 – Quadro das embaixadas brasileiras em território africano no governo Lula. Fonte:

http://thomasconti.blog.br/2013/brasil-perdoa-divida-externa-da-africa-entendendo-o-problema/. Acesso em 03 de abril de 2013.

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39

internacional da FIOCRUZ foi inaugurado também em 2008, está instalado em Maputo, Moçambique, e “coordena as atividades de cooperação em saúde e saneamento operadas, sobretudo, com os PALOP” (RIZZI ET AL , 2011, p.66). Há ainda de se mencionar os acordos de cooperação nas áreas da cultura e da educação. Evidencia-se a atenção especial do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para com os países africanos lusófonos.

O Brasil também aprofundou a cooperação cultural e

educacional, principalmente no âmbito da Comunidade de

Países de Língua Portuguesa (CPLP), cujo auxílio facilitou o

intercâmbio de professores e forneceu apoio para a

consolidação de instituições de ensino médio e superior dos

PALOP, além de facilitar o intercâmbio de estudantes entre

os países membros [...]. Outra forma de cooperação cultural

praticada pelos Ministérios de Educação, Cultura e de

Relações Exteriores, deu-se através da coordenação e de

subsídios para uma rede de Leitorados em universidades no

exterior, Centros nos quais se concentram especialistas em

língua portuguesa e literatura e cultura brasileira, como

relata o Ministério das Relações Exteriores. (RIZZI ET AL,

2011, p.66)

O governo petista ampliou as relações já existentes e destacou-se por promover uma política externa multilateral e mais ativista, que se faz presente pela sua pulsante diplomacia presidencial e que provavelmente é a grande marca diferencial em relação ao governo antecessor. Assim, Lula consolidou presença brasileira nesses espaços. As visitas oficiais são uma das formas de se mostrar presente nesses espaços. Essa diplomacia presidencial é continuada no governo de Dilma Rousseff, que já no seu primeiro ano de governo visita a África.

1.2- A CPLP: a representatividade da Comunidade nas

relações Brasil-África

(40)

40

Portuguesa. Discutir a aliança sem antes elencar alguns pontos que se apresentam como paradoxais a essa formação nos parece inviável, pois não é possível esquecer que a mesma língua que une os países da aliança fora um dia a língua imposta pelo colonizador a sete dos oito países que compõem a parceria e que outrora eram colônias do oitavo país da aliança: Portugal.

Figura 6 - Mapa dos países que têm a Língua Portuguesa como língua oficial e que compõem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Disponível em :http://portalmultirio.rio.rj.gov.br/acordoortografico/u1a1.shtml. Acesso em 12 de maio

de 2013.

Nesta etapa da pesquisa discutiremos acerca dos paradoxos que envolvem a língua portuguesa na formação da aliança e, posteriormente, seguiremos com a formação da comunidade e seus pontos de intersecção nos contextos da relação Brasil-África.

1.2.1- Língua Portuguesa: afastamentos e aproximações

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41

indiscutível que a colonização portuguesa rompeu culturas autóctones para impor sua própria cultura. Chaves (2005) explica que uma das máximas da empresa colonial portuguesa está pautada no princípio da unidade. Tal unidade é expressa em um só deus, uma só lei, uma só língua.

Seja a dominação pela religião, pelas leis ou pela língua, ela está revestida de ações que promovem o domínio do colonizado. Logo, romper com esse domínio implica em que esses territórios colonizados reencontrem suas raízes. Assim, a independência política das ex-colônias e a consequente retomada de territórios não se constituem elementos suficientes para a autoafirmação desses territórios enquanto nações, para tal é preciso apropriar-se de algo que lhes é culturalmente singular.

Para essa formação de identidade que define o “eu” do sujeito recorremos ao que Landowski chama de existência semiótica. O semioticista explica o sujeito em busca da sua constituição identitária como segue

(...) condenado, aparentemente, a só poder constituir-se

pela diferença, o sujeito tem necessidade de um ele – dos

“outros” (eles) – para chegar à existência semiótica, e isso

por duas razões. Com efeito, o que dá forma à minha

própria identidade não é só a maneira pela qual,

reflexivamente, eu me defino (ou tento me definir) em

relação à imagem que outrem me envia de mim mesmo; é

também a maneira pela qual, transitivamente, objetivo a

alteridade do outro atribuindo um conteúdo específico à

diferença que me separa dele. Assim, quer a encaremos no

plano da vivência individual ou [...] da consciência coletiva, a

emergência do sentimento de “identidade” parece passar

necessariamente pela intermediação de uma “alteridade” a

ser construída (LANDOWSKI, 2002, p.4).

