3 O TERCEIRO SETOR
3.1 O QUE É TERCEIRO SETOR?
3.1.2 Antecedentes e situação atual do terceiro setor no Brasil
No Brasil e no mundo, os antecedentes do terceiro setor estão intimamente ligados à religião. Seguidores do catolicismo, protestantismo42 ou budismo, por
exemplo, sempre estiveram ligados a atividades filantrópicas:
“Através dos séculos, o dever do católico caridoso e cumpridor de suas obrigações sempre foi o de ajudar a Igreja e suas obras assistenciais; ela centralizava as funções de socorro social, cuidando dos pobres e dos incapacitados. Essa é a tradição que nós herdamos – ajudar a Igreja e dar esmolas aos pobres” (Paes, 2000:59).
“Desde os primórdios da colonização43, a construção da Igreja Protestante era
sempre uma das primeiras preocupações dos colonos. E, depois de construída, ela funcionava como escola para as crianças, centro comunitário e instância de resolução de conflitos. Ao forte sentido de iniciativa individual das pessoas, aliava- se uma grande capacidade de associação das mesmas para a consecução de objetivos comuns e de auto-ajuda” (Paes, 2000:60).
“Esse tipo de atividade estava presente na China na Antigüidade e foi fortalecida e institucionalizada sob o Budismo desde o século VIII. No Japão, a atividade filantrópica remonta ao período Budista e a primeira fundação japonesa moderna, a
41 Texto elaborado principalmente a partir das informações de Fischer (1999)
42 Paes informa que são nos países de formação protestante que o terceiro setor tem sua atuação mais
presente na sociedade, fato este comprovado pela existência de complexos e sofisticados sistemas legais que o regem.
Sociedade da Gratidão, foi estabelecida em 1829, cerca de um século antes da primeira fundação norte-americana” (Salamon, 1998a:10).
No Brasil, destacam-se como iniciativas humanitárias da Igreja Católica as escolas e os hospitais mantidos por fraternidades ou irmandades. O melhor exemplo é o das Santas Casas de Misericórdia, que ainda existem em todo o País.
Com o fim do século XIX e a partir da urbanização e industrialização do País, as associações seculares voluntárias, como entidades de benefício mútuo e sindicatos trazidas por imigrantes europeus, começam a surgir. Com elas, começam a ser difundidos conceitos como solidariedade, ajuda social e a formação de uma consciência política.
Nos anos trinta, o Estado brasileiro passa a interferir radicalmente no processo de criação e organização de entidades da espécie. Várias associações foram proibidas de funcionar, sendo substituídas por sindicatos e organizações de classe. Fischer denomina essas organizações, criadas entre os anos 30 e 40 de “quase-governo”, pelo modo como eram fortemente controladas pelo Governo, pela compulsoriedade de associação, por terem recursos públicos assegurados para a sua manutenção e pelas suas características monopolistas.
Ainda nos anos 30, Leilah Landim (apud Mendes, 1999) ressalta a presença de entidades fundadas por imigrantes ou estrangeiros, como escolas ou hospitais.
Da metade da década de 50 até o início da ditadura militar em 64, segundo Mendes (1999:76), começaram a surgir projetos de associativismo autônomos e politizados, liderados por uma “classe média intelectualizada e militante”.
Nos anos 70, começa a proliferar um novo tipo de organização: as Organizações Não Governamentais – ONG, preocupadas com a proteção aos direitos civis, a democracia, a proteção aos excluídos entre outras. Fischer (1998) e Paes (2000), atribuem essa evolução na atuação do terceiro setor a uma resposta da sociedade aos arbítrios da ditadura militar (1964-1985).
Para Fischer & Falconer (1998:14), estes movimentos sociais atuantes na resistência ao governo totalitário podem ser considerados como a “marca de
nascimento” do terceiro setor no Brasil. O setor começa a se delinear e a se fortalecer, portanto, com um perfil político distinto daquelas iniciativas filantrópicas anteriormente descritas.
Mais recentemente, pode-se observar o grande crescimento do número de organizações relacionadas ao terceiro setor, devido, principalmente, ao fato de que o Estado não tem tido a capacidade de atender às demandas de serviços sociais, além da sua incapacidade na resolução de questões ligadas à geração de empregos.
É o que atestam os números apresentados por Voigt44:
“entre 1991 e 1995, o número de pessoas envolvidas nessas atividades, bancadas com recursos privados, mas orientadas para fins públicos não lucrativos, aumentou 45%, alcançando mais de 650 mil trabalhadores – e hoje já passa de 1 milhão”45.
Em 1998, Landim fez um levantamento (tabela 1) sobre a distribuição das entidades de interesse social por categoria legal e por propósitos. Naquele ano havia foi estimada em 219.559 as entidades de interesse social instaladas no País. Dessas, 11.076 eram fundações, ou seja, 5,09 % das organizações do terceiro setor.
Com tamanho crescimento e disseminação pelo País surge, naturalmente, a necessidade de comunicação, de intercâmbio de informações e de articulação das ações entre as organizações do gênero. O pesquisador Domingos Armani (2001) aponta que tanto no exterior quanto no País começam a emergir “novos espaços e redes internacionais de articulação e ação conjunta”.
É o caso da ABONG – Associação Brasileira de ONGs, que reúne mais de 200 ONGs no País como associadas. Em nível internacional o autor cita a ALOP – Associação Latino-Americana de Organização e Promoção, que busca articular as ações das ONGs sediadas na América Latina e Caribe e a CIVICUS – Aliança Mundial para a Participação dos Cidadãos, que promove a cidadania ativa e da sociedade civil em escala mundial. Cabe menção, agora em nível internacional, a ITSR – Sociedade Internacional de Pesquisadores do Terceiro Setor, fundada em 1992 e sediada na Johns
44 Léo Voigt, professor da USP, durante simpósio realizado durante a 51ª Reunião Anual da SBPC, em 1999
Hopkins University, que promove o ensino e a pesquisa envolvendo os temas sociedade civil, filantropia e setor sem fins lucrativos em nível mundial.
Tabela 1 - Distribuição das entidades de interesse social por categoria legal e propósitos
Número % do total
FUNDAÇÕES 11,076 5.0%
Beneficente, Religioso, Bem-Estar Social 5,492 2.5%
Cultura, ciência, educação 3,964 1.8%
Outras 1,620 0.7%