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Neste capítulo damos início a uma análise semiótica do corpus em recorte. Em continuidade à régua cronológica da política do Brasil para a África, queremos observar como essa política se dá no governo atual que tem como líder a presidenta Dilma Rousseff. A perspectiva agora é investigar como a TVNBR, por meio do programa Atividades da Presidenta, constrói a política externa brasileira para África no presente governo. Assim, por meio de nossos estudos, objetivamos depreender quais são os simulacros de Brasil presentificados nesses textos. Antes da análise do corpus, introduzimos o capítulo com uma breve discussão acerca do gênero dos textos em estudo e mostramos como o programa Atividades da Presidenta está disposto na programação.

O presente corpus é composto por quatro audiovisuais que fizeram a cobertura da viagem de Dilma Rousseff por Angola e Moçambique em sua visita à África em outubro de 2011. Os vídeos fazem parte da cobertura da primeira visita de Dilma ao continente enquanto chefe de estado brasileiro. A visita compreendeu o período de 18 a 20 de outubro de 2011 e a presidenta passou pela África do Sul, por Moçambique e por Angola, nesta ordem. Como nosso interesse de pesquisa centra-se nas relações do Brasil com a África lusófona, por razões já expostas no início deste trabalho, são as visitas de Dilma a Moçambique e Angola que nos interessam. Tais coberturas foram ao ar, respectivamente, nos dias 19 e 20 de outubro de 2011.

Para fundamentar a análise nossa pesquisa pautou-se no referencial teórico da Semiótica Discursiva. Temos, portanto, as contribuições de Algirdas Julien Greimas e seu colaborador Eric Landowski e seguidores como Ana Cláudia de Oliveira e Lúcia Teixeira. Além deles, contamos com o embasamento teórico acerca da análise de gêneros televisuais de Yvana Fechine e Arlindo Machado.

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2.1- Entre estudo de gênero e de discurso

Uma das primeiras dúvidas que nos surgiu ao iniciar o nosso processo de observação foi a respeito da classificação do corpus em análise em relação ao gênero. Afinal, em teses e dissertações, ao se fazer o recorte do corpus, o pesquisador automaticamente cita o gênero dos textos do estudo (anúncio publicitário, telejornal, novela, reportagem etc.). Como classificar quanto ao gênero esses textos audiovisuais que compõem o corpus de nossa investigação? Seria imprescindível saber se os vídeos pertencem ao gênero x ou y entre os gêneros televisuais para que a pesquisa fluísse de modo satisfatório? Rotular ou classificar esses enunciados em reportagens, notícias, telejornais ou qualquer outro gênero contribuiria em que para entender os seus processos de comunicação e significação?

Como primeiro procedimento de pesquisa começamos buscando como a própria emissora classifica esse tipo de cobertura e o gerente de produção da Diretoria de Captação e Serviços nos respondeu que os vídeos são chamados de flashes, pois não fazem parte da programação regular da emissora e vão ao ar somente para algumas coberturas especiais que envolvem a agenda da presidenta. No entanto, as nossas reflexões e leituras nos levaram a concluir que usar dessas nomenclaturas, quase sempre “engessadas” adotadas pela televisão para encaixar em blocos classificatórios os programas que veicula seria um princípio de análise incoerente para uma pesquisa que busca no próprio texto os componentes que articulados movimentam um todo de significação. Logo, não poderíamos buscar fora de nossos enunciados um rótulo pronto para eles e embasar nossas análises a partir de concepções que nos levariam a tratar a questão de gênero de forma equivocada e, consequentemente, a tratar os nossos enunciados de forma extremamente superficial.

Em consulta ao dicionário Houaiss a palavra flash (de origem inglesa) para cinema e televisão (CINE/TV), meios de comunicação (M. COM) e jornalismo (JOR) traz os significados elencados abaixo:

61 1- CINE/TV cena extremamente rápida

2- M.COM mensagem importante transmitida com brevidade, em caráter de urgência

3- JOR nota breve sobre algum acontecimento (HOUAISS, p.904)

Dentre os significados elencados parece evidente que a escolha do nome flash tem relação direta com o tempo (1-rápida, 2-brevidade, 3-breve). A partir das definições postas acima para embasar nossas análises, classificaríamos os nossos vídeos como sendo cenas, mensagens ou notas? Poderíamos pensar em notícias, pois são as notícias da viagem de Dilma Rousseff à África que os vídeos trazem. No entanto, a notícia não seria um englobado dentro de um outro englobante, no caso, o telejornal, por exemplo? Percebemos, portanto, a dificuldade de construir uma análise sólida a partir de uma classificação prévia dos enunciados em questão.

É no próprio texto, portanto, que buscamos elementos para identificar as várias estratégias de construção que se articulam e, que resultam em um enunciado sincrético e complexo dos audiovisuais aqui em discussão. Para tal, teremos como suporte teórico as contribuições de Yvana Fechine e Arlindo Machado, ambas contribuições para o alargamento das reflexões fundadas por Mikhail Bakhtin. Fechine nos coloca que

Mais do que “rótulos”, através dos quais se busca direcionar o “consumo” da vasta produção televisual, é preciso entender os gêneros como matrizes, de natureza tanto semiótica quanto sociocultural, que permitem a organização da própria linguagem da televisão. (FECHINE, 2001, p.14)

Arlindo acrescenta:

De todas as teorias do gênero em circulação, a de Mikhail Bakthin nos parece a mais aberta e mais adequada às obras de nosso tempo [...]. Para o pensador russo, gênero é uma força aglutinadora e estabilizadora dentro de uma determinada linguagem, um certo modo de organizar ideias, meios e recursos expressivos, suficientemente estratificados numa cultura, de modo a garantir a comunicabilidade dos