(42)

42

...esse processo de submissão demanda ações que

conduzam a uma total desvalorização do patrimônio cultural

do dominado. No limite, ele deve ser desligado de seu

passado, o que significa dizer exilado de sua própria história

[...]. A artificialidade se impõe, desfigurando o sujeito que

tem cortada a ligação com seu universo cultural sem

chances de jamais chegar a ter acesso efetivo ao universo

de seu opressor (CHAVES, 2005, p.45).

Scarpeli (2003) pontua que os processos de aculturação se caracterizam pelas relações hierarquizantes, nos quais uma cultura se sobrepõe à outra. É um processo em que há perda cultural e linguística da cultura que é considerada de menos prestígio, ou seja, da cultura dominada. A interação dessas culturas se dá de forma conflituosa, pois não é permitida a preservação das diferenças.

As informações de Scarpeli e Chaves nos mostram que nesses processos não há uma relação harmoniosa e sim a imposição da cultura de uma das partes sobre a outra. Logo, podemos deduzir que a imposição cultural da metrópole sobre suas colônias cria uma ruptura de identidade destas. Quando os países colonizados se veem libertos, há, evidentemente, uma tentativa de se recuperar o que lhes faz singular, o que lhes foi retirado, interrompido. No entanto, não há mais como ignorar o que foi imposto pelo dominador.

De acordo com Venâncio (2009) é inevitável que a integração gerada pelo colonialismo não provoque perda de identidade dos colonos, promovendo mecanismos de defesa. Em meio a esses conflitos, os processos de aculturação são inevitáveis, pois mesmo querendo negar o colonizador, o colono já absorveu muito de sua cultura.

(43)

43

O ocidente, na sua ânsia expansionista exigida pelo seu

modelo civilizatório, reduziu povos de grandes civilizações à

condição de fornecedores de mão-de-obra escrava, por

outro lado, permitiu que culturas se conhecessem, se

desafiassem, se confrontassem, se interpenetrassem. É o

caminho sem volta da mestiçagem, do hibridismo cultural...

(DAMATO, 2003, p.31).

Enquanto recurso de imposição cultural a língua portuguesa ocupou papel crucial. No entanto, há também de se considerar que quando ela chegou às terras colonizadas miscigenou-se com os dialetos locais. Para que se tenha uma ideia, Santili informa que “até hoje foram catalogadas 170 línguas faladas por índios brasileiros” (SANTILLI, 2003, p.23). Essa observação nos leva a concluir que não podemos ignorar que, dentro do que é geral – a língua portuguesa – existe o que é específico – as línguas locais. Petter afirma que

As línguas refletem nos seus léxicos o espaço onde são,

faladas e o momento histórico em que são utilizadas como

meio de comunicação e expressão. Mudanças sociais são

sempre designadas por um conjunto de termos novos, que

podem ser inéditos enquanto expressão linguística ou

podem ser resultantes de um emprego especializado de

uma forma já existente da língua. O fato colonial, de que

foram protagonistas os portugueses nos continentes

africano e americano, foi acompanhado de transferência da

língua portuguesa e do contato desta com outras línguas,

culturas e sociedades. (PETTER, 2008, p.61).

Se a relação conflituosa entre as colônias e a metrópole se impõe durante o processo colonial é importante informar, que ela perdura nos processos de emancipação dos territórios subjugados. Fontoura informa que

Conhece-se a forma como se liquidou a presença de

Portugal nas suas colónias. Ao contrário do que fora

acontecendo na generalidade das situações coloniais, salvo

excepções, saldadas, aliás, também, em deploráveis

Imagem

Figura 4 – Quadro da diplomacia brasileira até o governo FHC. Fonte: Visentini e  Pereira (2010); elaboração própria
Figura 5 – Quadro das embaixadas brasileiras em território africano no governo Lula.
Figura 6 - Mapa dos países que têm a Língua Portuguesa como língua oficial e que  compõem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)
Figura 7 – Quadro englobado vs englobante
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