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4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.1 O MÉTODO DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

Segundo Easterby-Smith et al (1999), a observação participante originou-se de estudos etnográficos que objetivavam compreender a cultura de aldeias tribais situadas em locais remotos. Como é possível conceber as organizações como “tribos”, com suas práticas e culturas peculiares, a migração desta técnica para a pesquisa organizacional foi realizada com naturalidade.

Os autores apresentam uma classificação dos papéis em que o observador participante pode assumir quando realizar o trabalho de campo:

- pesquisador como funcionário: quando o pesquisador, de forma incógnita, realiza uma imersão na organização, participando do cotidiano desta como um de seus membros, de forma direta e pessoal. Apesar de ser adequada quando se necessita experimentar diretamente a situação de trabalho em uma organização, vivenciando-a como ela realmente é, sem ter a necessidade de isolar possíveis interferências no comportamento dos seus membros em decorrência da realização da pesquisa, este tipo de abordagem traz questionamentos éticos, justamente pela fato de o papel do pesquisador não ser explícito;

- pesquisador com papel explícito: semelhante ao caso anterior só que a entrada do pesquisador na organização é explicitada para todos os envolvidos na pesquisa. Para os autores, a escolha por este tipo de papel alia as vantagens do caso anterior78 sem o questionamento ético advindo

do uso de um disfarce;

- envolvimento interrompido: neste caso, explicam os autores, o observador não desenvolve um trabalho longitudinal contínuo como os anteriores, restringindo o envolvimento em uma situação real de trabalho. Ele está presente na organização apenas esporadicamente e, para que tenha um razoável conhecimento desta, deverá combinar esta técnica com entrevistas, por exemplo; e

- observação sozinha: é o caso da observação pura e simples, onde é evitada a interação entre pesquisador e os membros da organização, enquanto objeto de pesquisa. Este tipo de papel costuma ser associado a pesquisas nas áreas de serviços gerenciais que necessitam de relatos “objetivos” sobre o conteúdo de trabalho.

A escolha da abordagem de estilo etnográfico se justifica nesta pesquisa na medida em que se deseja pesquisar como a racionalidade substantiva/comunicativa e/ou instrumental/estratégica ocorrem na prática administrativa da Fundação “A” e de verificar qual dessas racionalidades é predominante. Basear as análises deste estudo exclusivamente em dados coletados de documentos ou mesmo utilizar-se exclusivamente de entrevistas ou da aplicação de questionários poderia resultar em conclusões equivocadas, pois nem sempre o conteúdo de discursos ou de documentos representam o que é vivenciado na organização. É o que frisa Serva (1996):

“A observação participante [...] mostra a sua força. Como bem sabem os antropólogos, não há nada que possa substituir a efetiva participação no cotidiano de um grupo se se quer profundamente conhecê-lo; aliás, não seria esta uma das

78 Easterby et al (1999) esclarecem que o temor natural à pesquisa por parte dos membros da

organização, e que poderia dificultar a obtenção de informações, é atenuado com o esclarecimento a respeito da importância do estudo e, se for o caso, o fornecimento de garantias. Dessa forma é possível passar de uma posição de estranho para a de alguém em que se possa confiar.

questões mais simples e límpidas de qualquer relacionamento humano? Talvez também por isso Habermas afirma que a participação efetiva nas interações é fundamental para se compreender um processo de entendimento. Em termos de trabalho científico e, especificamente, em se tratando do nosso campo — a teoria das organizações — esse é um aprendizado empírico que levaremos para o resto de nossa vida profissional. A observação participante nos permitiu adentrar na realidade cotidiana do grupo, viver as situações decorridas na passagem do tempo, perceber como se produz o inter-relacionamento naquela organização” (Serva, 1996:596).

As vantagens e desvantagens da adoção da observação participante são apontadas por Antônio Carlos Gil (1987). No que diz respeito às vantagens, o autor destaca a facilidade de acesso a dados sobre situações habituais em que os membros das comunidades se encontram envolvidos; o acesso a dados que a comunidade ou grupo considera de domínio privado; e o fato de se poder captar as palavras de esclarecimento que acompanham o comportamento dos observados. Quanto às desvantagens, o autor ressalta que a observação participante, pela ênfase que é dada ao envolvimento do pesquisador, acaba por restringir sua observação a apenas um extrato da população pesquisada.

Howard Becker (1994:47-64) destaca que uma das dificuldades na observação participante reside em analisar os dados sistematicamente e apresentar conclusões79 que

sejam convincentes à comunidade acadêmica. Isso ocorre devido à “riqueza” e variedade dos dados coletados.

Para suplantar a limitação de se restringir a observação a apenas um extrato da população, conforme alertado por Gil (1987), outras técnicas de coleta de dados foram utilizadas, como as entrevistas, a consulta a documentos e a aplicação de um questionário que pretendeu levantar a percepção dos funcionários acerca da hierarquia de valores da organização. A utilização desse conjunto de técnicas permitiu ao pesquisador estender sua análise a toda a organização, o que foi facilitado pelo seu tamanho reduzido.

Com relação à dificuldade de análise sistemática dos dados levantada por Becker (1994), a coleta de dados desta pesquisa se orientou pelo modelo de exame de racionalidade em organizações produtivas proposto por Serva em sua tese de doutorado (1996). Dessa forma, foi possível orientar a atenção do pesquisador aos fatos ou situações, dentre todas as vividas, que estivessem ligadas ao seu problema de pesquisa. Ademais, o questionário sobre a hierarquia de valores organizacionais aplicado aos funcionários permitiu fundamentar as análises efetuadas com base na observação participante, fazendo com que as conclusões não fossem exclusivamente baseadas na percepção do pesquisador.

Na próxima seção será apresentado, com maior detalhamento, o modelo de exame de racionalidade proposto por Serva (1996), base da metodologia de pesquisa utilizada neste estudo, e na seção seguinte o instrumento proposto por Tamayo & Gondim (1996) que permite verificar a percepção dos funcionários acerca dos valores praticados em uma organização.