62 produtos e a continuidade dessa forma junto às comunidades futuras. Num certo sentido, é o gênero que orienta todo uso da linguagem no âmbito de um determinado meio, pois é nele que se manifestam as tendências expressivas mais estáveis e mais organizadas da evolução de um meio, acumuladas ao longo de várias gerações de enunciadores. Mas não se deve extrair daí a conclusão de que o gênero é necessariamente conservador. (MACHADO, 1999, p.143)

A partir das duas definições que nos são dadas por Fechine e Machado fica evidente que a classificação dos vídeos que nos são dados pela emissora (flashes), pouco ou nenhuma serventia tem para que se levantem os recursos discursivos dos audiovisuais que pretendemos analisar. Muito provavelmente a comunicabilidade entre o enunciatário e o enunciador é estabelecida porque o enunciatário depara-se com uma estrutura que é de seu conhecimento, ou seja, os recursos discursivos presentes nos audiovisuais em análise são de conhecimento desse enunciatário e não necessariamente porque ele sabe o que é o gênero flash.

Diferente dos programas que fazem parte da programação diária da emissora, os nomeados flashes vão ao ar apenas nas coberturas das viagens oficiais dos Chefes de Estado e, embora seja evidente sua semelhança com o telejornal, esses vídeos têm apenas uma temática como foco central de sua produção: a visita oficial; o que difere nossos vídeos de um telejornal. Pois, mesmo sendo evidente a isotopia entre os diferentes temas que compõem um telejornal diário, sabemos que dificilmente são compostos por um único e exclusivo tema – salvo os programas que se assemelham a documentários. Mais uma vez, comprovamos que analisar a partir de uma nomenclatura preconcebida torna-se insuficiente para nossa proposta.

Os vídeos são postos como programas que fazem parte da programação. São, portanto, unidades da programação e não unidades (blocos) de um outro programa. Apresentam autonomia dentro da programação e isso nos permite afirmar que se fazem totalidade de significação em si mesmos.

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Uma análise que se pautasse apenas na descrição do gênero nos conduziria por dois caminhos – um ou outro – que não nos levaria ao destino que queremos chegar: para classificar os vídeos como notícia teríamos que isolá-los como unidade de um gênero maior (do telejornal, por exemplo). Seria, então a notícia uma unidade englobada de um programa x englobante. Classificar os vídeos como telejornais nos levariam colocá-los em uma posição de englobantes de notícias englobadas.

Figura 7 – Quadro englobado vs englobante

É possível afirmar que iniciar uma observação já a partir de uma pré- classificação dos audiovisuais comprometeria a análise, pois, de forma análoga, analisar uma página do jornal não é o mesmo que analisar uma notícia dentro dela. Mesmo sabendo que quando isolada para efeitos de análise a notícia faz-se em si mesmo uma totalidade de sentido, sabemos que os recursos discursivos de um telejornal e de uma notícia possuem suas distinções.

Com base nessas reflexões optamos por um modelo de análise que se paute a partir da organização dos audiovisuais. Fechine propõe

64 Analisarmos os mais diversos programas de televisão, tentando não mais enquadrá-los no que se pode considerar como ‘gêneros institucionalizados’ pelos grandes conglomerados da comunicação, mas tentando observar como estes se organizam a partir de determinados formatos... (FECHINE, 2001, p.19)

Pautados na noção de formato colocada por Fechine – a qual traz doze formatos televisivos para efeito de análise – elencamos como formatos fundantes dos audiovisuais em análise dois mais predominantes: um formato fundado no jornalismo e um formato fundado na transmissão direta. Fechine define os dois formatos como:

Formato fundado no jornalismo: é aquele que é voltado para a

divulgação, discussão e repercussão de atualidades, tendo como referência os modelos narrativos informativos do jornalismo nas mídias que antecederam a própria TV.

Formato fundado na transmissão direta: é aquele cujo sentido

está intrinsicamente associado à simultaneidade entre a realização do acontecimento e sua transmissão pela TV. Nessa simultaneidade, está o próprio apelo estético do programa e/ou quadro. O acontecimento, fato transmitido determina toda a função comunicativa desse tipo de transmissão televisiva, cujo papel atrativo é justamente a imprevisibilidade, a espera pelo inesperado, proporcionados pela simultaneidade entre produção, transmissão e recepção do fato através da TV. (FECHINE, 2001, p.21)

Assistindo aos vídeos não é difícil observar a incidência desses dois formatos como predominantes em suas construções. É importante enfatizar que embora os vídeos sejam pautados no formato fundado na transmissão direta, não estamos afirmando que realmente há simultaneidade entre sua produção, transmissão e recepção. Trabalharemos então com os recursos discursivos que promovem o efeito de transmissão direta – ou seja, o efeito de verdade de transmissão direta -, mas para essa discussão abriremos um espaço mais adiante.

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Para a retomada da discussão que deu início a este capítulo, o gênero, Fechine (2001) afirma que muitas vezes os gêneros são tratados por uma abordagem que se limita a colocá-los como categorias classificatórias a partir de um determinado conteúdo. Logo, o que pretendemos é mostrar um estudo de análise dos audiovisuais que compõem o corpus deste trabalho procurando os recursos discursivos que esses formatos se apropriam para a construção dos efeitos de sentido que delineiam os simulacros de Brasil a que pretendemos chegar.

Dada a discussão aqui posta, optamos por não nomear os textos em estudo quanto ao gênero a que pertencem e nos limitaremos a chamá-los de audiovisuais. Atentar para as diferentes linguagens que formam os enunciados e como as articulações de diferentes recursos discursivos desencadeiam determinados efeitos de sentido nos parecem os princípios mais seguros para pautar o estudo que propomos.