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3 O TERCEIRO SETOR

O RGANIZAÇÕES R ELIGIOSAS 29,473 13.4%

3.5 OS DESAFIOS DO TERCEIRO S ETOR

O resultante aumento de interesse em organizações sem fins lucrativos abriu os portões para vastos reservatórios de talento e energia humanos, ao mesmo tempo em que criou perigos de impasse e disputa. Lester Salamon (1998a: 11)

Apesar da dimensão que o terceiro setor vem tomando e o interesse que desperta tanto em nível governamental quanto empresarial, o terceiro setor ainda tem uma série de desafios a suplantar, visando sua evolução. Seja pela complexidade de seu objeto de atuação, pela sua abrangência de escopo, pela sua indefinição conceitual e jurídica e pela carência de uma identidade institucional, que acaba por elencar sob uma mesma denominação movimentos voluntários de base até fundações criadas por empresas, bem como pela falta de referenciais de gestão coerentes com sua finalidade emancipatória.

Salamon (1998a:9) já apresentou algumas reflexões sobre essas dificuldades. O autor comenta, por exemplo, que conforme as organizações do terceiro setor crescem em complexidade e escala, será inevitável o surgimento de problemas, clássicos de organizações burocráticas, como “falta de sensibilidade, morosidade e rotinização”.

Outro grave problema apontado por Salamon é a utilização de organizações da espécie como moeda de troca, “utilizadas como veículos para estender a influência de líderes políticos nacionais” (1998:10), ou mesmo, como instrumento de legitimação e perpetuação de um sistema social e econômico injusto, ao atuar somente com práticas compensatórias.

A sinergia das ações é outro desafio que se destaca. Com o crescimento da quantidade e da diversidade de organizações ligadas ao terceiro setor naturalmente surgem situações de redundâncias de esforços enquanto áreas potenciais de ação do setor são ignoradas ou necessitam de uma conjugação maior de forças, ensejando uma atuação articulada daquelas organizações, sem, no entanto, perderem suas características de flexibilidade e autonomia. Apesar dos já citados exemplos de estruturas voltadas para a articulação e intercâmbio de informações entre essas organizações, como a ISTR, CIVICUS, ALOP, ABONG, ETHOS e GIFE, por exemplo, a articulação das

organizações e iniciativas relacionadas ao terceiro setor tanto no País quanto no exterior ainda é incipiente.

Outro assunto delicado para o terceiro setor é o das parcerias a serem estabelecidas com o Governo ou o Mercado. Serva (1997c) aponta que as parcerias entre o Estado e as organizações do terceiro setor não são assunto trivial, tendo em vista as distintas racionalidades empregadas (nos aparelhos de Estado predominam a racionalidade instrumental/estratégica, burocratizante, enquanto que nas organizações do terceiro setor, tenderia a predominar a racionalidade substantiva/comunicativa), a forma como o Estado costuma entender o significado de desenvolvimento e enxergar as formas de representação política (o autor esclarece que o Estado vê o desenvolvimento como um fim em si mesmo, desligado do social, da ética e do sujeito e tem dificuldades para se colocar em posição de “escuta e de diálogo com a sociedade”) e os mecanismos de gestão empregados (para o autor, enquanto no Estado se baseiam no utilitarismo, ou seja, na racionalização de recursos e na busca de resultados a qualquer preço, nas organizações do terceiro setor predomina a racionalidade calcada em valores).

Tenório (2000b:46), por sua vez, ao avaliar o risco das parcerias entre Estado e sociedade civil serem configuradas predominantemente por manipulações e imposições, recomenda:

“[...] nos processos de interação Estado-sociedade civil ou entre organizações do terceiro setor, devemos trabalhar com a hipótese de que essas organizações devem atuar sob a esfera pública, onde democracia e solidariedade, portanto cidadania, são as substâncias necessárias para implementar relações sociais compartilhadas”.

Com relação às parcerias com o mercado, de particular interesse neste estudo, torna-se crítica a possibilidade da infiltração de uma racionalidade própria daquele setor dentro das organizações originalmente relacionadas com a emancipação humana. É o que já alertava Guerreiro Ramos (1989) a respeito do avanço indiscriminado da razão instrumental sobre todas as dimensões da vida humana associada.

“Isolada dos negócios, a filantropia desliza para a condição de ‘caridade’, valor de grande relevância pessoal, mas que não modifica as relações de trabalho e de produção. É aí que está, portanto, o ‘x’ da questão. Em que medida a emergência do tema sinaliza a adoção pelos empresários da pergunta sobre a responsabilidade social da empresa? [...] Em suma, como se relacionam ‘filantropia’ e ‘cidadania’ nestas novas iniciativas?” (Fernandes, 1994:101).

O autor reconhece que não se pode pretender que as empresas hajam com a mesma lógica de uma ONG ou de um partido político, por exemplo. No entanto, a atuação no social requer a adoção de um novo ponto de vista:

“A empresa competente há de sobreviver e crescer no mercado, fazendo uso inteligente do lucro. Mas o ‘uso inteligente’ não se esgota em cálculos financeiros. Enfrenta, por necessidade, dilemas institucionais vinculados a diversas ordens de problemas, para os quais há sempre mais do que uma resposta possível” (Fernandes, 1994:102).

Tenório (1999b) dedicou artigo específico para tratar dos perigos associados a uma possível mercantilização do terceiro setor. Nele, o autor cita uma série de títulos e parágrafos retirados de diversos periódicos que abordam o terceiro setor utilizando-se de jargão mercadológico, próprio da iniciativa privada, sugerindo potencial risco de desvirtuamento da sua finalidade voltada para o bem comum.

O autor também alerta a respeito da cautela com que deve ser analisado o envolvimento da iniciativa privada em ações sociais:

“quem pode garantir que em época de crise econômica este setor manteria investimentos corporativos na área social? Um projeto social seria mantido? Qual o real grau de comprometimento que este setor manteria com agentes sociais do terceiro setor? (Tenório, 1999b:94).

Este ponto também foi abordado mais recentemente por Michael Skapinker (2001), do Financial Times:

“Será que a área de responsabilidade empresarial social está fadada a se tornar um nicho de improvável crescimento numa economia mundial abalada por um desaquecimento nas vendas de telefones móveis e na freqüência de fusões e aquisições? [...] Ativistas com anos de experiência na área admitem que não têm essa resposta, mas desconfiam que estão perto de descobrir quão genuíno é o comprometimento declarado das companhias para com a responsabilidade corporativa social”.

Skapinker (2001), inclusive, apresenta dados que demonstram que está havendo uma desaceleração no crescimento das doações da fundações empresariais nos últimos 3 anos75.

No simpósio sobre o terceiro setor realizado durante a 51ª Reunião Anual da SBPC/99, o professor José Vicente Tavares dos Santos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRS, apresentou um alerta76:

“a expansão do Terceiro Setor provoca, ao mesmo tempo, uma questão essencial para o futuro das organizações envolvidas. Em sua opinião, as ONGs estão diante de uma ‘crise de legitimidade política’, em razão da ‘burocratização’ crescente de suas estruturas. Essa condição pode levar a um ‘conservantismo’ [...] o risco, nesse caso, é o comprometimento de suas funções emancipatórias e transformadoras originais”.

75 Em 1998, o crescimento foi de 18,5 %, em 1999 foi de 15% e em 2000, de 9%.

76 Fonte: O crescimento do terceiro setor. O Estado de São Paulo. 15 jul. 1999. Disponível em