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2. RUI, UM ESTILO NO JORNAL

2.2 Antes do croqui, o texto

Rui nasceu em Novo Hamburgo, a cerca de 45 quilômetros de Porto Alegre – e foi ao público da cidade natal que primeiro direcionou seus artigos no jornal. É importante destacar algumas características desse lugar, marcado pela imigração alemã e emancipado politicamente em 1926 (da hoje vizinha São Leopoldo).

Com a aceleração da industrialização nos anos 1940, Novo Hamburgo ficou conhecida como “Manchester brasileira”. No período pós-guerra, a indústria calçadista se fortaleceu, voltando-se para o mercado externo. Rui argumenta que a boa condição financeira da família estava relacionada ao trabalho do pai, “uma pessoa simples que começou como operário, depois montou, com sócios, uma fábrica de calçados e foi tão bem-sucedido que chegou a ser destaque dentro da sociedade.”118

O sucesso nas exportações fez com que, a partir da década de 1960, Novo Hamburgo passasse a ser conhecida como “capital nacional do calçado.” A rápida transformação da cidade e o novo impulso econômico formaram um cenário onde

117 Sobre os cadernos femininos no jornal Correio da Manhã, ver LOPES, Ana Claudia L.F. “Assumptos Femininos”: a moda no Correio da Manhã nos anos 1920 In: Colóquio “Imprensa, moda e mulher: trânsitos, circulação e trocas.” Fundação Casa de Rui Barborsa, 2018.

118 SPOHR, Rui. VIEGAS-FARIA, Beatriz. Memórias alinhavadas. Porto Alegre: Ed. Artes e Oficios, 1997, p. 186.

conhecer as últimas tendências, e seguir a moda era uma maneira de demonstrar que o refinamento dos modos acompanhava o progresso econômico.119

Foi aí que “A Elegância Feminina”, coluna dedicada à moda no jornal Gazeta de

Novo Hamburgo, marcou o début de Rui nos jornais, em 1949. Nas páginas do

periódico, comentava eventos sociais e sugeria o uso de determinados acessórios ou roupas para ocasiões como bailes de gala. Em seu livro, diz:

Nos primeiros artigos eu falava sobre decotes. Depois dei início a uma campanha no jornal para as mulheres de Novo Hamburgo começarem a usar luvas, não só nos bailes, mas também na rua. Se andavam de luva e bolsa em Porto Alegre, por que não podiam fazer o mesmo na missa das 10 e no cinema, por exemplo? 120

No espaço que tinha no jornal, buscava mostrar a importância da moda e do saber se vestir – e o fazia por meio de conselhos. Ensinava como portar echarpe ou luvas e comentava eventos sociais. Pareceu bastante satisfeito, por exemplo, quando percebeu a adesão das hamburguenses às luvas no “Baile Hibernal”:

Com satisfação escrevemos este rápido comentário sobre a elegante reunião do Clube União Juvenil, esta que ficará para a história do bem vestir da cidade industrial. Sem dúvida o Baile Hibernal foi um grande, um enorme passo da mulher Novo Hamburgueza (sic) porque tivemos a ocasião de ver, quanto bom gosto, elegância e compreensão estavam escondidos no nosso mundo feminino. Jamais supomos serem em tão grande número, as pioneiras e interessadas pelo melhor vestir na nossa cidade, que aproveitando a primeira ocasião deram mostra que muito se pode esperar de Novo Hamburgo para bem breve, pois além de artísticos trajes, as luvas foram as princesas da noite.121

Além disso, aproveitava o espaço para responder a cartas, como a de M. (em publicação do dia 20 de junho de 1949). Nas palavras de Rui, “uma pessoa que sempre leu com prazer os seus artigos da moda”, mas que mostrava desagrado ao ver a insistência dele no uso de luvas e bolsas (suas “possibilidades econômicas não

119

Ver SCHEMES, Claudia. Pedro Adams Filho: empreendedorismo, indústria calçadista e emancipação de Novo Hamburgo : 1901-1935. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em História. PUCRS, Porto Alegre, 2006.

120

SPOHR, Rui. VIEGAS-FARIA, Beatriz. Memórias alinhavadas. Porto Alegre: Ed. Artes e Ofícios, 1997, p. 187.

121

permitem comprar, para cada vestido, umas luvas e bolsas”). Ela, à época, questionou: “Por que introduzir em Novo Hamburgo tais coisas, estávamos tão bem sem elas?”.122

Com um texto cheio de metáforas, convidou M. a pensar que, assim como um ramalhete de rosas – que, se não colocado em um recipiente adequado, pode perder seu encanto –, os acessórios são exigidos na arte do bem vestir. “Este mesmo traje, com luvas e bolsa adequadas e talvez mais detalhes como flores artificiais e, para a completa elegância, um chapéu, não melhora a apresentação de um modo incalculável?” devolve Rui, justificando os seus conselhos “talvez um pouco entusiásticos”. 123

Ao pressupor uma audiência sob a qual exercia uma espécie de pedagogia, deixa claro acreditar que existia na cidade uma vocação para a elegância, que acabaria por ser reconhecida:

Avante mulher da Manchester do Rio Grande, se neste passo continuarem todas com boa vontade, para o bem e elegância de cada uma teremos bem breve ao lado deste título honorífico, outro que a vós compete, o orgulhoso título de Paris do Rio Grande do Sul.124

Nem tudo, no entanto, eram flores. Em sua autobiografia, Rui demonstra que a escolha do pseudônimo para assinar seus primeiros textos no jornal não ocorreu por excentricidade. Havia a intenção de não desagradar a família, já que seu interesse por moda causava desconforto. Assim relata o dilema em torno da autoria dos textos:

Pedi a ele [Manuel Fernandes de Lima, o responsável pelo jornal] um espaço em seu periódico para escrever sobre moda. Ele gostou da ideia, garantiu- me o espaço, e foi então que surgiu o dilema do nome. A coluna seria assinada. Com a família contra e toda a colônia alemã contra, se eu assinasse Flávio Spohr, isso iria criar no mínimo uma celeuma.125

122 Ruy. Gazeta de Novo Hamburgo, 20 de junho de 1949. 123

Idem. 124

Ibidem.

125 SPOHR, Rui. VIEGAS-FARIA, Beatriz. Memórias alinhavadas. Porto Alegre: Ed. Artes e Oficios, 1997, p. 185.

Foi ainda em Novo Hamburgo que Rui organizou o seu primeiro desfile, em um evento da União dos Estudantes da cidade. O evento– inédito–contou até mesmo com o então prefeito, Carlos Armando Koch, na plateia. Inquirido pela Gazeta esse disse que “o desfile esteve muito bem, foi um índice de progresso para Novo Hamburgo, do que nos podemos orgulhar.”126 O aspirante a costureiro foi reconhecido ainda como “figura singular, de convicção, seriedade e talento.”127

Apesar da breve colaboração com o jornal hamburguense, Rui continuou se dedicando a moda. Foi morar na capital, conseguiu um emprego no Citibank, começou o curso de Belas Arte, para aprimorar seu desenho e, em 1952, partiu para Paris– centro incontestável da moda àquela época.