• Nenhum resultado encontrado

2. RUI, UM ESTILO NO JORNAL

2.3 Uma coluna no jornal A Hora

2.3.2 Retorno a Paris

Em 1957, como correspondente do A Hora, Rui retornou a Paris. A cobertura dos eventos foi extensa, indo muito além dos desfiles – as crônicas de viagem chegavam via Air France.

De início, Rui destacou a estreia de Guy Laroche e a coleção de Chanel. Apesar da decepção com o desfile de Chanel, suas propostas para 1957 foram retomadas, com croquis mais detalhados. Explicou: “Chanel é a única que autorizou a reprodução imediata dos modelos, rebelando-se contra as normas estabelecidas pelo sindicato dos costureiros”. Porém, criticou: “Quando uma voz anuncia ´La collection est terminé´, ficamos como que pregados na cadeira, pois o algo ‘novo’, que motivasse um oh!, muito comum nas coleções, não foi ouvido”.142 (Figura 23)

142

Figura 23 - Versões de Rui para Chanel, 1957

Fonte: A Hora

Após um exílio na Suíça, Chanel voltou a apresentar coleções em 1954 , aos 71 anos de idade. Seu estilo simples e utilitário encontrou dificuldades com o sucesso do

new look de Dior, que era totalmente o seu oposto. Entre as muitas críticas recebidas

pela imprensa, Chanel foi apoiada por Hélène Lazareff, da então recém lançada revista francesa Elle e também agradou a jornalistas americanas.143 Portanto, a reação de Rui ao assistir a coleção demonstra, por um lado, a determinação da costureira francesa em reencontrar sua clientela – e se reestabelecer como referência de estilo –, mas também a forma como ele próprio recebia as informações acerca da moda para então passá-las adiante em suas colunas.

Há ainda uma breve entrevista com Geneviève Fath, viúva do costureiro Jacques Fath, a qual, até o final daquele ano, deu continuidade às coleções. De acordo com o texto, Mme. Fath ofereceu um coquetel a imprensa especializada em sua residência, descrita por Rui:

143 Ver BAUDOT, François. A moda do século, ou ainda DUBOIS-JALLAIS, Denise. La tzarine,Hèléne Lazareff et l´aventure de ‘Elle’. Paris: Éditions Laffont 1984.

uma casa típica da alta-sociedade francesa. Grandes salas, pequenos conjuntos de móveis dentro o estilo Louis XV, muitas pinturas, dourados e veludos. Uma residência rica e bonita dentro dos princípios europeus, sobretudo franceses.” Perguntada sobre a elegância da mulher brasileira, a resposta foi que `bonita como ela é seria muito mais elegante se abandonasse os bordados de pedraria'.144

O texto enviado com agilidade garante a informação inédita, em primeira-mão, ao mesmo tempo em que vai construindo um discurso que, ao relacionar-se com os grandes nomes da época, coloca o autor entre eles não apenas como representante, mas como se fosse um de seus pares.

Os detalhes da casa de Fath, assim como a sua recomendação em abandonar certos adereços, reforçam a ideia do (bom) gosto ligado a um vestir mais sóbrio, adequado aos padrões definidos às mulheres que atendem aos predicados de mãe e esposa, dedicada ao lar. Os excessos seriam permitidos apenas aos ambientes da casa, marcados por certa tradição (como veludos e o estilo Louis XV),que atendia aos “princípios europeus, sobretudo franceses”, ou seja, ligados ao refinamento.

A ausência de bordados e pedrarias é retomada no comentário sobre o desfile de Jean Patou:

Nota-se uma ausência cada vez maior dos bordados de pedrarias, somente em vestidos de grande gala. Dior, o que muito procura agradar à mulher americana, sua melhor compradora, possui o maior número de vestidos bordados em pedrarias, assim mesmo muito menos que o ano passado.145

A clientela americana e seu gosto por bordados ajudam a alimentar uma ideia de “nouveau riche”, onde há o desejo de ostentar. Além de atrelada a um padrão vigente de elegância, a ideia de simplicidade aparece mais adiante, quando Rui passa a definir o próprio estilo como “a sofisticada originalidade do simples” – sem excessos e sem enfeites. Em seu livro, reforça o acordo desse estilo com a moda internacional:

Criou-se o estilo Rui, a interpretação do internacional traduzido para o nosso meio. E teve sucesso porque as mesmas idéias quanto aos novos rumos da

144 Jornal A Hora, 1957. 145

moda estavam latentes também aqui mais no sul. Tudo deveria ficar mais simples -abaixo com a ostentação, as rendas, as anáguas, as saias rodadas.146

Ainda através de seus desenhos, Rui ilustra às leitoras modelos elegantes vistos nas ruas, e o que vestia a editora de moda da Vogue francesa para o desfile de Jean Barthet (Figura 24).Dois croquis rápidos acompanham descrições mais detalhadas: “fluida e vaporosa, eis as características da nova linha”. Quanto aos desenhos, adverte (Figura 25):

De acordo com as normas estipuladas pelo Sindicato da Alta Costura, de Paris, os modelos apresentados nos desfiles não podem ser reproduzidos antes de 30 dias. Por esse motivo, limitamo-nos a um croqui que dará ideia das características da coleção Jean Patou, 1957.”

