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GUERREIRO RAMOS E A TEORIA SUBSTANTIVA DA VIDA HUMANA ASSOCIADA Entretanto nada disso significa que devemos, ou que

2 A BUSCA DA EMANCIPAÇÃO HUMANA

2.2 GUERREIRO RAMOS E A TEORIA SUBSTANTIVA DA VIDA HUMANA ASSOCIADA Entretanto nada disso significa que devemos, ou que

podemos desistir de nossas tentativas de governar o carro de Jagrená. Anthony Giddens20 (1991: 154)

Guerreiro Ramos propõe repensar a ciência social e, particularmente, a teoria organizacional, sob um enfoque substantivo. Seriam características dessa nova abordagem (Guerreiro Ramos, 1989:134-135):

- os limites da organização ficariam restritos aos seus objetivos, ou seja, a presente abordagem se interessa em restringir o escopo de influência da lógica das organizações econômicas, pois estas detém “exigências que não coincidem, necessariamente, com aquilo que é requerido pela boa qualidade da existência humana em geral”;

- considera o “comportamento administrativo” não condizente com as potencialidades humanas, por ser subordinado a “compulsões organizacionais, formais e impostas” e a organização econômica como apenas um dos múltiplos tipos de organizações existentes;

- busca, mesmo no interior de uma organização econômica, “meios viáveis de redução, e mesmo de eliminação, de descontentamentos e com o aumento da satisfação pessoal” dos seus membros;

- contempla o desenho de sistemas sociais coerentes com os interesses humanos.

É importante que se esclareça, e Guerreiro Ramos é claro nessa posição, que não se trata de rotular a racionalidade substantiva ou a racionalidade instrumental como "boa" ou "má", pois ambas exercem papel fundamental em nossa sociedade:

20 Giddens (1991), compara os riscos da modernidade à humanidade estar em uma carro de Jagrená

“[...] minha crítica da sociedade contemporânea centrada no mercado não deve ser interpretada como uma defesa da eliminação do mercado como um sistema social funcional. Antes, reconhece como um crédito para todos os tempos futuros a grande conseqüência acidental da história do sistema de mercado, ou seja, a criação de capacidades de processamento sem precedentes que, se usadas corretamente, podem livrar a humanidade da maçada de trabalhar apenas por uma razão de sobrevivência” (Guerreiro Ramos, 1989:195).

Cada tipo de racionalidade tem seu papel, a racionalidade instrumental enquanto emancipadora das necessidades físicas das pessoas e a racionalidade substantiva enquanto emancipadora dos dogmas sociais. O que se discute é o papel de protagonista da primeira em todas as dimensões da vida humana.

A partir deste enfoque, ou seja, a possibilidade da coexistência das abordagens instrumental e substantiva em graus diferenciados, é que Guerreiro Ramos desenvolveu o “paradigma paraeconômico”, sustentáculo de sua “teoria substantiva da vida humana associada”.

Trata-se de um modelo multidimensional de análise e de planejamento dos sistemas sociais, em oposição ao modelo unidimensional centrado no mercado predominante nos campos da Administração e da Ciência Política, que considera:

a) "uma visão da sociedade como sendo constituída de uma variedade de enclaves (dos quais o mercado é apenas um), onde o homem se empenha em tipos nitidamente diferentes, embora verdadeiramente integrativos, de atividades substantivas;

b) um sistema de governo social capaz de formular e implementar as políticas e decisões distributivas requeridas para a promoção do tipo ótimo de transações entre tais enclaves sociais" (Guerreiro Ramos, 1989:140).

Para Guerreiro Ramos (1989), a formulação de sistemas sociais deve estar tanto preocupada com a atualização humana quanto com a eficiência na produção de bens e serviços, propiciando a criação de espaços onde os diferentes objetivos das várias combinações de ambientes organizacionais possíveis possam vir a ser atendidas.

Essa variedade de ambientes sociais posiciona-se no continuum multidimensional do paradigma paraeconômico permitindo que os indivíduos possuam alternativas de participação àqueles sistemas sociais que maximizam a utilidade. Dessa forma, a atualização individual se obtém mediante a vivência em diversos tipos de organização, umas mais voltadas para a maximização da utilidade e outras mais tendentes ao atendimento das necessidades de atualização humanas.

As principais dimensões do paradigma estão representadas na figura abaixo:

Figura 1 - O paradigma paraeconômico

Fonte: Guerreiro Ramos (1989:141).

Guerreiro representa graficamente seu paradigma em duas dimensões. Na primeira, procura-se representar como se dá a escolha pessoal: de forma comunitária ou individual. Na segunda, é representado a existência ou não de prescrição no processo de escolha.

Destacam-se desta formulação 6 categorias, cujas características serão explicadas a seguir (Guerreiro Ramos, 1998:146-153):

- anomia e motim: estas duas categorias, segundo o autor, foram elencadas por exigência da lógica das dimensões do paradigma. Na anomia a vida social é inexistente e não há qualquer tipo de regulação ou prescrição. Poderia ser representada pelos marginais, os excluídos, os

Ausência de Normas Prescrição

Motim Economia

Orientação Comunitária Orientação Individual

Anomia Isolado

mendigos, os que apresentam deficiências mentais. Já o motim representa “coletividades desprovidas de normas, a cujos membros falta o senso de ordem social”;

- economia: categoria própria dos ambientes sociais altamente submetidos a normas. As organizações representantes desta categoria podem ser reconhecidas por possuírem as seguintes características: prestação de serviços a clientes, que influenciam diretamente o planejamento e execução das atividades desenvolvidas; dependência da eficiência operacional para a sobrevivência; necessidade de assumir grandes dimensões em tamanho e complexidade; provedoras de empregos, detidos pelos seus membros a partir de qualificações profissionais; circulação irregular da informação entre os membros, condicionada por interesses pessoais;

- isonomia: categoria que se evidencia pelo espírito comunitário. Tem como características: objetiva principalmente a atualização de seus membros livre de prescrições que não sejam aceitas de comum acordo; oferece oportunidade aos seus membros de realizarem atividades que são gratificantes e compensadoras, por si mesmas e exercerem suas vocações, nela as “pessoas se ocupam, não labutam”; o processo decisório é abrangente, participativo e igualitário; necessidade de assumir tamanho e complexidade modestas pois prescinde de “relações interpessoais primárias” (se crescer além de um determinado ponto irá se descaracterizando por começar a desenvolver relacionamentos secundários);

- fenonomia: categoria representada por sistemas sociais dirigidos por um indivíduo e constituído por um pequeno grupo de indivíduos que detém “o máximo de opção pessoal e um mínimo de subordinação a prescrições operacionais formais”;

- isolado : os indivíduos excessivamente comprometidos com uma determinada norma que por eles é considerada única representam esta categoria. São casos de pessoas que apresentam oposição ao sistema a que se submetem mas não se manifestam.

A coincidência exata de qualquer uma delas com organizações ou manifestações sociais existentes não deve ser esperada, alerta Guerreiro Ramos (1989), uma vez que no mundo só existem sistemas sociais mistos. O autor enfatiza que se trata, portanto, de “elaborações heurísticas, no sentido weberiano”, ou seja, tipos ideais.