146 SPOHR, Rui. VIEGAS-FARIA, Beatriz. Memórias Alinhavadas. Porto Alegre: Ed. Artes e Oficios, 1997, p. 295.

Figura 24 - Elegantes vistas por Rui em Paris, 1957.

Fonte: A Hora.

Figura 25 - Versão de Rui para Jean Patou. 1957.

De volta a Porto Alegre, Rui concedeu uma detalhada entrevista a Célia Ribeiro, que assim introduziu o texto:

Terça-feira de Carnaval o telefone tocou e Rui nos disse que chegara de Paris, que vira coisas lindas na Capital da Moda, aplaudira Ingrid Bergman em “Chá e Simpatia” e estava com vontade de saber as novidades a respeito desta nossa terrinha147

À jornalista, Rui relata desde a série de formulários que teve de preencher para ter acesso aos desfiles (“eles são muito exigentes para a entrega dos convites”) até as interdições impostas ("era terminantemente proibida a presença de costureiros e ou de proprietários de casas de alta-costura nesses desfiles”).148

Indagado por Célia sobre sua entrada nos espaços das apresentações, respondeu que não houve “nenhuma dificuldade”, pois “quando se trata de vestidos é que a coisa muda”. Isso leva a mais um capítulo do duelo Spohr versus Steigleder: ao afirmar a proibição de “proprietários de casas de alta-costura” nos desfiles, dá a entender que Mary não poderia assistir aos desfiles.

Ressalta também sua posição como “cronista de moda”, que desenha e faz comentários, algo que já acontece na imprensa francesa: “todo jornal francês que se preza tem um cronista de moda que desenha, comenta e – infelizmente – pouco critica” (em função da relação com as casas de moda). Indagado sobre a presença de “outros cronistas brasileiros a fazer a cobertura da Moda 57”, decretou:

Oficialmente o único brasileiro presente nos desfiles fui eu. Orgulho-me de ser o primeiro a divulgar no Brasil através de A Hora e no Rio, através de outro matutino, estes lançamentos de moda. Um dos fatos mais significativos foi justamente a presença de cronistas do mundo inteiro a desenhar os modelos depois do desfile.149

147

RIBEIRO, Celia. Rui novamente em Porto Alegre. Jornal A Hora, 9 de março de 1957. 148 Idem

149 Ibidem

Rui coloca-se numa posição de pioneirismo ao recriar no Brasil algo que já acontecia “no mundo todo”. Ao viajar a Paris e assistir à apresentação das coleções in

loco, seus textos e desenhos retrataram impressões pessoais, sem intermediários.

Não é possível mensurar o impacto no público da cobertura de Rui dos desfiles em Paris. Porém, a excursão o ajudou a posicionar-se dentro do campo onde ainda era um iniciante: como se as páginas do jornal atestassem uma tentativa de construir prestígio. Nesse caso, a partir de uma experiência exclusiva, que passa a ser compartilhada com o público leitor.

Rui firma seu espaço no jornal concomitantemente à sua atuação como chapeleiro. Passa a fazer parte de um campo que já tem uma dinâmica própria, assim como referências estabelecidas (vide Mary Steigleder). Nesse sentido, como observa Pierre Bourdieu, “a condição de entrada no campo é o reconhecimento da disputa e, ao mesmo tempo, o reconhecimento dos limites do jogo que devem ser ultrapassados, sob plena exclusão”.150

Essa luta é feita de revoluções parciais, capazes de destruir a hierarquia, mas não o jogo. Ainda conforme Bourdieu, passam-se a ser buscadas definições mais autênticas “do que aquilo em cujo nome os dominantes dominam”. Dessa forma, o que Rui viu, viveu e trouxe para as páginas do jornal após a excursão de 1957 ajuda a reforçar sua posição de autoridade legítima. Suas declarações acerca do gosto e da moda estão de acordo com a moda francesa, a qual, no Brasil, ele representa.